Sem
conhecimentos técnicos, ela se forjou na Guerra do Paraguai, quando perdeu um
filho e adotou seis órfãs. Morreu no dia 20 de maio, há 140 anos (1880)
Anna Nery, com cenário da guerra, em pintura a óleo de Victor Meireles, 1870 |
Há 140 anos, o Brasil perdia
Anna Justina Ferreira Nery, 65, vítima de pneumonia, no Rio de Janeiro.
Nome bastante comentado em 12
de maio, quando da comemoração do Dia da Enfermagem no Brasil, Anna Nery
tornou-se ícone da profissão de um jeito muito particular. Isso porque a baiana
nascida em Porto de Cachoeiras, em 13 de dezembro de 1814, e mãe de três filhos
(Justiniano de Castro Rebêllo, Isidoro Antônio Néri e Pedro Antônio Néri),
chegou à profissão numa época, o século 19, em que o cuidado de enfermos era
realizado, quando não dentro de casa, por religiosas, prostitutas redimidas e
viúvas.
Anna Nery, que era de família
abastada, encaixava-se nesta última categoria. Tanto que, em 1844, ao perder o
marido, o capitão-tenente Isidoro Antônio Néri, morto aos 43 anos em serviço na
Marinha, dedicou-se aos filhos, todos ligados à carreira militar. E, quando
dois deles foram para a Guerra do Paraguai (1864-1870), ela deixou tudo para
acompanhá-los.
Fachada da casa de Anna Nery, na rua da Matriz, nº 7, em Porto de Cachoeiras, Bahia - 1995 |
Primeiro, como não tinha
conhecimento técnico de enfermagem, fez imersão no Rio Grande do Sul, onde
aprendeu técnicas de cuidados.
Depois, foi enviada ao front
de batalha e aí construiu sua reputação, que lhe rendeu o título de Mãe dos
Brasileiros.
Lá, além dos conhecimentos de
gestão que tinha adquirido por formação, conseguiu criar protocolos de ação
dentro do hospital de campanha.
‘Primeiro, ela ficou
responsável pela lavanderia do local. Então criou todo um conceito de manter
limpas roupas, instrumentos de trabalho e ambiente de trabalho. Além de gerir
essa higienização, inclusive das mãos, como agora, ela se importava com as
pessoas, e passou também a cuidar de gente, trocando curativos e se entregando a
atividades da enfermagem’, afirma Manuela Vila Nova, vice-diretora da Escola de
Enfermagem Anna Nery, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Manuela escreveu sua tese de
mestrado sobre a enfermeira, trabalho que a levou a visitar o local de
nascimento da figura histórica, e a pesquisar curiosidades sobre a vida dela.
Constatou que, além da forte
personalidade, Anna Nery obteve aval para estar na guerra do presidente da
província da Bahia, Manuel Pinto de Souza Dantas, porque as autoridades da
época detectavam no gesto, de uma dama da classe alta, um exemplo para levar
outras pessoas a se alistar para a guerra - já que muitos foram contra a
vontade. ‘O presidente da província, na época, até publicou a carta de pedido
dela, e a autorizou rapidamente’, afirma.
Ela ainda aponta uma
diferença básica entre a britânica Florence Nightingale, 1820-1910, e Anna Nery, consideradas pioneiras na
enfermagem. ‘Florence tinha conhecimentos matemáticos e de física, e ditava
suas condutas com base nisso. Já Anna Nery teve seu foco na atividade, ao
treinar no Rio Grande do Sul, e gerenciar um hospital na guerra’.
Ao atuar na Guerra da Crimeia,
1854-1856, Florence tornou-se a 'Dama da Lâmpada'. Anna Nery, que esteve na do
Paraguai, passou a ser conhecida como a 'Mãe dos Brasileiros'.
A guerra a marcou
profundamente. Primeiro, por ter assistido a muitos feridos. Depois, mais
doloroso, por amargar a perda de um filho (Justiniano), e de um sobrinho. Dos
140 mil brasileiros que foram à guerra, morreram cerca de 50 mil. Por fim, por
ter adotado e levado para casa seis órfãs de soldados mortos.
Anna Nery posa com as seis órfãs que adotou na Guerra do Paraguai |
Seus feitos renderam
homenagens e a tornaram madrinha da enfermagem no Brasil. Em uma delas, em
1919, da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha, em Paris, foi reconhecida como
pioneira da enfermagem, e precursora da Cruz Vermelha no país.
Apesar de sua história não
ser tão conhecida como merecia, deixou legado de caridade, após sua
morte, em 20 de maio de 1880. Em março de 1926, o governo federal deu o nome
dela à Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde.
Hoje Escola de Enfermagem
Anna Nery pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesse local, mais
de 2000 voluntários trabalham diariamente, em meio à pandemia do coronavírus,
para produzir máscaras e equipamentos de proteção individual, para entregar a
hospitais, onde profissionais da saúde cuidam de pacientes com Covid-19.
Segundo Manuela, o exemplo de
Anna Nery, que se apresentou voluntariamente para atuar num ambiente suscetível
a muitas doenças, hoje motiva as enfermeiras, que têm sido tão demandadas
contra a Covid-19, como numa guerra.
Mônica virou Ana Néri para homenagear enfermeiros - Mauricio de Sousa |
Fonte: Cristiano
Cipriano Pombo | FSP
(JA, Mai20)