Trump Venceu
Trump venceu a eleição surfando mais a insatisfação com a alta no custo de vida dos trabalhadores do que o ódio contra o ‘inimigo externo’, no caso, os imigrantes. O surto inflacionário causado pela pandemia não existe mais, mas os preços se estabilizaram em um patamar alto, com destaque para aluguéis e hipotecas.
Sua campanha foi bastante
competente em vender a interpretação falsa de que o país estava à beira do
precipício. Contou com a ajuda de uma quantidade de desinformação difundida nos
subterrâneos por atores russos, e às claras por Elon Musk — que se tornou,
nesse período, a maior fonte de fake news dos EUA, através do impulsionamento
desleal de suas postagens no X.
Kamala Harris não conseguiu
transformar indicadores em percepção de qualidade de vida. E o governo do qual
fazia parte tinha o que mostrar: levou o desemprego a 4,1% em
setembro, os salários cresceram a 3,9% em um ano, o PIB cresceu 2,8% no último trimestre.
A lição que o governo Lula
precisa tirar da tentativa democrata de se manter no poder é baixar os preços.
É a percepção de custo de vida alto, principalmente entre os alimentos, que vem
mantendo a popularidade de Lula em baixa. Não são as críticas dele ao governo
de Israel, ou a tentativa fracassada de mediar o conflito na Venezuela, mas o
preço do arroz e do feijão.
O desemprego está em 6,4% e caindo, a
renda média aumentou no último ano e o PIB deve crescer mais do que 3%, superando as
expectativas. A inflação está dentro da meta, mas isso não significa que os
preços voltaram a patamares anteriores ao salto inflacionário do governo
Bolsonaro.
No final do dia, a classe
trabalhadora não está muito interessada em quem tentou golpe de Estado em
Washington DC, ou em Brasília. Também importa pouco para a formação
do voto se Trump pagou suborno com dinheiro de campanha para uma atriz pornô
com quem teve um caso, ou se Bolsonaro surrupiou joias doadas por ditaduras
árabes, e depois as vendeu para ajudar a mantê-lo nos EUA, enquanto a
tentativa de golpe rolava no Brasil.
Tirando os loucos que querem a implantação do fascismo lá e aqui, o voto da maioria tem dimensões mais pragmáticas.
Fonte: Leonardo Sakamoto
Pasmo com a eleição do notório delinquente. Lembrei-me do que escreveu Eurípedes em uma de suas tragédias: ‘Os deuses enlouquecem aqueles a quem querem destruir’.
Fonte: A. C. Boa Nova
'Mundo mais sombrio com eleição de Trump'
Republicano venceu bem e deve obter
domínio sobre Congresso para tentar implementar promessas
O mundo não acaba com a
eleição de Donald Trump, mas se torna um lugar mais sombrio e mais perigoso
também.
Uma primeira observação é que
Trump venceu bem. Superou a rival no colégio eleitoral e no voto popular, e é
quase certo que seu partido controlará as duas Casas do Congresso. A maioria da
Suprema Corte ele já tinha. O ex e futuro presidente não encontrará, portanto,
grandes impedimentos para implementar suas principais promessas. É aí que mora
o perigo.
Suas ideias econômicas têm
potencial para desencadear uma guerra comercial em escala planetária. Seus
posicionamentos geopolíticos fragilizam ainda mais o já combalido sistema
internacional, baseado em algum multilateralismo e respeito a regras.
E fica pior. Seu negacionismo
climático, com a possível retirada dos EUA dos acordos de Paris, torna quase impossível reduzir
as emissões de gases-estufa na proporção necessária para evitar cenários
catastróficos. Num plano já mais simbólico, sua recondução ao poder reforça o
estatuto de autocratas, o populismo de extrema direita, e o vandalismo
institucional.
Daria para alongar a lista de
problemas, mas não quero terminar a coluna num tom tão pessimista. A democracia
funciona como um sistema homeostático. Se Trump de fato impuser tarifas a todos
os produtos importados, e expulsar milhões de imigrantes, provocará um surto
inflacionário nos EUA que terá efeitos tóxicos sobre as pretensões
eleitorais dos republicanos no pleito de meio de mandato de 2026.
Algo parecido vale para todas
as outras falsas soluções que ele vende. Programas populistas desvairados em
algum momento se chocam com a realidade, produzindo frustração.
Vale destacar ainda uma
especificidade da política americana. Nos EUA é praticamente impossível aprovar emendas
constitucionais que não reflitam amplos consensos. Isso reduz, embora não
elimine, a perspectiva de Trump usar sua maioria legislativa para se fincar no
poder. Ele não poderá, por exemplo, retirar da Constituição o dispositivo que
lhe veda disputar um terceiro mandato.
Fonte: Hélio Schwartsman | FSP
Ganhadores ou Perdedores
Não houve ganhadores ou perdedores: todos perderam. Mesmo que Kamala Harris tivesse saído vitoriosa (o que teria sido um alívio imenso), seria impossível ignorar a quantidade de eleitores americanos que considerou normal votar em Donald Trump. Que achou, e ainda acha, Donald Trump normal.
Essas eleições não foram
sobre esquerda ou direita; foram sobre duas formas de se estar no mundo, sobre
os limites do que se entende por sociedade, civilização, decência.
O problema de Donald Trump
não é ser de direita – é todo o resto. O problema dos seus eleitores não é
serem de direita – é aceitarem que para o seu candidato não existem regras no
jogo, e que um homem despreparado, rancoroso e desprovido de empatia, pode ser
líder, não apesar das suas falhas, mas justamente por elas.
Foi fácil entender quem
elegeu Trump pela primeira vez. Em 2016 Trump era um ‘Cacareco’, um voto de protesto que
podia ser justificado pela alienação do eleitorado, e pela escolha de Hillary
Clinton pelo Partido Democrata.
A reeleição em 2024 é mais
difícil de entender. Ele conduziu uma política isolacionista que diminuiu os
Estados Unidos no cenário internacional, fez uma administração catastrófica da
pandemia, incitou a invasão do Capitólio. Sabemos o que pensa. Seu caráter é
conhecido – ele é visceralmente mau, e não faz esforço algum para disfarçar a
falta de compromisso com qualquer virtude.
Uma coisa é um voto de
protesto numa figura pública duvidosa, outra é o voto num homem tão
reconhecidamente perverso.
Achar graça de Trump ainda
podia ser compreensível em 2016; não em 2024. A sua reeleição esvazia o argumento do ‘Cacareco’, e
desfaz a narrativa reconfortante que, da primeira vez, ele foi eleito quase que
por acaso.
Não, o eleitor não é
inocente.
Fonte: Cora Rónai | Globo
Pobre Americano de Direita
Momento da política dos EUA é mais complexo que o retrato simples dos democratas
como representantes da elite
Pela primeira vez em décadas, americanos de baixa renda deram preferência a um republicano nas eleições presidenciais. Pesquisas mostraram que, no quarto mais pobre do eleitorado, 50% votaram em Donald Trump, e 47% escolheram Kamala Harris. Há 16 anos, 64% dessa fatia havia votado em Barack Obama.
A mudança começou em 2016. Naquele
ano, Hillary Clinton inscreveu na história a caricatura hostil de meio
eleitorado de Trump como um ‘cesto de deploráveis’ (racistas, sexistas, homofóbicos, xenofóbicos, segundo
ela, irrecuperáveis). Depois, fez um
complemento, raramente lembrado, que explica muito sobre os apuros dos
democratas.
Havia um ‘outro cesto’ de apoiadores de Trump, disse Hillary. ‘Pessoas que sentem que o governo as decepcionou, que a economia as decepcionou, que ninguém se importa com elas’, descreveu. ‘E elas estão desesperadas por mudança. Na verdade, nem importa de onde venha’
Os democratas não quiseram perceber que os apelos de Trump seduziam os dois cestos de maneira parecida. Alienaram os ‘irrecuperáveis’, e acabaram perdendo americanos frustrados que ouviam o magnata dizer que políticos progressistas se esforçavam para proteger minorias, mas não tinham um plano para eles.
O governo Joe Biden buscou
suas correções de rota. Pôs em campo um plano de redução da inflação, e deu um
empurrão no mercado de trabalho. Os resultados foram considerados insuficientes
por aqueles que se sentiam penalizados pelo passado recente.
A versão americana do ‘pobre
de direita’ existe, mesmo que muitos democratas tenham chegado até aqui sem
entendê-la. Esse eleitor pode comprar o pacote completo de Trump, incluindo
suas promessas divisionistas, ou só a ideia de dar poder a alguém que manifesta
um espírito caótico, compatível com sua raiva.
A política dos EUA passa por um
momento muito mais complexo do que o retrato simplificado de que os democratas
se tornaram representantes da elite.
O partido tem uma votação consistente entre americanos miseráveis, e de classe média, além do apoio de mais de 80% dos eleitores negros —'deixados para trás’ há um punhado de séculos.
Fonte: Bruno Boghossian, Jornalista, mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA)
Futuro da saúde e da ciência dos Estados Unidos
Sem entender o apelo do anticientificismo, não haverá maneira de reverter as perdas geradas pelo populismo de lideranças internacionais
Lembro claramente de minha
sensação de incredulidade, ao acordar numa madrugada de novembro de 2016, e
descobrir que Trump havia sido eleito presidente dos EUA. E cá
estamos, num déjà vu bizarro, em 2024, vendo o mesmo indivíduo novamente eleito, mesmo
tendo passado pela maior crise de saúde mundial do século sob sua questionável
liderança, e mesmo após o Trump ter sido condenado como criminoso. E nem temos
como culpar o peculiar sistema eleitoral norte-americano; a vitória de Trump é
a inquestionável vontade da maioria, como mostram os resultados das urnas.
Mas, o que é democrático não
é necessariamente o melhor para uma sociedade, mesmo sendo a democracia o
melhor sistema que temos. Preocupo-me sobremaneira nesse sentido com os planos
do novo governo Trump em relação à saúde e à ciência estadunidenses, que são
norteadores para o resto do mundo.
O ex-presidente poderia se
vangloriar com seu protagonismo anterior em iniciativas de inegável sucesso do
seu próprio governo como o ‘Operation Warp Speed’, parceria público-privada
responsável pelo desenvolvimento, produção e distribuição de vacinas contra a
covid-19, uma incrível vitória da ciência e saúde pública na pandemia. Mas,
essa operação nem sequer foi mencionada em sua campanha atual. Muito pelo
contrário: em campanha, o presidente eleito reforçou que um líder do movimento
antivacina, Robert F. Kennedy Jr., será central para as ações de saúde de seu
segundo mandato como presidente.
Já escrevi sobre RFK Jr
anteriormente, pois ele faz parte da ‘Dúzia de Desinformantes’, grupo de apenas
12
pessoas influentes que gera a vasta maioria de informações falsas na internet
sobre o efeito de vacinas, catalisando o mortífero movimento de hesitação
vacinal. A atuação de RFK Jr não se limita a ações antivacinas, e também inclui
teorias conspiratórios bizarras, que seriam risíveis se não tivessem tantos
seguidores, como:
- Celulares causam câncer no cérebro,
- Pasteurização do leite (que garante sua higiene) geraria de alguma forma não especificada um risco de saúde,
- Presença de flúor na água (uma medida segura e universalmente reconhecida por aumentar a saúde bucal da população) é a causa de doenças crônicas.
É justamente em doenças
crônicas e na infância que os discursos atuais de RFK Jr se focam,
com o slogan ‘Make America Healthy Again’ (faça
a América saudável novamente), adaptação
do slogan trumpista ‘Make America Great Again’. Embora uma ou outra de suas
propostas possua base lógica, como a vontade de diminuir alimentos
ultraprocessados nas refeições das escolas, a grande maioria de seus discursos
são conspiratórios e mostram um enorme desconhecimento de causa em
procedimentos de saúde pública, como é de fato esperado para uma pessoa que não
possui nenhuma experiência ou formação na área. Também não são inesperadas
bizarrices de um homem que não esconde publicamente o fato de que tem problemas
de memória, causados por um verme que, segundo ele, supostamente comeu partes
de seu cérebro, e que admite abertamente que largou uma carcaça de urso no
Central Park, em Nova York. Aparentemente ele achava que seria engraçado para
quem a encontrasse. Não é seu único episódio distópico com animais mortos: sua
filha descreve que, certa vez, ao achar uma baleia sem vida numa praia, o pai
cortou a cabeça desta com uma motosserra, amarrou-a no teto de seu carro, e a
levou para casa, para poder examiná-la melhor.
Para além de uma figura
pública cuja sanidade e ações são minimamente questionáveis, RFK Jr é
advogado especializado em temas ambientais, com muita experiência profissional
em conquistar suas causas através de judicialização agressiva. Isso é
preocupante, pois ele já deixou claro que quer interferir nas agências que
participam da regulamentação em práticas de saúde norte-americanas. Em sua
mídia social pessoal, fez ameaças a profissionais do FDA americano,
que regulamenta o uso de medicamentos e alimentos, chamando-os de corruptos, e
sugerindo que vai demiti-los. Essa ameaça vai de encontro a um plano do
primeiro governo Trump, que promete ser reavivado em 2025 de reclassificação
de funcionários públicos, incluindo cientistas, de modo que suas posições não
sejam mais protegidas contra mudanças políticas. RFK Jr culpa o FDA por aprovar
vacinas, que ele, erroneamente, ainda diz ter relação com autismo, e não
aprovar o uso de ivermectina para tratamento de covid, algo que paradoxalmente
ele liga a práticas corruptas da ‘grande Farma’, que ironicamente vende drogas
como a própria ivermectina.
Fonte: Alicia Kowaltowski, médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica ‘O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos’| Nexo
'Make America Great Again' (Trump)
Presidente americano eleito promete taxar importados, e outras políticas protecionistas.
Charge: Caco Galhardo
(JA, Nov24)