Duzentos anos depois, seguimos fortes no campo, e frágeis na ciência. Falta ao país o projeto que o imperador já enxergava
Estátua de Dom Pedro II no Museu Imperial em Petrópolis
Em
Dom
Pedro II foi um soberano singular, de 1831 a 1889. Poliglota, leitor voraz, curioso das ciências
naturais, foi o primeiro chefe de Estado a visitar o laboratório de Pasteur, a
financiar a fotografia no país, e a investir em pesquisa agrícola. Criou, em 1887, o embrião
do Instituto Agronômico de Campinas, ordenou o reflorestamento da Floresta da
Tijuca, e estimulou a imigração para povoar e modernizar o campo. Defendia a abolição
da escravidão, e acreditava que o
progresso de uma nação dependia da educação e da ciência, não da retórica.
O
Brasil que ele governou ainda era uma promessa. O de hoje é um gigante
agrícola, responsável por alimentar o mundo tropical. Tornamo-nos potência em
soja, carne, açúcar e café. Mas, paradoxalmente, continuamos pequenos onde
deveríamos ser grandes: na pesquisa, na tecnologia, e na visão estratégica de
longo prazo. O agronegócio brasileiro é produtivo, mas não suficientemente
inteligente. Temos volume, mas carecemos de sistema.
Enquanto
a China multiplica por cinco seus investimentos públicos em pesquisa agrícola
desde o início do século, somando hoje mais que Estados Unidos e Brasil juntos,
nossas instituições históricas, como Embrapa e Instituto Agronômico de
Campinas, sobrevivem com orçamentos restritos, defasagem de pessoal, e pouca
coordenação entre si. O setor privado, embora vigoroso, pensa em safras, não em
décadas. O governo, por sua vez, não coordena uma política nacional que una
ciência, financiamento, mercado, e território. Cada um faz o seu melhor, mas o
resultado coletivo é disperso. Falta projeto.
A
consequência é clara: exportamos commodities e importamos tecnologia. Criamos
riqueza, mas não produzimos conhecimento suficiente para a sustentar. Somos o
maior produtor agrícola do mundo tropical, mas não lideramos o debate global
sobre segurança alimentar, biotecnologia, e clima, que é o debate definidor
deste século.
O
bicentenário de Dom Pedro II, celebrado em 2025, permanece como um ponto de inflexão na história
nacional. Mais do que uma data comemorativa, é um espelho do país que fomos, e
do que poderíamos ser. O Brasil precisa de uma política pública ativa que volte
a colocar a pesquisa e a inteligência territorial no centro da estratégia
nacional. Não se trata de saudosismo imperial, mas de um imperativo moderno.
Sem integração entre ciência,
agricultura, educação, e sustentabilidade, não haverá protagonismo.
A
Conferência do Clima de
Duzentos anos depois, Dom Pedro II continua a ensinar que o poder mais duradouro de uma nação não está em suas riquezas naturais, mas em sua capacidade de gerar conhecimento, e distribuir oportunidades. O Brasil do século vinte e um precisa resgatar esse espírito, e pensar o futuro como quem governa o tempo.
Fonte: Gustavo Diniz Junqueira, empresário e ex-secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de SP | Veja
(JA, Dez25)

