Território era habitado por milhares de pessoas nos séculos 19 e 20, e registrava o 'renascimento árabe'
‘Uma terra sem povo para um povo sem uma terra’.
O slogan foi repetido à
exaustão, ao longo do século 20, pelo movimento sionista, e pelos apoiadores do
sionismo, para mobilizar a imigração judaica à Palestina. As fotografias do
arquivo do Library of Congress Eric and Edith Matson, tiradas entre 1898 e 1946, e
fornecidas ao Público pelo Palestine Photo Project, contam, no entanto, uma
história diferente.
A Palestina era, nos séculos 19 e 20, antes do
nascimento do Estado de Israel, em 1948, um território habitado por centenas de milhares de
pessoas, e vivia, segundo a Enciclopédia Britânica, ‘um renascimento árabe’.
A localização da Palestina a
tornava um local estratégico do ponto de vista comercial. A partir dos portos
de Gaza e Jaffa, importações e exportações ocorriam com países dos continentes
africano, europeu e asiático. Havia também ligações ferroviárias com outras
zonas do Império Otomano. As imagens que compõem a galeria mostram o cotidiano
da Palestina dessa época e levantam o véu sobre a história que está por detrás
do nascimento do Estado de Israel.
Entre 1516 e 1917, o
território da Palestina integrou o Império Otomano, que, durante a Primeira
Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, se alinhou às potências centrais do eixo que saiu
derrotado do conflito.
Na sequência da vitória, dois
dos países dos Aliados, França e Reino Unido, com a concordância da Rússia,
assinaram um acordo secreto, em 1916, intitulado Sykes-Picot, que determinava que parte do
território do Império Otomano, seria desmembrado no pós-guerra, e ficaria sob a
administração francesa e britânica.
Nesse acordo, foi determinado
que a Palestina, devido à presença de locais sagrados para cristãos, muçulmanos
e judeus, deveria ser governada por um regime internacional. As administrações
dos territórios ‘conquistados’ pelos Aliados apenas souberam das resoluções do
acordo por ocasião de sua publicação, sem que tivessem tido a oportunidade de
se pronunciar a favor ou contra.
Em 1917, o Reino
Unido decidiu violar o acordo Sykes-Picot e, unilateralmente, por meio da
Declaração de Balfour, determinar que o território da Palestina deveria ficar
sob o seu comando, e tornar-se ‘o Lar Nacional para o Povo Judeu’, prometendo
empregar ‘os seus melhores esforços no sentido de facilitar a realização deste
fim’.
Mais uma vez, a população não
foi consultada ou chegou a qualquer acordo com o Reino Unido. A Declaração de
Balfour estipulava, especificamente, ‘que nada seria feito que pudesse
prejudicar os direitos civis ou religiosos das comunidades não judaicas
preexistentes na Palestina’, embora não se referisse a essas comunidades pelo
nome, ou aludisse aos direitos políticos ou nacionais delas.
Assim, o Reino Unido tomou as
rédeas do poder na Palestina, no pós-guerra, assumindo o papel de facilitador
da imigração da comunidade judaica para a região, como havia prometido. Antes
da chegada dos britânicos, a esmagadora maioria da população era árabe, mas já
existia uma comunidade de judeus na Palestina, ainda que expressivamente
minoritária, correspondendo, dependendo das fontes, entre 5% e 8% da população.
Algumas estimativas apontam
para cerca de 50 mil judeus vivendo na Palestina em 1918, cerca de 10% de uma
população composta por 500 mil árabes, de acordo com o site das Nações Unidas.
Mas, a partir da vigência do controle britânico, a imigração judaica se
intensificou. Em paralelo, em 1920, a Liga das Nações tornou oficial o governo britânico
da Palestina e, no mesmo ano, os britânicos tornaram o hebraico uma das línguas
oficiais da região.
Na década de 1930, o número
de judeus que chegaram na Palestina aumentou significativamente –fenômeno
intensificado pela perseguição e extermínio sistemático dos judeus na Europa
central, nomeadamente com a chegada de Hitler ao poder da Alemanha, em 1933.
Apenas no ano de 1935 chegaram à
Palestina cerca de 62 mil judeus. Nos dois anos anteriores, tinham chegado
um total de 72 mil. Em 1937, de acordo com as Nações Unidas, a população judaica
era de 400 mil e, dez anos depois, atingiu 625 mil. Segundo a Britânica, havia, em 1946, na
Palestina, 1,2 milhão de árabes, e 678 mil judeus. Eram apenas 50 mil os judeus
morando na Palestina em 1918 – o que corresponde a um crescimento de 1350% da
população judaica, num período de cerca de 25 anos. À medida que chegavam, os imigrantes judeus
foram construindo novos centros urbanos na Palestina.
A resistência à chegada de mais imigrantes judeus intensificou-se nesse período, entre a população árabe da Palestina, e, em 1933 se tornaram frequentes manifestações em oposição à imigração, e que pediam o fim do mandato britânico. As autoridades reprimiam essas manifestações violentamente.
Num dos protestos, no ano de 1935, em Jaffa,
o então presidente do município de Jerusalém’ Musa Qassem al-Husseini, então
com 83
anos, foi espancado pelas autoridades britânicas, e morreu em decorrência dos
ferimentos, o que gerou ainda maior revolta entre a população árabe.
Essa indignação viria a dar
origem à Revolta Árabe, em 1936, uma série de manifestações e greves que desembocaram
em fortes ofensivas árabes e repressão britânica. Entre 1936 e 1939, a
Palestina esteve em guerra civil. A Britânica refere que, na sequência desta
revolta, ‘pela primeira vez, um órgão oficial britânico falou abertamente sobre
a formação de um estado judaico’.
Os britânicos estabeleceram,
desde o início do seu mandato, limitações para a imigração de população judaica
à Palestina, temendo que a situação se tornasse incontrolável devido à forte
resistência árabe. Mesmo após a tomada de poder de Adolf Hitler, na Alemanha, a
administração britânica manteve essa política, conduzindo à revolta das
comunidades judaicas, e dos seus braços paramilitares Haganah e Irgun, contra o
governo.
‘O Haganah resistiu a atacar
os britânicos enquanto combatia contra a Alemanha nazi. Mas, os seus
guerrilheiros se uniram ao Irgun, e levaram a cabo vários ataques contra os
britânicos’, diz trecho de texto no site do National Army Museum do Reino
Unido. Em 22 de julho de 1946, o Irgun fez explodir parte do hotel King David, em
Jerusalém, uma das sedes da administração britânica na Palestina, matando mais
de 90
pessoas e ferindo mais de 40.
Em meados de 1940, tanto
árabes como judeus se opunham, por diferentes razões, ao mandato britânico na
Palestina. ‘Sionistas pressionavam para aumentar a imigração, e levavam a cabo
ataques ao governo, e os estados árabes se mobilizaram em resposta’,
contextualiza a Britânica.
‘A Segunda Guerra Mundial
tinha tornado o Reino Unido vitorioso, mas exausto. A resolução britânica de
permanecer no Oriente Médio entrava em colapso’.
Em 1947, o
presidente norte-americano Harry S. Truman declarou, contra o interesse
britânico, o seu apoio à ideia da criação de Israel; no ano seguinte, a ‘solução
de dois estados’ seria levada a votação na recém-criada Organização das Nações
Unidas.
Em 1948, o Reino
Unido abandonava a Palestina. No mesmo ano, as Nações Unidas partiam o
território em dois e nascia Israel. Os palestinianos se opuseram ao acordo que
foi, novamente, unilateral.
A resistência árabe ao novo Estado israelense, em 1948, deu origem a um conflito armado, e ao ‘deslocamento e expropriação em massa’ dos palestinianos –entre 600 e 700 mil pessoas foram forçadas, sob ameaça de violência israelita, a abandonar as suas aldeias e as suas casas, e a encontrar refúgio na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, ou em países vizinhos.
O site My Jewish Learning
refere que nos três anos e meio que se seguiram à fundação de Israel, 688 mil pessoas
imigraram para a região, uma média de 230 mil por ano, ‘o que se traduziu numa duplicação da
população’.
A Jewish Virtual Library
escreve que, em setembro de 2023, a população de Israel é de 9,8 milhões de
pessoas (sendo que nem toda é judaica), dez vezes mais do que a que existia em 1948, quando o
Estado foi fundado.
Em 2022, o jornal
israelense Haaretz dava conta que existem, no mundo, 15,2 milhões de
judeus, e que 6,9 milhões vivem em Israel.
Presentemente, Israel ocupa,
à revelia da lei internacional, que lhe destinou 55% do território em 1947, mais de 20 mil
quilômetros quadrados de terra (76% do
território); aos palestinos cabe residir
numa área de 6 mil quilômetros quadrados (24%), em Gaza,
e na Cisjordânia.
Mais de 70 anos depois,
Israel continua a não permitir que os refugiados regressem às suas terras, às
suas casas, violando o que a ONU considera ser um direito humano fundamental. Em
consequência, mais de cinco milhões de palestinos vivem, atualmente, dispersos
por vários países do Oriente Médio e do mundo.
Em Israel, nos dias de hoje, ‘os
palestinos continuam a ser expropriados e deslocados pelos colonatos
israelitas, por despejos, confisco de terras, e demolições’, escreve a ONU.
A Palestina é, hoje, um ‘Estado
Observador’, não reconhecido pela maioria dos países do Ocidente.
Fonte: Ana Marques Maia | FSP
(JA, Out23)