Eles se viam oportunamente, quando
coincidia da senhora utilizar ao mesmo tempo a blusa e a camisa, nos quais cada
um, respectivamente, estava pregado. Esses momentos eram especiais. Eles, então,
embora separados, cada qual na sua casa, sentiam-se unidos pelo mesmo destino,
e parecia que tudo era possível. Entretanto, findo o passeio ou o dia de trabalho, cada qual ia para a sua
prateleira ou gaveta e, às vezes, ficavam dias sem se ver. Nessas ocasiões, um ficava pensando no outro,
curtindo a saudade, o seu amor, na melancolia da lembrança de algo de
bom que aconteceu. Por que eles se sentiam
tão atraídos? Difícil dizer, a não ser que isso estava confirmando a tese de
que sentimentos não têm explicação, independem da razão. Eles apenas existem.
Os dois botões não sabiam como a sua história
iria terminar, aliás ninguém poderia prever o fim dessa paixão tão impossível.
Mas, um belo dia, a senhora contratou
uma costureira para dar uma renovada no seu guarda roupa. A costureira viu os
dois botões e, intuitivamente, se sentiu
atraída pelas cores fortes e contrastantes entre ambos. Propôs utilizá-los numa
camisa branca esportiva da senhora, que achou boa a sugestão e a aceitou. Logo os dois botões estavam, finalmente lado
a lado, com um destino comum confirmado. Porém, como nada é perfeito, ainda
estavam em casas separadas.
Quando a peça de roupa era lavada,
era como se estivessem na praia, curtindo ondas de espuma branca. Quando a
roupa era passada, sentiam juntos aquele calor, muito sensual. Enfim, estavam
felizes, vivendo juntos, dentro das possibilidades.
Hoje, passados alguns meses ou anos, dependendo do calendário que
se use, a peça de roupa já está em desuso, os dois botões desgastados, um quase
despregado, mas eles não têm mais medo de se separarem, de se perderem um do outro. Sentem-se
realizados. Tiveram uma vida plena, cumpriram o seu papel da melhor maneira, e
agora, aposentados, vivem da energia eterna gerada por aquela felicidade tão
grande do seu passado em comum, e nem se dão conta de que as luzes do palco da vida, pouco a pouco, estão se apagando.
"Amar o perdido deixa confundido este coração.As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mãoMas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão".
Carlos Drummond de Andrade
(JA, Nov14)