Navio encalhado
bloqueia uma das principais rotas marítimas do mundo
No Egito, no último dia 23, um navio cargueiro Ever Given, de bandeira panamenha encalhou durante a travessia do canal de Suez, uma importante rota de ligação marítima entre Europa e Ásia. O que poderia parecer um incidente comum, ganhou escala. O local é uma das vias mais importantes para escoamento de petróleo no mundo. Pelo canal passaram em 2019 quase 19 mil navios, e 1 bilhão de toneladas em cargas.
A empresa Evergreen
Marine, que opera o navio, afirmou que o
cargueiro de 400m havia entrado no Canal Proveniente do Mar Vermelho.
Segundo as
equipes de resgate que tentam remover o navio, a operação pode levar até
semanas -e milhares de dólares-, porque as duas extremidades ficaram presas às
margens mais rasas da ponta sul do canal.
Navio cargueiro Ever Given, após 6 dias, foi desencalhado no Canal de Suez e voltou a navegar. (29-Mar21)
História
Aberto à
navegação em 1869, o canal de Suez é uma das
principais rotas marítimas do mundo, funcionando como a ligação naval mais
rápida entre o oceano Índico e o mar Mediterrâneo, e daí ao Atlântico –e entre
Ásia e Europa.
O canal tem 193 quilômetros de extensão, ligando as cidades egípcias
de Port Said, no Mar Mediterrâneo, a Suez, no golfo de mesmo nome. Pertence ao
Egito, e os pedágios pagos pelos navios constituem importante fonte de receita para o
país.
A abertura
do canal reduziu em 7.000 quilômetros a distância das viagens
marítimas entre a Europa e a Ásia, evitando que as embarcações tivessem que
contornar o continente africano no trajeto.
Em 2019, segundo dados da Autoridade do Canal de Suez, o
canal recebeu 18.880 navios, que passaram por suas águas
com 1 bilhão de toneladas de cargas.
Um terço do
volume transportado no sentido sul-norte é levado para a Europa Ocidental. No
sentido norte-sul, o principal destino de carga são as regiões do Mar Vermelho
e do sudeste asiático.
Não há um
tipo de carga predominante: navios petroleiros, graneleiros e de contêineres
representaram, cada, cerca de 27% do total de
embarcações que passaram pelo canal em fevereiro de 2020.
Segundo a
Autoridade do Canal de Suez, as primeiras tentativas de ligar o Mediterrâneo ao
Golfo datam de mais de 2.000 anos antes de Cristo. A abertura
definitiva foi feita com apoio da França, no fim do século 19.
Sua
construção levou dez anos e foi marcada por uma série de dificuldades
financeiras, que levaram o governo da Inglaterra a adquirir, apenas seis anos
após a inauguração, a participação de egípcios no projeto, dividindo o controle
com a França.
Durante sua
existência, o canal passou por diversas ampliações, para permitir o tráfego de
navios cada vez maiores. Há uma nova expansão em andamento, para praticamente
dobrar a média diária de navios dos atuais 49
para 97, em 2023.
As obras
incluem a abertura de um novo canal paralelo de 37 quilômetros para ultrapassagem de navios, reduzindo de 18 horas para 11 horas o tempo
total de travessia.
Os
operadores do canal estimam que a ampliação da capacidade eleve em 259% a receita do Egito com os pedágios, que passaria dos
atuais US$ 5,3 bilhões para US$ 13,2 bilhões em 2023.
O canal foi
fechado à navegação apenas duas vezes, as duas em tempos de guerra, segundo a
Autoridade do Canal de Suez.
Na primeira,
o canal ficou fechado por cerca de um ano após a invasão do Egito por França,
Inglaterra e Israel em 1956. Na segunda, o fechamento durou nove
anos, após o início da guerra entre Egito e Israel em 1967.
O canal
pertence e é mantido pela Autoridade do Canal do Suez - SCA do governo do
Egito. Nos termos da Convenção de Constantinopla, ele pode ser usado ‘em tempo
de guerra como em tempo de paz, por todos os navios de comércio ou de guerra,
sem distinção de bandeira’.
Liga os mares Índico ao Mediterrâneo e daí ao Atlântico, economizando uma volta à África. Em 2018, quase 10% do petróleo transportado no planeta passou por ali, assim como cerca de 50 navios de contêineres por dia.
Antiguidade
Possivelmente
no começo da XII Dinastia, o Faraó Sesóstris III (1878 - 1839 a.C) deve ter construído um canal oeste-leste, escavando através do Uadi
Tumilate, unindo o rio Nilo ao mar Vermelho, para o comércio direto com Punt.
Evidências
indicam sua existência pelo menos no século 13 a.C., durante o reinado de Ramessés II. Mais tarde entrou em decadência e, de acordo com a História
do historiador grego Heródoto, o canal foi escavado por volta de 600 a.C. por Necao II, embora Necao II não
tenha completado seu projeto.
O canal foi
finalmente completado em cerca de 500 a.C. pelo rei Dario I, o
conquistador persa do Egito. Dario comemorou seu feito com inúmeras estelas de
granito que ele ergueu às margens do Nilo, incluindo uma próximo a Cabret, a 130 km de Suez, onde se lê:
“Diz o rei Dario: Eu
sou um persa. Partindo da Pérsia, conquistei o Egito. Eu ordenei que esse canal
fosse escavado a partir do rio chamado Nilo que corre no Egito, até o mar que
começa na Pérsia. Quando o canal foi escavado como eu ordenei, navios vieram do
Egito através deste canal para a Pérsia, como era a minha intenção.”
O canal foi
novamente restaurado por Ptolomeu II
Filadelfo, por volta de 250 a.C. Nos 1000 anos seguintes ele seria
sucessivamente modificado, destruído, e reconstruído, até ter sido totalmente
abandonado no século 8 pelo califa abássida Almançor.
Século 19
A companhia
Suez, de Ferdinand de Lesseps, construiu o canal entre 1859 e 1869. No final dos
trabalhos, o Egito e a França eram os proprietários do canal. Estima-se que 1,5 milhão de egípcios tenham participado da construção
do canal e que 120.000 morreram, principalmente de cólera.
Em 17 de fevereiro de 1867,
o primeiro navio atravessou o canal, mas a inauguração oficial foi em 17 de novembro de 1869.
O imperador da França Napoleão III, não estava
presente, estando enfermo, sendo representado pela sua esposa a imperatriz
Eugenia, sobrinha do próprio Lesseps.
Ao contrário
da crença popular, a ópera Aida não foi encomendada ao compositor italiano
Giuseppe Verdi para ser apresentada na inauguração, que só foi concluída e
apresentada dois anos depois. Também esteve presente como jornalista convidado,
o escritor português Eça de Queiroz, que escreveu uma reportagem para o Diário
de Notícias de Lisboa.
A dívida externa do Egito obrigou o país a vender sua parte do canal ao Reino Unido, que garantia assim sua rota para as Índias. Essa compra, conduzida pelo primeiro-ministro Disraeli, foi financiada por um empréstimo junto ao Banco Rotschild. As tropas britânicas instalaram-se às margens do canal para protegê-lo em 1882.
A Convenção
de Constantinopla (1888) estabeleceu a neutralidade do canal
que, mesmo em tempos de guerra, deveria servir a qualquer nação. Mais tarde,
durante a Primeira Guerra Mundial, os britânicos negociaram o Acordo
Sykes-Picot, que dividia o Oriente Médio, de modo a afastar a influência
francesa do canal.
Em 26 de julho de 1956, Gamal Abdel
Nasser nacionalizou a companhia do canal com o intuito de financiar a
construção da Barragem de Assuã, após a recusa dos Estados Unidos de fornecer
os fundos necessários. Em represália, os bens egípcios foram congelados, e a
ajuda alimentar suprimida. Os principais acionários do canal eram, então, os
britânicos e os franceses. Além disso, Nasser denunciou a presença colonial do
Reino Unido no Oriente Médio, e apoiou os nacionalistas na Guerra da Argélia.
O Reino
Unido, a França e Israel se lançam então numa operação militar, batizada
Operação Mosqueteiro, em 29 de outubro de 1956. A Crise do Canal de Suez durou uma semana. A ONU confirmou a legitimidade egípcia e condenou a
expedição franco-israelo-britânica com uma resolução.
Com a Guerra
dos Seis Dias, em 1967, o canal permaneceu fechado até 1975, com uma força de manutenção da paz da ONU, a qual permaneceu lá estacionada até 1974. Quando, por ocasião da Guerra do Yom Kipur, em 1973, o canal foi recuperado, bem como foram destruídas as
fortificações do exército israelense ao longo do canal.
Expansão
Em 2015 foi inaugurada a expansão do canal de Suez, que
permitirá dobrar até 2023 o fluxo diário de embarcações. Para
tanto foi construída uma nova ‘faixa’, de 35 km,
paralela ao canal já existente, e a dragagem de um trecho de 37 km para torná-lo mais profundo e largo, permitindo a
travessia de navios maiores.
Os barcos
podem agora viajar nas duas direções ao longo de todo o canal, numa viagem de
onze horas, diminuindo em sete horas do tempo atual.
A obra permitirá, segundo estimativas do governo, um aumento na arrecadação de US$ 5,3 bilhões para US$ 13,2 bilhões até 2023. E espera-se que comporte um número maior de embarcações que cruzam o canal por dia de 49 para 97. Tais projeções sofrem críticas de especialistas que só enxergam possibilidade de confirmação caso o comércio mundial tenha um crescimento anual de 9%.
Fonte: Nicola Pamplona – FSP, WP e Dvs
(JA, Mar21)