A felicidade passa a
ser objeto da ciência e índice para análise de desenvolvimento político,
econômico e social de nações, em todo o mundo. Após décadas de estudos,
pesquisadores mapeiam as principais condições que geram a felicidade e revelam
como é possível desenvolver áreas que levam ao tão desejado sentimento.
Felicidade é
daqueles desejos unânimes, capazes de unir pessoas de classes sociais, países e
culturas diferentes. Tomando como um simples exemplo a música, temos um funk
famoso da década de 1990 que diz, ‘O que eu quero é ser feliz, andar
tranquilamente na favela onde eu nasci’. Aí em outro 'mundo, diretamente dos
EUA e seu bilionário mercado fonográfico do pop, surge um hit que arrebatou o
planeta recentemente: ‘Happy’, de Pharrell Williams. Então, pessoas da Ásia, da
Europa, da América do Sul, passavam a dançar e bater palmas ao som da canção,
que em um dos trechos diz: ‘Bata palmas, se sente que a felicidade é a verdade/
Bata palmas, se sabe o que a felicidade é para você/ Bata palmas, se sente que
é isso que você quer fazer’.
É aí que entra
a ciência, e aqueles 99% de transpiração citados por Einstein. Durante décadas,
mais precisamente desde a década de 1960, estudiosos de diversas universidades,
com destaque para as universidades da Pensilvânia e de Harvard, se debruçaram
em estudos sobre a felicidade. Neste período, Martin Seligman e outros
pesquisadores fundaram a psicologia positiva, e o conceito do
florescimento humano, contribuindo de forma essencial para as descobertas
aceitas atualmente.
Com a
psicologia positiva, condições que envolvem relações interpessoais, propósito,
satisfação, e motivação, deixaram de ser abstratas e passaram a ser analisadas
de forma sistemática e científica. ‘Até então, não se considerava que estes
aspectos poderiam ter um certo padrão, que revelassem um tipo de sistema de
condições que geram a felicidade, assim como os padrões dos conceitos
analisados pela neurociência’, explica Flora Victoria, mestre em Psicologia
Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia e presidente da SBCoaching.
Este ano, a especialista foi nomeada oficialmente Embaixadora da Felicidade no
Brasil, pelo evento mundial World Hapiness Summitt, que reúne líderes
governamentais, acadêmicos e pesquisadores nos EUA para discutirem a felicidade
e o bem-estar, em toda sua complexidade científica, política, social e
econômica.
As descobertas
da neurociência se referem às estruturas e regiões do cérebro que atuam no
processamento de emoções e razão, que, consequentemente, são identificadas como
felicidade ou infelicidade. São elas:
Hipotálamo – responsável pelo sistema de recompensa
instantânea; é movido pelo neurotransmissor dopamina.
Hipocampo – é uma parte do cérebro que guarda a
memória de sons, imagens e cheiros de experiências já vividas.
Lobo Frontal Esquerdo – é a parte que distingue a
recompensa imediata da ‘alegria’ mais duradoura; é movido pelo
neurotransmissor serotonina.
Amígdala – glândula que ‘traduz’ as
memórias do hipocampo em emoções, e gera o bem-estar no presente.
‘Uma pessoa
com disfunção na amígdala ou baixos níveis de dopamina ou serotonina terá menos
predisposição biológica para a felicidade, por exemplo. Isso, definitivamente,
não significa que ela nasceu para ser infeliz’, explica Flora. ‘É nesta parte
da neurociência que estão os 50% que os pesquisadores consideram serem a porção
genética da felicidade. Apesar de existirem ações que cabem à medicina e aos
especialistas para estes 50% genéticos, temos outros 50% para
desenvolver".
Psicologia
positiva e florescimento humano: o sistema para a felicidade
O objetivo da
psicologia positiva é fazer com que as pessoas adquiram competências para
lidarem com suas vidas cotidianas, sendo capazes de intervir no andamento delas
de forma proveitosa; daí a relevância das qualidades, virtudes e forças
pessoais, que são habilidades natas, muitas vezes, pouco ou nada exploradas por
não serem reconhecidas.
Estão
envolvidas neste processo as emoções positivas, cujo desenvolvimento amplia a
percepção, a capacidade de raciocínio e os recursos internos, para lidar com
situações adversas e de estresse. ‘Por meio do conhecimento das potencialidades
latentes de cada um, é possível ativar as emoções positivas e desenvolver as
forças de caráter (talentos) – que aumentam os níveis de bem-estar e proporcionam
uma realização genuína’, explica Flora Victoria.
A tradição do
cristianismo de que a felicidade duradoura não pertence a este mundo, ou é algo
satânico, contribui para uma ideia, ainda hoje, bastante popular na cultura
brasileira: ‘Se você está muito feliz, é melhor se preparar, porque felicidade
dura pouco’.
Segundo Flora
Victoria, o processo proposto pela psicologia positiva surge justamente em
linha oposta. ‘Ao trabalhar suas potencialidades e autoconhecimento, o
indivíduo amplia sua capacidade de raciocínio e percepção, o que lhe ajuda a
construir uma fonte de recursos internos para lidar com adversidades, passando
a vivenciar mais episódios positivos. Quanto mais emoções positivas, mais aptos
nos tornamos a reproduzi-las em situações futuras; conforme este ciclo virtuoso
se perpetua, ele ajuda a consolidar a resiliência psicológica e o bem-estar
subjetivo, para que ele aconteça de forma mais perene, levando ao que chamamos
de florescimento humano’, diz.
Dados
da Felicidade – existe um recado aqui
Fatores
externos contribuem para a felicidade ou infelicidade individual e coletiva.
Segundo o World Happiness Report 2018, realizado pela ONU, com suporte do
Instituto Gallup, a avaliação da qualidade de vida dos cidadãos na Venezuela
caiu de 7.6 em 2010 para 4.1 em 2016, revelando o impacto das degradadas condições
política, econômica e sociais do País.
A fama
brasileira, de país de gente feliz, apaixonado pelo Carnaval, não se comprova
nos dados do levantamento da ONU. Segundo ele, em relação às experiências
positivas e negativas, nos cinco dias anteriores à pesquisa, os brasileiros
estão bem atrás dos seus vizinhos na América Latina. Na média de 2006 a 2016, o
Brasil ficou em 19º lugar, provando que, no seu cotidiano, faltam experiências
positivas, como: ser tratado com gentileza e respeito, aprender algo novo e sorrir;
e sobram sensações negativas, como raiva, estresse e depressão.
O estudo
mostra que, se por um lado os latino-americanos têm como favoráveis à
felicidade o clima, a natureza e as relações interpessoais, por outro,
problemas econômicos, de segurança e sociais, dificultam para que estes
cidadãos consigam ter uma vida de satisfação e bem-estar: 36% dos brasileiros,
e 56% dos mexicanos, afirmam que o que ganham não é suficiente para pagar suas
despesas. 20% no México e 15% no Brasil foram vítimas de algum tipo de crime no
ano anterior.
No WHR 2018,
com relação ao impacto desses problemas estruturais, temos como confirmação o
resultado de maior votação na América Latina, as respostas:
¾
Quase todos são corruptos; ¾ Enfrento dificuldades financeiras e um grande problema para cobrir minhas necessidades;
¾ Tenho medo da violência, já fui vítima e tenho parentes que já foram vítimas de crimes no último ano.
O recado,
embutido nos resultados do recém-divulgado World Happiness Report 2018, remete
a uma análise realizada por Flora Victoria em sua dissertação de mestrado,
concluída em 2015. Orientada por Isaac Prilleltensky, PhD, psicólogo expert em
bem-estar comunitário, Flora, por meio da criação do Projeto Semear, analisou
de forma pioneira os diversos fatores capazes de impactar o bem-estar dos
brasileiros, que enfrentam diariamente uma realidade repleta de conflitos
morais e éticos e permeada por intolerância, corrupção, criminalidade e falta
de apoio social.
Ainda em 2015,
três anos antes dos resultados recém-disseminados pelo WHP 2018, Flora já havia
descrito que o bem-estar, abalizado pelos conceitos da psicologia positiva, é uma
construção multidimensional e, por isso, não há como qualquer indivíduo
alcançar a felicidade autêntica apenas por meio de sua vontade, ignorando a
desigualdade e a injustiça. Assim, estar ciente das problemáticas sociais, e do
relacionamento com o ambiente que nos circunda, é um passo fundamental em
direção à mudança.
Quero
ser feliz. Como faço?
Não há uma
receita de bolo, afinal são décadas de pesquisas e estudos e uma boa parte
deles ainda não descobertos. Mas diante do que a ciência já comprovou, existem
algumas boas atitudes para se debruçar – ao mesmo tempo - rumo à felicidade e
elas podem ser agrupadas em um modelo criado pelo Dr. Martin Seligman* para
catalisar mudanças em todas as áreas da vida, o PERMA.
P – Positive emotions (emoções
positivas) são um fio condutor para o bem-estar e a satisfação. Ampliam a
consciência das pessoas e estimulam novos caminhos para explorar pensamentos e
ações, além de facilitarem o desenvolvimento de novos recursos e habilidades.
E – Engagement (engajamento) diz respeito ao envolvimento consciente de um
indivíduo com os diferentes aspectos de sua vida. Significa acreditar que as
coisas que você faz valem a pena, e dedicar-se a elas com comprometimento e
paixão.
R – Relationships (relacionamentos positivos e conexões sociais) - eles são
fonte de apoio e de conexão. Segundo as pesquisas de Seligman, as pessoas mais
felizes costumam ser as mais sociáveis. Além disso, relacionamentos positivos
constituem as bases de instituições positivas, sejam elas famílias, empresas ou
comunidades.
M – Meaning
(significado e propósito) é o nosso propósito, aquilo que dá sentido às nossas
vidas e orienta nossos esforços e objetivos. Que tal parar para pensar ou
repensar os seus?
A – Accomplishment (realização) refere-se a atingir os objetivos que
estabelecemos para nós. Ela pode ser momentânea, quando não está relacionada a
um propósito maior; e um marco de vida, quando é imbuída de significado. De
acordo com Seligman, os dois tipos de realização podem contribuir para o
aumento do bem-estar.
O
problema pode estar na sua ideia de bem-estar
Sabe aquela
sensação de 'não estou triste, mas também não estou feliz?'. O bem-estar é mais
que a ausência de estados psicológicos negativos; ele é também diretamente
influenciado por perspectivas subjetivas, por metas sem alinhamento com seus
propósitos, com o que lhe motiva e lhe traz satisfação. ‘Sem saber, a pessoa
acaba se auto sabotando. Sua busca pelo bem-estar pleno inevitavelmente
fracassa, porque ela deixa de atender suas necessidades e desejos enquanto
indivíduo’, explica Flora Victoria.
O bem-estar
subjetivo é um índice mensurável e que decorre da satisfação nos diversos
domínios da existência. Ele está relacionado com a avaliação cognitiva e
emocional que uma pessoa faz sobre sua vida. Indivíduos com forte bem-estar
subjetivo costumam considerar agradável e recompensadora a vida que têm. Eles
mantêm relações mutuamente satisfatórias, veem sentido em suas atividades, e
têm um senso de controle sobre o que vivem. São esperançosos e otimistas,
estabelecem metas, engajam-se em realizá-las, e focam seus recursos na
superação dos obstáculos ao longo do caminho.
Entender nosso
próprio valor e lugar no mundo, para depois investir tempo e energia buscando
metas valiosas, é a chave do sucesso. Comunidades com maior bem-estar subjetivo
têm menor índice de criminalidade, corrupção e estado de saúde menos precário.
Pessoas com maior bem-estar subjetivo vivenciam uma variedade de resultados
positivos, como aprendizado eficaz, produtividade, bons relacionamentos e boa
saúde.

Fonte:
Martin Seligman – psicólogo americano, reconhecido como fundador da psicologia
positiva, PhD e professor da Universidade da Pensilvânia, onde dirige um
departamento exclusivo sobre a ciência. Ficou conhecido como ‘doutor felicidade’,
depois de estudar, por mais de 20 anos, como é possível ser mais feliz e lançar
livros como ‘Felicidade Autêntica’ e ‘Florescer’; Flora Vitória, mestre em Psicologia Positiva
Aplicada pela Universidade da Pensilvânia, e presidente da SBCoaching. Este
ano, a especialista foi nomeada oficialmente Embaixadora da Felicidade no
Brasil, pelo evento mundial World Hapiness Summitt- WHS | Renata
Lima, Engage
(JA, Mar18)