A inglesa que mudou hábitos, desafiou a
sociedade e dedicou a vida aos doentes. Por isso seu aniversário é o Dia
Mundial da Enfermagem
Em março desse ano,
exposições e até homenagem da Família Real marcaram a abertura da celebração
pelos 200 anos de nascimento de Florence Nightingale, mais conhecida na
Inglaterra como ‘A dama com a lanterna’.
A enfermeira e reformista social britânica é conhecida como a fundadora
da enfermagem moderna, por isso, no dia do seu aniversário é o ‘Dia
Internacional da Enfermagem’. Florence foi fundamental para estabelecer novas
regras de saneamento, que até hoje são adotadas e essenciais.
Nascida na
elite, mas envolvida com o povo
Florence Nightingale nasceu
em uma família inglesa com boas condições sociais, circulando quando jovem
entre a elite britânica. Sua mãe sonhava com um casamento que trouxesse luxo
para as duas filhas, mas Florence, a caçula,
nunca se sentiu bem com o mundo de luxo e frequentemente entrava em
conflito com ela. Filantropia sempre atraiu Florence, que tomava a iniciativa
de ajudar aos menos favorecidos como vocação divina, tanto que, aos 16 anos, decidiu
que seria enfermeira.
A escolha não foi bem-vinda
em casa. Na época, uma moça bem nascida não poderia ter um trabalho remunerado,
ou melhor, não deveria ter nenhum trabalho, mas sim se casar. Ela desafiou os
pais indo estudar enfermagem na Alemanha mesmo assim.
Sete anos depois retornou à
Inglaterra e impressionou seus patrões no hospital em Middlesex por conta de sua dedicação. Na época, a
pandemia de cólera dizimava cidades e países, com as pobres condições de
saneamento contribuindo para que a doença se espalhasse.
Da mesma forma que enfrentou
a oposição dos pais, Florence decidiu fazer como missão melhorar as práticas de
higiene, e conseguiu colaborar para a redução do índice de mortes no hospital
de Middlesex com seu procedimento. Sua saúde pessoal foi afetada durante o
processo, mas ela não vacilou em nenhum momento em seguir cuidando dos outros
antes mesmo de pensar em si mesma.
A guerra da
Crimeia e a virada nos hábitos
Quando a Guerra da Crimeia
estourou, em 1853, pelo menos 18 mil soldados ingleses acabaram hospitalizados
em pouquíssimo tempo.
Na época, não havia
enfermeiras mulheres em campos de batalha. Porém, as deficiências no
atendimento aos feridos, que estavam em condições desumanas, levaram ao
Secretário de Guerra, Sidney Herbert, a solicitar ajuda à Florence para
organizar um grupo de enfermeiras para ajudarem os soldados na Crimeia.
Em poucos dias, 34 mulheres
lideradas por ela chegaram em Constantinopla, e o que encontraram parecia ser
indescritível de tão assustador. A água contaminada, pacientes jogados no chão
em meio as suas próprias fezes, ratos, baratas…
Suprimentos básicos como sabão
e ataduras acabando a cada hora. Tifo e cólera matavam mais do que os
ferimentos de batalha. Florence deu um basta nisso.
E não o fez sozinha. Ela
separou centenas de vassouras e esfregões, selecionou os que estavam menos
enfermos, e todos que puderam ajudaram a limpar o hospital, do teto ao chão.
Enquanto isso, ela seguia em todos os momentos em que estivesse acordada,
cuidando dos doentes e feridos. Dormia pouco. À noite, circulava entre as camas
com uma única lâmpada iluminando o caminho, daí o nome que viria a ser
conhecida, a dama da lanterna. O trabalho liderado por Florence reduziu em dois
terços o número de mortes.
Mas ela não parou por aí.
Para melhorar o saneamento, ela determinou a criação de uma cozinha especial
para os pacientes com uma necessidade de dieta mais restritiva. Ela criou uma
lavanderia onde as roupas de cama eram limpas com frequência e, para distrair os
que já estavam convalescendo, ela criou uma biblioteca.
As medidas foram tão bem
sucedidas que o Exército inglês passou a determinar como regra que todos os
hospitais – no país e onde seus soldados estivessem sendo atendidos – seguissem
as instruções do que Florence fez na Crimeia.
Como resultado, foi criada a
Comissão Real de Saúde no Exército, em 1857.
Florence ficou um ano e meio
na Crimeia, e só retornou para a Grã Bretanha quando o conflito estava
solucionado. Foi recebida como heroína, algo que a tímida Florence quase morreu
de vergonha porque detestava ser o centro das atenções. A Rainha Vitória a
presenteou com uma joia, que veio a ser chamada de Nightingale, e um prêmio de
250 mil libras esterlinas.
A lâmpada turca que a enfermeira usava para poder chegar até os doentes |
Ajudando nas
estatísticas também
Uma vez em casa, Florence
passou a trabalhar com a Comissão de Saúde e ajudar na análise de dados de
mortalidade no exército. Ficou assustada quando soube que entre 16 a 18 mil
soldados morriam mais de doenças facilmente evitáveis do que no próprio
combate.
Uma criação sua ajudou a
tornar os números ainda mais visíveis: ela literalmente desenhou um diagrama (hoje chamado de Diagrama Nightingale Rose) que mostrava a redução da mortalidade de forma que não
havia dúvida de compreensão para qualquer um que o visse.
As medidas, os desenhos e a
dedicação de Florence inspiraram novas medidas de saneamento no Exército, e
fora. Por sua criação matemática, Florence se transformou na primeira mulher a
ser membro da Sociedade de Estatística Real, e foi feita membro honorária da
Associação Americana de Estatística.
Diagrama das causas de morte exército britânico na Guerra da Crimeia, de Florence Nightingale, 1859 |
O prêmio que recebeu da
Rainha, sem surpresa para quem acompanhava sua trajetória, foi totalmente
revertido para criação de um hospital (Saint
Thomas) e, dentro dele, de uma escola de
enfermagem para mulheres.
Não é surpreendente a paixão
e admiração dos ingleses por Florence Nightingale. Inspirada em sua história,
muitas mulheres passaram a querer estudar para serem enfermeiras.
Objetos pessoais de Florence Nightingale |
Doença e
morte
Estar exposta em condições
que ajudou a mudar, fizeram de Florence uma vítima de doenças também. Ela
contraiu o que chamavam de ‘Febre da Crimeia’, e nunca conseguiu se recuperar 100%. Aos 38 anos ela não
conseguia mais sair da cama, e ficaria assim até sua morte.
Nem sua condição delicada a
impediu de trabalhar. Mesmo em casa, recebia políticos e advogava por reformas
no sistema de saúde. Era uma autoridade internacional – e muito procurada – por
todas as questões de saúde e saneamento.
Em agosto de 1910, aos 90 anos,
Florence Nightingale adoeceu repentinamente. Num primeiro momento parecia ter
se recuperado. Porém, em três dias, os sintomas pioraram e ela faleceu
subitamente, em casa, em Londres. Ela havia pedido um funeral e enterro
discretos, o que foi respeitado por sua família, mesmo com a insistência do
Governo Britânico em algo maior.
Hoje a escola original de
enfermagem criada por ela é um Museu, o Florence Nightingale Museum, que reúne
obras em sua homenagem, assim como objetos pessoais da enfermeira.
O Dia Mundial de Enfermagem é
celebrado em seu aniversário desde 1974. Em um ano tão doloroso como este que
vivemos, quando as iniciativas que Florence defendeu ainda salvam vidas, é mais
importante ainda celebrar a vida e o exemplo de alguém como ela, que se dedicou
a salvar vidas.
Nossa gratidão e admiração
por todos os funcionários de saúde são imensos, mas hoje celebramos com mais
carinho do que nunca.
Fonte: Ana Claudia Paixão | Cláudia
(JA, Mai20)