Robson era um jovem que acabara de
fazer 18 anos. Havia prestado exame vestibular para engenharia e conseguira
ser aceito na faculdade. Como as aulas ainda não haviam começado, resolveu visitar seu avô que
morava numa cidade do interior de São Paulo.
Por problemas familiares – sua mãe não se dava com o avô, ele tivera
pouco contato com ele até então. Essa era a primeira vez que o visitava.
Sabia que seu avô, Leonardo, havia
sido professor universitário, que era um homem muito articulado e culto.
Entretanto, nunca imaginara encontrar alguém como ele. Simples, de bem com a
vida, simpático, carismático. Conseguia se expressar de uma forma que levava a
quem o ouvia, a entender seu pensamento e a acreditar no que ele dizia.
Robson não estava acostumado a
conversar com pessoas mais velhas. Em casa não era muito próximo da mãe e seu
pai sempre com pressa, tendo o que fazer.
Então, considerou aquela uma oportunidade muito boa para aproveitar a
experiência de vida do avô.
Quando foi possível, perguntou como
ele se sentia ao recordar o passado, de como ele foi numa outra época. Ao que o
avô respondeu, olhando para o espaço como se estivesse visualizando uma outra realidade, assumindo a postura do mestre que foi por tanto tempo.
“Cada momento de nossa vida, quando
olhado do futuro, parece estar numa outra dimensão, como se não fôssemos nós
mesmos os protagonistas.
Aquela conversa que tivemos com
aquela pessoa, naquele dia, naquele local. Ela existiu, como o próprio tempo do
verbo diz. Mas, para nós, ela continua
recorrente, existindo ainda. Tudo mudou - nós mesmos, a pessoa, o lugar,... -
mas aquele momento continua igual, com tudo que ele carregava em termos de
ambiente, sentimento, emoção, consequências.
Então podemos inferir que a realidade comporta mais de uma dimensão? As passadas convivem
com a atual? Sem dúvida. Entretanto, tanto as realidades passadas como a atual não
são iguais para mais de uma pessoa. Cada pessoa tem as suas, e as sente, pinta, interpreta, de acordo com a sua percepção
individual, a qual, além disso, pode variar, dependendo das experiências, da fase de vida de cada um.
Se conseguirmos listar as
pessoas que conhecemos, os sentimentos que dedicamos a cada uma delas, nossas
conversas e ações, os locais onde estivemos, as marcas que ficaram registradas
na nossa memória, enfim se somarmos todos os esses momentos, as nossas
realidades passadas, vamos ter a história da nossa vida. E ela, poderá ser
chata, ou emocionante, ou triste, ou alegre, etc. Entretanto, a única coisa que ela terá em
comum com as histórias das outras pessoas, se que é que podemos dizer assim, é que ela é
original, exclusiva para quem a viveu.
Quando somos jovens, nossa história é
curta, fácil de lembrar, de corrigir. Quando
nos tornamos adultos, temos tanta coisa em que pensar, fazer, que não
gastamos tempo revendo a nossa história. Entretanto, quando ficamos mais
velhos, com mais tempo disponível como normalmente ocorre nesse período, nós a valorizamos cada
vez mais. Se foi boa, ótimo. Se não foi, problema - principalmente porque as
chances de alteração então serão muito reduzidas, por conta das nossas limitações
físicas, financeiras e, principalmente, pelo pouco tempo que ainda nos resta.
Então, o que fazer? Na minha opinião,
para não chegarmos ao final da nossa vida e concluirmos que ela não foi boa,
devemos viver como quem está escrevendo um livro, o livro da nossa vida. E, naturalmente, como um escritor consciente, nos empenhando em escrever de forma a manter o ‘leitor’ interessado, envolvido, pela forma e enredo inteligentes e, finalmente, pelo final feliz.
Naturalmente, não é tão simples
assim. Existem momentos em que somos
surpreendidos e reagimos impulsivamente sem pensar, e nos arrependemos depois
do que fizemos. Ou então, situações a que fomos levados compulsoriamente, para
as quais não estamos preparados, e não sabemos qual a melhor forma de
reagir. E por aí vai.
Esses momentos, felizmente, não são muito
frequentes. Mas, se não nos deixarmos abater, são eles que podem ajudar a tornar a nossa história mais
interessante, tanto pelo suspense criado, como pelas perdas eventuais, e pelas saídas encontradas, muitas vezes improváveis, mas sempre factíveis.
Nem sempre quando começamos a
escrever um livro sabemos tudo o que acontecerá no durante e nem como ele irá terminar.
É interessante como a história, a partir
de determinado momento, vai tomando corpo sozinha, encontrando suas próprias
soluções, resultando em algo que aparentemente sempre esteve na mente do autor, mas de forma
latente, inconsciente. Ele apenas se dá ao trabalho de criar condições para que o melhor de si se manifeste e,
quando menos espera, sua obra estará definida, pronta.
Portanto, Robson, não se preocupe em
definir agora todos os passos da sua vida. Eles serão dados naturalmente, um depois do
outro, comandados pela sua mente atenta, que deve estar sempre procurando encontrar o melhor caminho. O mais importante é se manter consciente e dar o melhor de si em todas as situações, visando
colecionar, acumular, momentos, companhias e ambientes, que lhe façam se sentir
bem, realizado. Sendo assim, as oportunidades,
as soluções, começarão a surgir espontaneamente,
ficando cada vez mais fácil ser quem você deve ser.”
Aqueles dias com o avô foram muito
importantes para a vida futura de Robson. Todas as angústias com o futuro
incerto que tinha naquela época, perderam então o sentido. Ele passou a se
dedicar a fazer uma coisa de cada vez, o melhor possível. E agora, passados
muitos anos daquele momento da visita, uma realidade para a qual se remete
ocasionalmente, ele pode confirmar o acerto da fala do seu avô. Agora estava
conseguindo terminar o livro da sua pópria vida. E, ao seu ver, o resultado foi uma obra muito
interessante, principalmente para quem a viveu, para os seus descendentes, e
para os que tiveram oportunidade de conviver com ele.
"Independentemente da nossa origem, dos nossos talentos naturais, do nosso poder e riqueza, somos definidos, principalmente, pelas nossas histórias."
(JA, Fev16)
Imagem: Hernán Letelier,
dramaturgo chileno, em sua casa de Santiago