Visões
antagônicas de vencedores do conflito com o Eixo distorcem realidade
Funcionário prepara memorial em Londres para celebração do fim da guerra |
O evento culminante do século
20,
responsável pela arquitetura do mundo que hoje está em desarranjo devido à
pandemia da Covid-19, completa 75 anos de seu fim nesta sexta (8).
Bom, isso se você achar que o
fim da Segunda Guerra Mundial deve ser marcado pela capitulação da Alemanha
nazista, poucos dias depois do suicídio do ditador Adolf Hitler.
A guerra em si seguiu seu
curso até 2 de setembro, quando os japoneses entregaram os pontos por medo de
aniquilação atômica. Ou não, dado que essa assertiva sobre o fim da guerra no
Pacífico é objeto de contestações.
Mitos acerca dos rumos da
guerra mais mortífera da história, com talvez 70 milhões de fatalidades,
existem desde que as fake news não se chamavam assim.
Muito vem da produção
cultural dos vencedores: a ideia de que o Dia D foi realmente o dia D da guerra é
coisa do cinema norte-americano —que credita aos EUA, e não aos mais importantes
britânicos, a operação.
Russos nem sequer chamam a
Segunda Guerra por esse nome, ciosos de sua leitura sobre as origens do
conflito e do preço pago em sangue (27
milhões de mortos).
Tomos inteiros foram dedicados,
ao longo dos anos, a tentar colocar ordem na casa. Abaixo, elencamos algumas
dessas versões.
Quem deixou
Hitler agir?
Se Hitler, 1889-1945, é o
vilão da história, por sua política expansionista que levou à invasão da
Polônia em 1939, os vencedores têm suas parcelas de culpa. Russos
apontam para o Acordo de Munique (1938), quando o Ocidente deixou Hitler com rédea solta. Na
mão contrária, o pacto nazi-soviético de 1939 abriu caminho para a guerra.
Hitler era
um líder militar brilhante
Hitler era titubeante. Seu
sucesso inicial, muito decorrente de táticas de seus comandantes, como Heinz
Guderian, o lançou em aventuras suicidas, como a insistência em tomar
Stalingrado.
Os poloneses
lutaram com cavalos contra tanques
Havia regimentos de cavalaria
em todos os exércitos europeus, mas a ideia de que cavalos foram usados contra
tanques era parte da propaganda alemã para inferiorizar os poloneses.
Aliás,
ninguém usava cavalos
Ao contrário. A Alemanha usou
2,75
milhões de animais e tinha três vezes mais cavalos do que veículos no começo da
guerra. Os soviéticos usaram ainda mais: 3,1 milhões.
A França
caiu por fraqueza
Paris caiu em seis semanas
pelos nazistas por uma questão tática: não estavam preparados para a Blitzkrieg
(guerra-relâmpago) alemã.
Londres
repeliu a invasão
Versão amparada na bravura do
comando de Winston Churchill, 1874-1965, e na Batalha da Inglaterra, travada nos ares. Mas a
Alemanha não tinha, em 1940, meios navais suficientes para efetuar a invasão. Em 1941, já estava
engajada com a União Soviética.
O atraso na
invasão fez Hitler perder na União Soviética
É comum dizer que a invasão
da Iugoslávia e da Grécia, para salvar os aliados italianos, atrasou o ataque
aos soviéticos em 1941, levando o duro inverno russo a parar os nazistas. A
invasão só ocorreu em junho porque antes é o período de chuvas no país, que
virava um lamaçal. O inverno afetou os alemães, mas muito porque tinham
avançado demais e enfraquecido suas linhas de suprimento.
Stálin só
reagiu por causa da ajuda americana
O ditador soviético Josef
Stálin, 1878-1953, recebeu aviões, jipes e caminhões. Mas o grosso da
ajuda começou a chegar na virada de 1943 para 1944, quando suas tropas já estavam às portas da Polônia.
EUA deixaram
o Japão atacar
Teoria popular que não se
sustenta em evidências.
A Suíça era
totalmente neutra
No papel, sim, mas houve
bastante colaboração com nazistas, que protegiam seu ouro em cofres suíços e
contavam com a proibição do uso do espaço aéreo por aviões aliados.
A máquina de
guerra alemã era eficiente
As memórias de Albert Speer,
arquiteto de Hitler e seu ministro dos Armamentos, mostra uma máquina confusa e
cheia de sobreposições mesmo em tempos de paz.
Os
soviéticos sempre foram mais numerosos
Nas principais batalhas da
guerra até 1943, não. O maior engajamento militar da história, a
Batalha de Moscou, opôs 1,4 milhão de soviéticos a 2 milhões de alemães.
Perder o
Norte da África foi fatal para Hitler
A ideia de que os alemães
queriam conquistar o Egito para tomar o petróleo do Oriente Médio é história
alternativa: a opção poderia ter dado a vitória a Berlim. Na prática, Hitler só
interveio com recursos mínimos no Norte da África para evitar a humilhação do
aliado Benito Mussolini, 1883-1945. Mesmo a consequente invasão aliada da Itália foi
secundária para a derrota nazista.
O Dia D foi
decisivo
Antes de 6 de junho de 1944, as grandes
derrotas alemãs ante os soviéticos, como Kursk e Stalingrado, selaram o destino
de Hitler. No dia 22 de junho, uma operação soviética três vezes maior
acelerava rumo a Berlim. O Dia D certamente acelerou as coisas, mas hoje parece ter
tido papel mais importante para evitar que os soviéticos tomassem toda a Europa
Ocidental.
Os
americanos lutavam com 'soldados cidadãos'
Outro mito hollywoodiano.
Dois terços dos soldados dos EUA na guerra foram convocados, não se alistaram para
defender a democracia.
A
Resistência Francesa foi vital para os aliados
Romantização dos tempos de ‘Casablanca’,
o papel da Resistência foi mais de ajudar a reunir dados de inteligência do que
para fulminar nazistas.
Churchill
era unanimidade
Ele era tão polêmico entre
seus aliados e eleitores que foi escorraçado do poder em 1945, quando os
canhões mal tinham esfriado. Seu brilho em 1940 foi o que ficou para a história, mas sua carreira foi
marcada por fracassos.
A bomba
atômica forçou o fim da guerra
Se os artefatos que mataram 200 mil pessoas
tiveram impacto, a campanha de bombardeio já havia tornado a posição nipônica
insustentável. Além disso, a invasão soviética dos territórios japoneses na
China, no mesmo dia da bomba de Nagasaki, prenunciou um conflito sem chance
para o império. Isso enfraquece o argumento de que a bomba evitou milhões de mortes
numa invasão americana.
Só os
nazistas fizeram atrocidades na guerra
O Holocausto é o crime mais
inominável do período. Mas a lista pode incluir a obliteração de cidades alemãs
pelos aliados, a brutalidade japonesa em suas ocupações e os estupros em série,
e a violência soviética na Alemanha, entre muitos outros
.
Fonte: Igor Gielow |
FSP
(JA, Mai20)