O isolamento pode ser tão perigoso quanto fumar ou beber diariamente
Nos mais velhos, a solidão
tem relação direta com a velocidade do declínio cognitivo e o aumento do risco
de demência
Somos animais gregários, porque a formação de grupos foi essencial à sobrevivência dos nossos ancestrais.
Que chance teríamos de
escapar das feras se andássemos sozinhos pelas savanas da África, quando
descemos das árvores? Nossa necessidade de companhia é tanta que ficamos
infelizes ao passar um mísero sábado à noite sozinhos, em casa.
Os benefícios de uma vida em
contato com os familiares, cheia de amigos e de contatos sociais estão ligados
à satisfação no trabalho, à prosperidade financeira, à sensação de bem-estar, e
à realização de sonhos e desejos pessoais.
Nos últimos anos, disciplinas
como epidemiologia, neurociência, psicologia e sociologia demonstraram que a
existência de conexões sociais sólidas têm valor preditivo em relação à
longevidade e a boas condições físicas, cognitivas e mentais. Por outro lado,
ocorre o oposto na ausência dessas conexões.
Inquéritos populacionais com
participantes saudáveis têm confirmado essas conclusões: quanto mais
abrangentes as relações sociais, maior a longevidade. Ao contrário, solidão e
isolamento aumentam o número de mortes precoces.
Um dos primeiros estudos
longitudinais com grande número de participantes, publicado em 1979, mostrou
que a falta de contatos sociais mais do que duplica o risco de morte.
Numa revisão de 148 estudos, com pessoas saudáveis acompanhadas por um período médio de sete anos e meio, a existência de conexões sociais sólidas reduziu as taxas de mortalidade em cerca de 50%.
Os autores destacam o fato de que solidão e isolamento social causam aumentos de mortalidade comparáveis aos de fatores comportamentais, como sedentarismo, fumo e álcool. Comparável, também, aos de problemas clínicos: hipertensão arterial, índice de massa corpórea elevado e colesterol alto.
Os malefícios são semelhantes
aos da poluição ambiental. Segundo eles, solidão e isolamento social são tão
perigosos quanto fumar 15 cigarros por dia, ou tomar seis doses de bebida
alcoólica diariamente.
O isolamento e a solidão
estão associados a aumento da morbidade por infarto do miocárdio e acidente
vascular cerebral (AVC). Numa síntese de 16
estudos, o risco de sofrer infarto
aumentou 29%; e o de AVC, 32%. A vida solitária aumenta também o número de infartos
fatais.
Uma pesquisa realizada entre
pacientes com doenças cardiovasculares demonstrou que a solidão aumenta em 57% o número de
hospitalizações e em 26% o de consultas ambulatoriais, eventos que aumentam os
custos da assistência médica.
O fato de a hipertensão
arterial incidir com mais frequência na raça negra —justamente a mais
desfavorecida economicamente— e nos adultos mais velhos, explica por que os
níveis de pressão são controlados com mais dificuldade nesses grupos. Nos
hipertensos solitários, o risco de complicações ultrapassa aquele dos que
sofrem de diabetes.
Em mulheres com mais de 70 anos, a
solidão aumenta a probabilidade de desenvolver diabetes. A maior dificuldade de
controlar os níveis de glicemia de quem vive isolado explica o maior número de
complicações: infarto do miocárdio, AVC, retinopatia, neuropatia periférica e insuficiência
renal crônica.
Os dados publicados pela National Health
Nutritional Examination Survey, conduzida
em pessoas com diabetes, revelaram que aqueles com menos de seis amigos
próximos apresentam mortalidade mais alta, independentemente da causa de morte.
Nos mais velhos, o isolamento
e a solidão guardam relação direta com a velocidade do declínio cognitivo, e
com o aumento do risco de demência.
Um trabalho que acompanhou
mulheres e homens na velhice, durante 12 anos, mostrou que as habilidades cognitivas declinam 20% mais
depressa nos solitários.
Diversas publicações
calcularam que isolamento e solidão duplicam o risco de desenvolver depressão e
ansiedade. Nas crianças, esse risco chega a permanecer elevado por até nove
anos. A convivência com um círculo maior de amizades reduz em 15% o risco de
depressão e ansiedade em quem passou por experiências traumáticas.
Isolamento social é o fator
preditivo mais forte para ideações suicidas e tentativas fatais ou não.
Sempre soubemos que famílias unidas, muitos amigos e relações sociais gratificantes contribuem para uma vida plena. Não sabíamos é que o isolamento e a solidão fazem tanto mal à saúde.
Fonte: Drauzio Varella, Médico
cancerologista, autor de ‘Estação Carandiru’ | FSP
(JA, Jul23)