Um Homo Sapiens mediano é incapaz de conhecer intimamente mais de 150 indivíduos.
Ao tentar resumir a identidade de alguém, frequentemente as
pessoas fazem uma espécie de lista de traços comuns. É um erro. Estariam mais
bem servidas se fizessem uma lista de conflitos e dilemas comuns.
Os humanos são animais sociais, e daí sua felicidade depende em grande medida de seus relacionamentos. Sem amor, amizade e comunidade, quem poderia ser feliz? Se você vive uma vida solitária e centrada em você mesmo, é quase certo que se sentirá um miserável. Assim, para ser feliz, no mínimo você precisa se importar com sua família, seus amigos e com os membros de sua comunidade. (Yuval Noah Harari, ’21 Lições para o século 21’)
Entretanto, nem todas os relacionamentos são para sempre, como demonstram os depoimentos abaixo, prestados pelo ‘Luiz’ (nome fictício). Cada um de nós está sempre em constante transformação, ficando assim difícil manter os sentimentos indefinidamente. Diante disso, necessário sempre estarmos atentos, reavaliando a relação, para não sermos surpreendidos.
Familiares
Irmãos
Quando Luiz tinha 8 anos
nasceu o seu irmão Alberto. Devido à diferença de idade, raramente interagiam.
Seis anos depois, Luiz foi estudar num colégio interno, onde
ficou por cerca de três anos.
Mais tarde, repensando, foi levado a pensar que sua mãe teve
a iniciativa de colocá-lo nesse colégio para liberar espaço em casa. A casa só
tinha dois quartos. Num deles dormiam o casal, o pai e a mãe; no outro, Luiz com
uma tia idosa que morava com eles. Não faz ideia onde dormia seu irmão.
Luiz, ao voltar para casa, já era um adolescente, e o irmão
mais novo uma criança. Ou seja, seus interesses eram diferentes, o que dificultou
uma maior aproximação.
Com o passar dos anos, o distanciamento foi aumentando.
Formação, trabalho, namoro, noivado, casamento, filhos...
Para agravar, a mulher com quem Alberto se casou, anos mais
tarde, não suportava o irmão mais velho. Ela nunca disse o porquê, e ele não
sabe até hoje.
Um dia quando Luiz estava se mudando para uma casa que havia
acabado de comprar, no dia da mudança, com tudo desarrumado ainda, Alberto
chegou trazendo o porta-malas do carro cheio de material administrativo (resultado de trabalhos que Luiz
havia executado nos anos anteriores, no seu último emprego) que havia pedido para Alberto
guardar, pois o local onde residia anteriormente não tinha espaço
suficiente. Luiz perguntou se havia sido
a esposa dele que havia mandado ele trazer aquele material, naquela hora. Sem
resposta, pediu a Alberto que levasse o material de volta, e que poderia
jogá-lo fora.
Eventualmente, circunstâncias levaram Luiz e Alberto a alugar
um imóvel para servir de local para trabalharem, cada um na sua atividade, dividindo
o aluguel. Passados uns meses Alberto disse que não precisava mais do espaço, e
simplesmente, saiu, deixando todas as despesas decorrentes a cargo do Luiz.
Alguns anos mais tarde, Alberto convidou Luiz para iniciarem uma
parceria num empreendimento comercial, num Shopping da cidade São Paulo. A
esposa de Alberto ficaria fisicamente responsável pelo negócio. Luiz respondeu que não aceitava porque:
1. Envolvia a esposa dele.
2 Não faria mais nenhuma parceria com ele devido ao abandono inesperado e unilateral do espaço que anteriormente haviam alugado em conjunto.
Recentemente, no início de abril, Luiz precisou saber a data
de falecimento dos seus pais. Através do WhatsApp perguntou a seu irmão se ele sabia.
Diálogo abaixo.
Luiz
Bom dia. Tudo bem com vocês? Outro dia percebi que não
sei o ano do falecimento dos nossos pais. Você saberia?
Alberto
Oi, o Pai foi em 1994 e a Mãe em 2010, ainda é muito difícil... E vocês como estão?
Luiz
Obrigado. 16 anos de diferença entre um e outro? Nunca tinha me
atentado para isso. Meio vazio aqui por conta do tempo chuvoso, mas tudo bem.
Vamos nos 'falando'. Abraço.
Luiz
Bom dia. Fui pesquisar e descobri que o ano do
falecimento do Pai foi 2004. Constava no texto abaixo. (...)
Até fim de maio, quase dois meses depois, ainda não tinha havido retorno para essa observação. A comunicação com Alberto via WhatsApp foi interrompida desde então, por inciativa dele.
Marido, Esposa e Filhos
A vida em família – marido mulher e filhos – vai mudando no decorrer do tempo, devido à idade, responsabilidades, limitações etc. Aquele amor incondicional inicial, vai dando lugar a uma relação mais realista, onde os sentimentos comuns dão lugar à ideologia, realizações, atitudes, escolhas, de cada um. Então, alguns se aproximam mais entre si, confirmando o apego original, enquanto outros se afastam, dando preferência às suas opções pessoais. Alguns membros continuam agregados, e outros se afastam para viver suas próprias escolhas.
Naturalmente, as pessoas que se casam têm afinidades que
justificam essa união. Muitas vezes, com o passar dos anos, na melhor das
hipóteses, o relacionamento inicialmente ‘amoroso’ vai se transformando numa
amizade, em que ambos confiam um no outro, apreciam a companhia, e fazem todo o
possível para cumprir o seu papel de marido/esposa, pai/mãe.
Entretanto, nem sempre é isso que ocorre. Muitas vezes, muito
pelo contrário. Ambos, ou um deles, passou a não suportar o outro. Joga os
filhos contra o parceiro, faz de tudo para dificultar a vida dele.
Se isso acontece quando são jovens, também não é bom, mas
existe a solução da separação, e da possibilidade de uma nova vida para cada um.
Se ocorre na velhice, aí já é mais complicado. Há restrições
financeiras, a possibilidade de construção de uma nova vida é pouco provável.
Se houver bom senso, o que resta é que, por falta de opção, continuem vivendo
juntos, cada um mais independentemente possível em relação ao outro, procurando
se respeitar dentro de algumas limitações, mantendo as aparências.
Parentes mais distantes (Tios, Primos, ...)
Aprendemos a conviver com esses parentes desde cedo, incentivados
pelos nossos pais. Entretanto, o tempo vai passando e cada qual vai seguindo
seu próprio caminho. Nossos pais falecem e não há mais ninguém para promover a
aproximação. Os parentes vão se afastando, até que, muitas vezes, deixa de
existir uma conexão.
Luiz tinha um primo cuja família era muito ligada à sua.
Moravam relativamente próximos, e se visitavam frequentemente. A irmã dele tinha
quase a mesma idade que Luiz. O irmão era alguns anos mais novo.
O tio era um comerciante nato e, bem-intencionado, pensando
no futuro do Luiz, levou-o por várias vezes fazer entrega de papel – ramo no
qual trabalhava – para ensiná-lo, familiarizá-lo com o negócio. Sem sucesso. Luiz
seguiu outros caminhos
Após o falecimento do Tio e da Tia, a prima veio a falecer
também. Quando isso ocorreu, Luiz se propôs a cuidar da filha dela,
recém-nascida, o que não foi aceito nem pelo marido, nem pela filha mais velha
deles.
Passados alguns anos, Luiz veio morar próximo da residência
do primo que agora era casado. A esposa dele não aceitou bem Luiz, sua esposa e
filhos, sem dizer o motivo, e rejeitou a aproximação.
Eles se afastaram. Os anos se passaram até que Luiz ficou
sabendo, através de terceiros, que o primo havia se separado daquela esposa,
que havia se casado novamente, e perdido a visão. Ele não a conheceu e nem
soube o que aconteceu, como estava, pois nunca mais se falaram.
Social
Amizades
‘Cada amigo é o prolongamento daquele que eu sou’.
Com o passar dos anos, notamos que nossas relações pessoais
de amizade vão se reduzindo, a ponto de, às vezes, nem existirem mais.
Revendo o passado, ficou claro para mim que, durante toda a
minha vida, apenas duas pessoas, ambas já são falecidas, foram naturalmente meus amigos.
Percebi isso, curiosamente, da mesma maneira. Foi a forma como sorrimos, um
para o outro, quando estavam cada qual, em momentos diferentes, recolhidos em
um hospital para se tratar, no seu finalmente. Foi quando nos despedimos pela
última vez. Senti no momento que aqueles sorrisos carregavam o significado da
grande amizade que cultivamos e compartilhamos.
Pensando mais sobre, cheguei à conclusão que a amizade
independe do momento da nossa vida, daquele que nos tornamos, aonde e da
frequência com que nos relacionamos com outras pessoas. Depende de um passado,
quando foi construída uma ponte comum, que viabilizou a passagem mútua e
contínua de uma grande afeição, crença na lealdade, disposição de proteger, e
fazer o possível para ajudar.
Se imaginarmos que a nossa vida é como a água de um rio, sempre fluindo, o que aconteceu no passado - as pedras, as cachoeiras, outras águas afluentes recebidas etc. - pode não fazer nenhum sentido no contexto atual, mas a energia produzida lá atrás foi incorporada, e faz parte do que somos agora, consciente ou inconscientemente.
O amigo não precisa ser alguém que age e pensa como você. O que vale é que ele que tem o poder de acrescentar algo com seu exemplo, comportamento, informações etc., ou apenas alguém com quem você se sinta inclinado a dividir seus momentos e sentimentos.
O escasseamento das amizades paralelamente ao envelhecimento,
ocorre devido à tendência natural das pessoas de se fechar cada vez mais com o
passar dos anos, considerando todos os riscos envolvidos na exposição.
Considerando a importância das amizades na nossa vida, o
recomendável é sempre realizar ‘garimpagem’ de amigos na nossa família, no
nosso meio social, no nosso ambiente de trabalho etc. Procurando conhecer melhor
as pessoas, iremos descobrir aquelas nas quais podemos confiar mais, ou muito
pelo contrário. Se forem confiáveis, em seguida podemos mostrar um pouco mais
daquele que realmente somos. Agindo assim, facilitamos o desenvolvimento de
algumas amizades que, de outro modo, passariam despercebidas, não existiriam.
Independentemente qualquer interesse, a simples fato de
dessas relações existirem, podem representar a diferença entre o fracasso e o
sucesso. A confiança mútua gera fé, dá energia e força, para ajudar a continuar
a enfrentar os desafios a que todos estamos sujeitos, e sempre seguir em
frente, para alcançar a melhor das nossas alternativas.
Amizades são importantes. Elas ampliam o nosso universo.
Devem ser cultivadas e preservadas.
Durante a Covid o afastamento das pessoas foi compulsório. Em princípio foi ruim. Entretanto, o distanciamento permitiu que a motivação das relações fossem revistas.
Passada a crise, ficou claro que algumas delas existiam circunstancialmente,
sem nada especial que justificasse, às vezes muito pelo contrário. Nesses casos, nenhum dos lados se esforçou
para se reaproximar. Ou seja, a percepção foi recíproca.
Luiz, anos antes da Covid tinha um grupo de amigos do Ensino
Médio com os quais, durante vários anos, costumava jogar futebol de salão na
casa de um deles, todo sábado, pela manhã.
O pai do colega ficava assistindo de uma sacada e, ao término
do jogo, oferecia um lanche para o grupo.
Esse grupo era muito unido, tanto que Luiz certa vez arranjou
para ficarem hospedados por uns dias num colégio dos padres Jesuítas, seus
conhecidos, quando visitavam o Rio de Janeiro a turismo. Um dos fatos que se
lembra daquela ocasião é o relatado abaixo.
‘Caminhando pela cidade, o grupo conheceu umas moças, muito
bonitas e simpáticas. Elas disseram a eles que trabalham num canal de TV, onde
eram dançarinas, e que estavam indo para a apresentação de um show. Perguntaram
então se eles não queriam ir também. É
claro que aceitaram. Era um show onde se
apresentava o famoso cantor Cauby Peixoto.
Mais tarde, após o show, elas convidaram o pessoal para ir à
casa delas no dia seguinte, à noite, para ‘tomar um café’. Eles aceitaram
prontamente.
Voltaram para o alojamento no Colégio, e, como eram apenas
duas, consideraram que seria exagero ir o grupo todo na casa delas - afinal
eles estavam em seis. Começou então uma discussão para definir quem iria: - Fui
eu que as vi primeiro! - Fui eu que me
aproximei e puxei assunto. - Foi comigo que a mais nova conversou mais. Enfim, não chegaram a nenhuma conclusão e, no
dia seguinte, acabaram indo todos.
Lá chegando, tocaram a campainha e foram atendidos por uma
criança, que imediatamente chamou o pai, que veio em seguida. Resumindo, o convite era para tomar café
mesmo. A mais velha era mãe da mais nova, a criança era seu filho, e o homem
marido’.
Anos mais tarde, Luiz já casado, veio morar numa casa próxima de um daqueles colegas – aquele em cuja casa eles jogavam futebol de salão. Ficou feliz quando soube, e tentou se aproximar, em nome dos velhos tempos. Sem sucesso. Não sabe se porque o colega agora casado, descendente de uma família tradicional, abastada, e se julgava superior, ou se era porque nunca havia tido uma consideração verdadeira por ele. Ficou assim, sem saber, e não houve a reaproximação esperada, natural.
Vizinhos
Na frente da casa do Luiz morava uma família. O casal, uma
filha e dois netos. Luiz se relacionava
bem com eles já há alguns anos, embora tivesse algumas restrições. Entretanto,
alguns acontecimentos o fizeram rever a relação e optar por se afastar.
O marido era arrogante no sentido que sabia ‘tudo’. Uma
noite, num jantar na casa dele, quando Luiz fez um comentário, pediu que ele se
calasse, pois, a esposa (do
Luiz) estava falando
alguma coisa.
A mulher, quando um dia Luiz lhe sugeriu para acessar um portal
que ele administrava, voltado para a terceira idade, respondeu-lhe: ‘Imagine,
eu já não sou jovem, e ainda vou ficar lendo essas coisas voltadas para velhos’...
Como a filha do casal, nos dia úteis, saia de casa às 7h15 para levar os filhos para escola.
Luiz, quando precisava ir ao centro da cidade, que ficava distante cerca de 25km, eventualmente lhe pedia uma carona. Uma ocasião, depois
de uma dessas vezes, ela lhe deu um cartão com telefone de um taxista, motorista
de Uber, que poderia lhe prestar esse serviço.
Luiz, quando se mudou para sua casa atual, tinha várias
coisas retiradas da residência anterior que não poderia utilizar de
imediato. O casal, tinha um apartamento
desocupado, num condomínio vizinho, ofereceu parte desse espaço para guardar os
móveis e caixas dos excedentes. Luiz,
naturalmente, aceitou a oferta.
Certo dia, uns dois anos mais tarde, o vizinho informou que
teria que desocupar o imóvel no dia seguinte, e que os móveis e caixas deveriam
ser retirados. Não haveria necessidade de fazer nada porque ele providenciaria
o transporte. No dia seguinte, um caminhão descarregou a carga na casa de Luiz,
ocupando toda as vagas da garagem. Ele, pego de surpresa, e, sem ter planejado
o que fazer, providenciou a doação daqueles itens para o Assistência Social da
prefeitura, para atender à população carente da cidade.
Mais tarde soube que a necessidade de desocupação do espaço
não ocorreu de um dia para o outro - esteve sendo tratada por meses, antes de
se concretizar. Se Luiz tivesse sido alertado com antecedência, poderia ter providenciado
uma melhor solução. Desde então, a relação ficou prejudicada e houve um
afastamento natural das famílias.
Colegas
Relacionamo-nos superficialmente com muita gente – na escola, no trabalho, no dia a dia. Como o conhecimento é superficial, a imagem que passamos ou recebemos frequentemente não corresponde à realidade. Então, às vezes, somos surpreendidos por alguns comportamentos que fogem da pessoa que idealizamos.
Por exemplo, ao terminar a faculdade, Luiz foi escolhido para
ser o orador da turma na cerimônia de formatura. Saiu-se bem, foi elogiado por
muitos pela boa apresentação.
Anos mais tarde, no reencontro com seus colegas de turma em
comemoração à passagem de 4 décadas da
formatura, foi outra vez escolhido para falar na cerimônia que iria marcar a
ocasião. Um dos colegas, do qual ele nem se lembrava bem, foi contrário à
escolha e alegou que era pelos mesmos motivos que fora contra há 40 anos atrás. Ele não explicou, e Luiz ficou sem saber os ‘motivos’
do passado e do presente, nem o nome do ‘colega’.
Conclusão
É, a vida em sociedade não é fácil. Entretanto é importante lembrar
que apesar das experiências negativas de relacionamento, acima relatadas, houve
outras, muito positivas e duradouras na vida do Luiz.
Ele não questiona a importância das relações humanas.
Acredita que elas devem ser cultivadas, pois a nossa felicidade depende, em
grande medida, dos relacionamentos que temos.
Portanto, entende que devemos nos empenhar cultivar os
relacionamentos, em recuperar os eventuais afastamentos. Mas, se chegarmos à
conclusão de que o esforço não tem validade, esquecer é o melhor.
Diante disso, racionalizando, concluiu que a melhor atitude é
não valorizar, priorizar, os relacionamentos pessoais por interesse, vínculo
existente, ou pelo tempo decorrido da sua existência, mas sim pelo que
representam atualmente na sua vida. Como disse Paulo Coelho:
‘Não te preocupes pelas
pessoas do teu passado. Há uma razão por elas não terem chegado ao teu futuro’.
Portanto, as pessoas mais importantes da sua vida, e que
merecem mais a sua atenção, não estão no passado. Estão no presente, e são aquelas
que lhe trazem alegria e felicidade, ou então, que de alguma forma dependem de você.
(JA, Mai22)