Da amurada,
trabalho feito, fico vendo o mar deixar a embarcação passar, e me ocorrem as
possibilidades que se apresentaram na minha vida, e que também deixei passar, não
aproveitei. Não aproveitei porque não pude!
Não pode? Não mesmo? Talvez
pudesse. A verdade é que algumas eu nem tentei, ou, se tentei, não tentei direito.
Creio que por isso não me saem da cabeça.
Aquela
mulher! Como teria sido bom estar com
ela? Ela era perfeita: aquele sorriso, o carinho com que me tratava; era
linda... Mas não, não poderia. Imagine as implicações de um assédio mal correspondido, ou a
repercussão nas nossas vidas se o ‘nosso caso’ viesse a público. O que diriam
meus filhos, meus amigos? Minha
mulher... Sim minha vida, estruturada
com tanto sacrifício, seria despedaçada.
Nem pensar...
Aquele barco
que gostei tanto! Era perfeito,
impecável: sólido, estiloso, amplo,
seguro, grande autonomia, bem equipado...
Com ele eu poderia ter ficado independente. Não precisaria mais de
emprego, de chefe.... Entretanto, era
tão caro que não me arrisquei. E se eu não pudesse pagar depois? Ele me seria tomado e minhas economias, tão
sofridas, iriam para o ralo.
Aquela
viagem tão sonhada e que não fiz! Ah! , a Europa... Não, não pude ir.
Se fosse, além de gastar o que eu não tinha, teria que deixar de poupar. E, minhas
economias estão programadas, têm um destino definido. Tenho que aplicar e
depois acompanhar a evolução, o resultado,
da minha poupança, do meu investimento.
A viagem seria apenas uma lembrança... Além disso, precisaria deixar meu
emprego por algum tempo na mão de outra pessoa.
Quem garantiria que, ao voltar, ele ainda seria meu? Não, não posso dar
uma de louco, abandonar o ‘barco’. Tenho que manter posição, tenho meus
compromissos. Não posso correr o risco.
Aquele
emprego que poderia ter mudado a minha vida! Mas que não fui atrás. Será que
eu teria conseguido? Nunca vou saber.
Por outro lado, é tão difícil uma adaptação; hoje faço o que faço quase que
automaticamente; muitas vezes não preciso nem pensar. Minha rotina é tão
confortável. Mesmo os imprevistos, são sempre os mesmos. É, mas se tivesse dado certo, hoje eu não
estaria enfrentando toda esta dificuldade compulsória... Todos me cobram:
os clientes, os fornecedores, meus empregadores, minha família. Isto não é vida.
Olhando para
trás, vejo a esteira de espuma deixada pelo navio da minha vida, se desfazendo
conforme ele se afasta, da mesma forma
que meus sonhos: a mulher que não amei, o barco que não tive, a viagem que não fiz, o emprego que não tive... Sonhos possíveis ? Sim, porém, não o foram para mim. Logo, logo, pretendo parar de olhar para trás, de me lembrar deles.
Assim como para o mar os navios que passaram
não existem mais, a vida que não vivi não existe - nem para mim, nem para ninguém.
"Você
é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das
consequências." (Pablo Neruda)
Imagem: ‘Veleiro’,
Stwart, L Julius
(JA-Ago14)