Pular para o conteúdo principal

Maurice



Vou falar de um gato que tive e já não tenho, mas que, a salvo da mudança, que tudo aniquila, subsiste imutável naquelas perpétuas saudades já cantadas por um poeta nosso.
Chamava-se Maurice, pois a cor de sua pelagem lembrava-me o cabelo do jovem ator que, pouco antes, protagonizara o filme de igual nome, baseado no romance de E.M. Foster; e apareceu-me, num fim de primavera, entre o mato que crescia em meu quintal. Arisco – e com excelentes razões para sê-lo, como vim a descobrir – esquivo a qualquer contato humano, da distância a que me achava pude ver-lhe a cabeça e o dorso rajado de um vívido amarelo-laranja, que brilhava entre as ervas escuras germinadas a esmo. Em lugar da cauda, um pequeno toco ensanguentado falava-me em silêncio de um acidente ainda recente.

Levei-lhe comida, a mesma que comiam minhas três gatas, deixando-a a certa distância da touceira de onde me espreitava, e logo me afastei. Ele veio e comeu.

Na tarde seguinte, mais ou menos à mesma hora, lá estava ele no mesmo lugar. Saudamo-nos com o olhar. Levei-lhe a comida e ele comeu.
Não contei as vezes em que este ritual se repetiu: dias? semanas? A pouco e pouco eu ia deixando a comida mais e mais perto de onde ele se quedava. Um dia ele veio comer ao pé de mim. Acariciei o seu dorso de leve, e ele não fugiu. Mais alguns dias e consegui pô-lo numa cestinha e levá-lo a um veterinário.

Maurice viveu conosco por seis anos. A partir do momento em que vim a merecer-lhe a confiança, ele se rendeu de todo em todo, com o rematado abandono de uma criança, com a entrega sem limites de um cachorro. Eu sei e muitos sabem, por experiência, que não somos nós que escolhemos nossos bichos: são eles que nos escolhem e que nos têm. E o Maurice me escolheu, disto dando tais mostras que, se os gatos falassem língua humana, jamais lhe ocorreria dizer-me ‘Eu sou o teu gato’, senão ‘Tu és o meu homem’. Encontrava o caminho do meu colo, nas longas tardes do Arizona, e lá se deixava ficar enquanto eu lia, certo de que lhe não haveriam de faltar as carícias a que fazia jus. E, sem nunca ter ouvido falar dos gatos de Baudelaire, mais de uma vez, retraídas as garras, veio estender-se sobre o peito do amigo reclinado.
Morreu num fim de primavera, ou começo de verão. Acometera-o uma doença degenerativa dos rins, que provocava uma sede abrasadora e insaciável. Uma das únicas fotos que dele ficaram mostra-o, no quintal de casa, debruçando-se em busca de alguma água que beber no fundo de meu regador. O veterinário ainda propôs-me fazer-lhe um transplante de rim mas, para tanto, seria necessário buscar um gato são, em algum abrigo da Humane Society, e subtrair-lhe um dos rins. Rejeitei o alvitre. Trouxe o meu Maurice de volta para casa e fiz o que pude para aliviar-lhe os últimos dias. Ao levantar-me, certa manhã ensolarada, encontrei-o morto e já rígido, na pequena cama que lhe improvisara na cozinha.

Está enterrado no quintal de minha antiga casa de Tucson. Uma camisa de seu homem serviu-lhe de mortalha.


Texto: Sérgio de Carvalho Pachá,   AMDG


(JA, Mar18)


Postagens mais visitadas deste blog

Energia, Frequência e Vibração

Na palavras de Nicolas Tesla, 1856-1943 , o inventor do rádio e da corrente alternada: ‘Se você quer descobrir os segredos do Universo, pense em termos de energia, frequência e vibração’. Tudo no universo é energia, manifestada através de vibração, produzida numa dada frequência, criando a matéria. No interior de cada átomo que compõe a matéria, existem apenas padrões vibracionais. A física quântica e relativística, que constituem a  física moderna, definem que vivemos num mundo de energias, frequência e vibrações, as  quais manifestam o mundo físico. Somos seres vibracionais. Cada vibração tem a sua frequência determinada pelo  que sentimos. No mundo ‘vibracional’ existem apenas duas espécies de vibrações: a positiva e a negativa. Qualquer sentimento resulta na emissão de uma vibração, em determinada frequência, que pode ser positiva ou negativa. A energia enviada para o universo encontra um campo de energia semelhante, onde ela é otimizada pelo conjunto. Es...

Petit, o Menino do Rio

  Petit, na verdade José Artur Machado foi o surfista talentoso de espírito livre que nunca cresceu. Com seus 1,80 de altura, loiro de pele bronzeada e olhos verdes,  tornou-se muito conhecido pelos frequentadores da praia do Pier e Ipanema. Principalmente pelas jovens, que o apelidaram de Mel. Seu jeito de viver a vida livremente inspirou Caetano que depois de horas de conversa com Petit escreveu a música eternizada na voz de Baby. Petit representou como ninguém a geração saúde, termo que aliás não existia. Praticante de jiu-jitsu, cuidadoso com seu corpo, surfista e modelo free lancer.   O triste fim de Petit Apesar de ter sido personagem de uma música tão famosa ele não mudou seu comportamento. Levava a vida com naturalidade. Por algum motivo começou a usar drogas, talvez pelas influências ou por própria escolha. Isso quebraria um pouco de seu encanto sobre os frequentadores das praias cariocas? Não podemos afirmar. Mas um trágico acidente de moto oc...

Grabovoi - O Poder dos Números

O Método Grabovoi  foi criado pelo cientista russo Grigori Grabovoi, após anos de estudos e pesquisas, sobre números e sua influência no nosso cérebro. Grigori descobriu que os números criam frequências que podem atuar em diversas áreas, desde sobrepeso até falta de concentração, tratamento para doenças, dedicação, e situações como perda de dinheiro. Os números atuam como uma ‘Código de desbloqueio’ dentro do nosso inconsciente, criando frequências vibratórias que atuam diretamente na área afetada e permitindo que o fluxo de informações flua livremente no nosso cérebro. Como funciona? As sequências são formadas por números que reúnem significados. As sequências podem ter  1, 7, 16, ou até 25 algarismos, e quanto mais números, mais específica é a ação da sequência. Os números devem ser lidos separadamente, por exemplo: 345682 Três, quatro, cinco, seis (sempre o número seis, não ‘meia’), oito, dois. Como praticar Você deve escolher uma das seque...