JC Nasceu no
Brasil, na cidade de São Paulo, alguns anos depois da 2ª Guerra Mundial. Seus pais, embora sem educação formal eram
bem sucedidos nas profissões que praticavam, e conseguiam dar uma padrão de
vida satisfatório para o garoto.
Seu pai era uma pessoa simples, mas sua mãe era uma
mulher que vinha de uma família de fazendeiros do interior de São Paulo, orgulhosa
de sua origem. Com a convivência, ela passou esse sentimento para seu filho que,
desde a mais tenra idade, nunca se sentiu inferior a ninguém. Aliás, muito pelo
contrário – ele, por qualquer motivo que não sabia explicar, se sentia
especial. Esse sentimento, mais tarde, em diversas ocasiões, se comprovaria.
Quando JC
tinha cerca de quatro anos de idade, morava com a família em um pequeno
apartamento no centro de São Paulo. Num determinado dia, à noite, ouviu gritos
e buzinas na rua ao lado. Mais tarde ficou sabendo que um bêbado havia sido atropelado
no túnel do Vale do Anhangabaú. Essa lembrança, por qualquer motivo, o marcou
profundamente, e ele sempre a carregou na memória. Foi a primeira lembrança de que
tem consciência.
Até os cinco
anos foi um menino quieto, com poucos conhecidos, amigos da mesma idade. A
partir de então, começou a se socializar mais e a se destacar no
seu meio.
Começou então
a praticar esporte: futebol, tênis, boxe,... JC se identificou especialmente com
o futebol.
Quanto ao boxe, sua dedicação foi mínima, e se
resumiu em um simples evento. Entretanto, foi essa participação que serviu de
base para sua autodescoberta, para ajudar a responder a uma questão que sempre o
incomodou: ‘Afinal, quem sou eu?’
JC tinha
cerca de 9 anos e nunca havia lutado boxe. O pai de um colega vizinho que era
sócio de um famoso Clube Atlético paulista o convidou, juntamente com outros
garotos da redondeza, para ajudarem a treinar o seu filho na modalidade, na
casa dele, num determinado dia.
Ele foi. Lá
chegando colocaram um par de luvas em suas mãos e o mandaram entrar no ringue,
onde se viu frente a frente com o oponente. Sem o mínimo preparo e na eminência
de levar um soco no rosto, ele amoleceu o corpo, se deixando cair no chão, e
rolou ao encontro das pernas do adversário que caiu. Ele, para surpresa de todos, se levantou ‘vencedor’. Sua única
luta terminou aí.
Refletindo
sobre o ocorrido, ficou tentando descobrir, sem sucesso, de onde teria vindo o
reflexo salvador.
Numa outra oportunidade,
quando estava sendo perseguido, correndo na frente de um outro garoto, repetiu
o gesto, e foi bem sucedido também.
Nos anos
seguintes, eventos inexplicáveis, incompatíveis com a sua idade, probabilidade, e/ou razão,
continuaram a ocorrer:
Uma sua tia, irmã da mãe, morava com a família. O irmão delas, seu tio, tinha um negócio próprio na vizinhança. Ele frequentemente ia visitar as irmãs e acabavam discutindo, quando então ele gritava com elas. Isso sempre incomodou JC que, num determinado dia, após uma dessas cenas, foi à casa dele e o informou que se fizesse isso novamente ele voltaria e ‘acabaria’ com ele. O tio, ironicamente sorriu na hora, mas não tornou a repetir. Observar que JC era um garoto de menos de dez anos na época.
Algum tempo depois, estava no quintal da sua casa, brincando com uma pequena faquinha – uma miniatura. Ele a atirava e fincava no tronco de uma planta; a buscava e repetia isso vezes e vezes. De repente, ele se encontrou deitado na sua cama, no seu quarto, sem ter consciência de como veio parar ali. Ele nunca soube ou se lembrou do que ocorreu nesse meio tempo.
JC estava andando com um amigo numa calçada e, do nada, apareceu um grande cão correndo em direção a eles, babando e rosnando. Ele se colocou entre o o cachorro e o amigo - que na realidade nem era tão amigo assim, e o animal, assustado pelo inesperado, foi embora.
Voltando de uma festa de fim de ano JC viu uma briga acontecendo – vários garotos batiam num outro, que já estava caído. Ele não conhecia ninguém, mas considerou aquilo uma covardia, e interferiu. Conseguiu separar os contendores, que acabaram indo embora. O garoto que estava apanhando, fugiu, assustado. Note-se que ele não era um lutador e, fisicamente, era inferior a qualquer um deles.
Numa outra vez, na condição de fumante iniciante, ao sair de um cinema após assistir a um filme, tirou um cigarro do maço e o colocou na boca. Então, percebeu que não tinha como acendê-lo. Em seguida, distraído, bateu em um portão de uma residência que estava meio aberto, ocupando espaço da calçada. Era um portão baixo e, sobre ele, havia uma caixa de fósforos. Sem esforço ele pegou a caixa, ascendeu o cigarro com um dos seus palitos, e, agradecido, a depositou de volta aonde a havia encontrado.
Indo para a escola, passando em frente a um museu da cidade, andando na rua -pois no local não havia calçada para pedestres-, ele, intuitivamente, se voltou para trás e viu um carro vindo em sua direção. Sem tempo para mais nada, levantou a perna direita batendo o pé no capô do carro. Foi arremessado para a frente, girando no sentido contrário, caindo em pé alguns metros à frente, dando grandes passadas antes de parar, mas sem nenhum ferimento. A motorista conseguiu então frear o carro e, depois, se desculpou dizendo que não tinha prática, que havia se assustado.
Caminhando por um parque, no meio de outras pessoas, na pista reservada para pedestres, voltou-se para trás, sem nenhum motivo aparente, e viu uma criança montada em um bicicleta, que pedia que ele a desculpasse. Foi só então que ele se deu conta que estava segurando firmemente o guidão da bicicleta com uma das mãos, e teve que se concentrar, se esforçar, para conseguir largá-lo e liberar o garoto. Seu gesto inconsciente, de segurar o guidão, havia impedido que ele tivesse sido abalroado por trás pela bicicleta.
JC estava no último ano do Ensino Médio. A turma dele tinha um professor de Química que durante todo ano, além de não ensinar bem, ainda dava notas baixas para os alunos. A maioria deveria repetir – o último ano antes da Faculdade. Os alunos se reuniram, e combinaram fazer um movimento para tirar o professor. Na aula seguinte professor, provavelmente prevenido, ao fazer a chamada, perguntou a cada aluno a nota que ele precisava para passar de ano, e foi dando. JC não achou justo, não concordou com isso e, na sua vez, saiu da classe. Foi o único que repetiu. Mas, para não perder o ano, orientado por um amigo de seu pai, se inscreveu para prestar o que era chamado ‘Exame de Madureza’, que igualmente poderia dar acesso ao diploma do Ensino Médio. O exame seria feito numa cidadezinha do interior de Minas. Fez e passou. E assim, pode prestar vestibular juntamente com seus colegas, no ano seguinte, e entrar na faculdade que pretendia.
Na faculdade, no terceiro ano, não conseguia pagar a mensalidade. No mês de agosto, o Diretor o chamou e disse que se não pagasse não poderia prestar os exames finais e que, portanto, repetiria aquele ano. Aconteceu dele saber de um sítio que estava à venda e, em seguida, de uma pessoa que estava interessada em comprar. Entrou em contato com essa pessoa, informou, e vendeu o sítio. Com a comissão conseguiu pagar a faculdade, poder prestar os exames finais, e passar de ano. Interessante é que ele não conhecia/conheceu nem o proprietário do sítio e nem o comprador.
Andando pela praia junto com duas sobrinhas – uma pequeninha e outra um pouco maior, percebeu que um garoto estava se afogando – ele descia e subia na água do mar, tornava a descer e, então, só dava para ver suas mãos. Ele deixou a sobrinha menor junto com a mais velha, e mergulhou em direção ao menino, conseguindo salvá-lo. A seguir, o menino assustado caminhou em direção aos seus pais, parentes, que estavam e continuaram se socializando, sem ter percebido o que havia acontecido.
Outra vez na praia, observou que um grande cachorro incomodava uma senhora e sua filhinha que estavam sentadas. Gritou com o cachorro com a intenção de afastá-lo dali. O cachorro não obedeceu. Ele gritou mais ainda, e foi em direção ao cachorro. O animal, irritado, obedecendo aos seus instintos, o atacou, saltando sobre ele. Inconscientemente, sem hesitar ou pensar, ele levantou seu joelho direito que atingiu as costelas do cachorro no salto, no ar, impedindo a concretização do seu ataque. O cachorro saiu ganindo de dor, e entrou no mar para encontrar alívio.
JC vinha voltando para casa, fim de tarde, na pista do meio da Rua Casa do Ator, sentido Av. Santo Amaro, quando o semáforo desse cruzamento sinalizou vermelho. Parou o carro, e sua atenção foi atraída pelo olhar penetrante de um rapaz encapuzado que descia em sentido contrário, pela calçada do lado seu direito. Ele o encarou por alguns segundos, e continuou andando. Em seguida, esse rapaz o abordoou batendo com uma arma no vidro esquerdo do carro – o do motorista, pedindo que abrisse. Ele percebendo que se tratava de um assalto, com receio de que o bandido levasse seu celular e documentos que estavam no porta objetos da parte interna da porta do motorista, ao invés de abrir o vidro como ordenado, abriu a porta, saiu do carro, e interrogou o bandido: - O que é que você quer cara?
Ele o olhou com um olhar podia-se dizer assustado, febril – talvez drogado, e com a arma apontada para ele, tremendo nas mãos, balbuciou: - O relógio!
Ele tirou o relógio do pulso e o entregou. Na sequência, o bandido com o mesmo olhar, e com a arma continuando apontada disse: - A aliança!
Ele gritou: - Não!!! A aliança não!
O bandido com o mesmo olhar, balançando a arma, ameaçando atirar, insistiu. Ele entregou a aliança. Quando se recompôs, o bandido já havia desaparecido entre os carros. Ele olhou para todos os demais carros que estavam parados - ao lado, na frente, e atrás que, embora os motoristas e acompanhantes tivessem assistido a cena –pelo menos os que estavam mais próximos–, não haviam tido reação alguma, e gritou: - Que país é esse?
Naturalmente não obteve resposta. Uma senhora que passava pela calçada do lado esquerdo, que devia ter observado o que aconteceu, perguntou se tudo bem com ele. Ele respondeu afirmativamente, e ela disse: - Graças a Deus!
Nisso, o semáforo sinalizou verde, e ele já dentro do carro, seguiu em frente. Foi só então que se conscientizou do perigo pelo qual havia passado. Alguns minutos depois, deixou o carro no estacionamento habitual, e foi para casa, desejando abraçar a esposa. Sentiu-se então abençoado pela sua ‘sorte’, por não ter se ferido, por ainda estar vivo.
Numa outra ocasião, numa noite clara, no período de festas de Fim de Ano, num condomínio fechado do litoral norte de São Paulo, JC ouviu barulho de um carro batendo em algo. Saiu de casa e foi ver o que tinha acontecido. Um carro tinha saído da pista, entrado no jardim de uma praça, e havia avançado, derrubando as plantas que encontrou pela frente, até parar.
Ele abordou o motorista e constatou que ele estava completamente bêbado. Assustado, explicou que estivera confraternizando na casa de um dos moradores vizinhos, e que ele o havia ‘embebedado’. Disse ao motorista que iria levá-lo até a Portaria de Saída, dirigindo o carro pois ele não estava em condições de dirigir. Ele concordou, e assim foi. Durante o percurso, o motorista comentou que sua esposa e filho o estavam esperando na área externa do Condomínio. Chegando na Portaria, JC estacionou o veículo, e ambos desceram e foram ao encontro do segurança responsável. JC explicou a situação, e orientou o segurança para que ficasse junto ao motorista, e não o deixasse sair, ou pegar o veículo, em hipótese alguma, enquanto ele iria procurar sua esposa e filho.
Foi para a área externa e, de acordo com a descrição do motorista, encontrou a sua esposa e o filho – um rapaz de 20 e poucos anos, que aguardavam como havia sido dito. Explicou a situação, perguntou ao rapaz se estava habilitado para dirigir e, confirmado, retornou com eles à Portaria. O rapaz então pegou o carro que estava estacionado. O casal embarcou, e foram embora, em segurança.
Estimulado pela mãe, ele sempre participou das atividades de Igreja Católica. Atuava em diversos grupos de jovens estudantes, preocupados não só com a religião, mas, principalmente, com a situação política do país que, em seguida, seria dominado por uma ditadura militar.
Nesses grupos, ele, ao contrário de seus colegas, pregava sempre a moderação, e era contrário a atitudes mais radicais a favor da democracia que havia sido perdida.
Por diversos motivos, principalmente devido aos seus conhecimentos e posicionamento racional e responsável, foi ficando conhecido nesse meio. Era recebido respeitosamente, e o que falava normalmente era ouvido, observado. Na verdade sua preocupação maior não era com a salvação nacional no futuro, mas com a própria sobrevivência no presente: a atividade comercial dos pais, continuidade da sua educação, preparação para garantir um bom emprego lá na frente, essas coisas...
Nesse meio tempo, a ditadura era duramente atacada por grupos radicais, e seus defensores, militares, reagiam como deles se esperava – reprimiam a violência com mais violência ainda. Felizmente, predominou a razão e, aos poucos, a situação foi se normalizando e a democracia reinstalada.
Seus pares mais radicais o criticaram muito durante o período da ditadura. Gostariam então de vê-lo crucificado. Ao contrário do que ele pregava, pretendiam erradicá-la através do uso da força, da violência. Agora, tudo resolvido, reconheceram sua razão quando pedia calma, moderação, reivindicações pacíficas, etc., e que, por essa sua atitude, considerando o meio que frequentava, muito havia contribuído para o sucesso, a derrota do absolutismo.
Na
sequência, a sua vida foi seguindo um
curso muito positivo, quase sem esforço. Definia objetivos, planejava, e
trabalhava sempre. Os resultados, poderiam tardar, mas apareciam. Em alguns momentos, situações ou eventos
extraordinários ainda ocorriam - quase sempre positivamente. Mas ele já estava tão acostumado que não estranhava mais – estranhava apenas quando não aconteciam, ou demoravam a acontecer.
Atualmente, JC
se pergunta: se ele era um ser especial, com vários destinos abertos a sua
frente, a escolher – com convicção de seria bem sucedido, será que não deveria ter
se lançado em missões mais grandiosas, menos pessoais, buscando a evolução da sociedade,
do ser humano?
Entretanto, agora
na sua velhice, isso certamente seria inviável. Mas, lá atrás, quando ainda se
sentia capaz, tinha reconhecimento, apoio, teria sido possível.
Uma coisa
que lhe ocorreu recentemente é que, eventualmente, todos sejam como ele, que também tenham tido experiências extraordinárias, mas que, talvez, nunca tenham se dado conta, ou pensaram nisso
seriamente, nem se deram ao trabalho de registrar ou comentar. Para pensar!
Sua mãe,
Maria, e seu pai, José, no passado, nunca lhe cobraram nada. Mas, ele sentia que eles
sabiam, esperavam muito dele, pois o consideravam especial.
(JA, Dez18)