Em 1750, Espanha
e Portugal firmaram o Tratado de Madri, estipulando as fronteiras de suas
colônias sul-americanas. Há mais de setenta anos antes da Independência, o
território brasileiro já estava demarcado nas suas linhas básicas, num mapa
muito próximo do atual. Incluía a Cisplatina, atual Uruguai, e não incluía o
Acre. Foi muito diferente, por exemplo, a história dos Estados Unidos, em que
houve uma enorme expansão após a Independência, com aquisições feitas por
compras - Flórida, Louisiana, Alasca, ou
por guerras -Texas, Novo México, Califórnia.
A atuação da
diplomacia brasileira pode ser classificada em dois eixos. Num deles, nas
relações com os vizinhos latino-americanos, sobretudo na região platina, onde
as tensões, que já vinham dos tempos coloniais, redundaram em conflitos no
século XIX. As guerras do período 1850/1870, se encaradas com certo
distanciamento, podem dar razão tanto aos governantes brasileiros, como as dos
contendores. Em alguns momentos, notadamente a segunda intervenção no Uruguai, o
lado brasileiro teve sua parcela de culpa.
Num outro
eixo, as relações assimétricas do Brasil com as potências hegemônicas, primeiro com a
Inglaterra e depois com os Estados Unidos. Herdada da coroa
portuguesa, a ligação preferencial com os ingleses implicou a aceitação de
pesadas imposições de privilégios comerciais e jurídicos, além de humilhante
tutela política. Foi lento e penoso o seu desmantelamento ao longo do século
XIX, articulado no início do século XX, quando o Barão de Rio Branco liderou a
diplomacia. A aproximação com Washington funcionou inicialmente como
contraponto à Grã-Bretanha e à França, potências da época que tinham fronteiras
com o Brasil, nas Guianas − e havia litígios pendentes.
Por essa ‘aliança
não escrita’, o Brasil apoiava posições americanas no hemisfério, em troca de
apoio frente aos europeus. Além disso, esperava que, em eventuais disputas
fronteiriças com vizinhos da América Latina, os americanos não tomariam partido
pelo outro lado. No essencial, essa aliança perduraria até o início dos anos
1960.
Coube ao Barão
de Rio Branco o papel de maior destaque na história da diplomacia brasileira. O
país deve a ele a resolução pacífica das questões de fronteiras que ainda
restavam no início do século XX, bem como os entendimentos satisfatórios com a
Bolívia e Peru a respeito do Acre. Deve-se a ele também a consolidação de uma
postura não agressiva no relacionamento com os outros países − ou seja,
recorrendo, não à força militar, mas à negociação diplomática direta e, em
alguns casos, à arbitragem.
Isso
normalmente exigia um cuidadoso estudo de mapas e de documentos antigos a fim
de se obter uma fundamentação sólida para os argumentos levados à mesa de
negociações. Também fez parte desse padrão o abster-se de ingerências em
assuntos da política interna de outros países. Assim, por várias décadas, as
relações do governo brasileiro com a dos demais países, andaram sendo pautadas
pela impessoalidade: o critério era o interesse nacional, e não a maior ou
menor afinidade político-ideológica dos personagens ou partidos que estivessem
à frente do governo..
Figura de
grande prestígio e popularidade no seu tempo, Rio Branco foi várias vezes
sondado para uma candidatura à Presidência da República. Sempre recusou, assim
como também cuidou de se manter afastado dos embates da política interna
brasileira, optando por se dedicar a assuntos ou causas incontestavelmente
nacionais − ou seja, da nação inteira, e não desta ou daquela facção. Veio de
então a tradição − cultivada até poucos anos atrás − de os diplomatas de
carreira se absterem da filiação a partidos políticos e da atuação em campanhas
eleitorais, a não ser que se licenciassem dos quadros do Itamarati. Mesmo nos seus
dias mais tumultuados, Jango Goulart entendeu e respeitou essa atitude de
distanciamento quando tomada por Araújo Castro, seu último chanceler.
Certo
alinhamento com a política externa americana iria perdurar até o final dos anos
50. Havia, porém, uma crescente frustração com o tratamento recebido dos
Estados Unidos, que parecia não levar em conta o apoio prestado pelo Brasil
durante a Segunda Guerra.
Finalmente,
uma reviravolta se daria com a chamada ‘Política Externa Independente’,
iniciada no governo de Jânio Quadros e continuada no de Jango. Deixando de
olhar o mundo pelo viés da Guerra Fria, a chancelaria brasileira se afastou do
alinhamento automático com as posições americanas na ONU, OEA, etc. Tal posição
seria revertida com o golpe de 64, mas voltaria à tona no Governo Geisel, com o
Ministro Azeredo da Silveira; desde então, tem sido basicamente mantida por
todos os governos, embora com variações de ênfase e de estilo.
Base: Livro ‘A Diplomacia na
Construção do Brasil’, de Rubens Ricupero | Rio: Versal Editores, 2017, Antônio
Carlos Bôa Nova.
Notas: Diplomata de carreira hoje
aposentado, Ricupero lecionou durante anos no Instituto Rio Branco. Com
atualizações e adaptações, o livro se originou de suas notas para o preparo de
aulas de História das Relações Internacionais do Brasil. Mas não se trata de simples
história da diplomacia; uma de suas originalidades é focalizar as relações
internacionais, ante o pano de fundo da história econômica e política do país.
(JA, Jan18)