Reconhecer posições de privilégio de alguns grupos, e implementar medidas concretas de reparação, é primordial
Novembro é marcado como o ‘mês da consciência negra’ devido ao 20 de novembro de 1695, dia da morte de Zumbi de Palmares. Importante destacar que a data foi escolhida graças a um grupo de jovens pessoas negras que, reunido em 1971 na cidade de Porto Alegre, pesquisou a luta dos seus antepassados e questionou a legitimidade do 13 de maio –data da assinatura da Lei Áurea– como referência de celebração do povo negro.
A Lei Áurea ficou conhecida
como Lei da falsa abolição, por ter libertado as pessoas escravizadas sem
assegurar acesso a elas nenhum direito. Todas aquelas pessoas, naquele momento
libertas, foram colocadas a margem, sem acesso à terra, educação, saúde e
tampouco trabalho. Ou seja, sem acesso à vida em sociedade.
Assim, 20 de novembro
foi sugerida e demarcada como a data da Consciência Negra, destacando o
protagonismo das pessoas negras na luta por liberdade e acesso. Além de também
criar uma reflexão para como raça e racismo foram ideias socialmente
construídas e que fazem com que os desafios para mulheres e homens negros no
Brasil ainda sejam imensos.
Porém, dirimir marcas tão
profundas desse processo escravocrata exige, dentre outras, a adoção de medidas
concretas de reparação e de elevação da representatividade das pessoas negras
em todos os espaços. Para tanto, o Estado, as pessoas não-negras, as organizações
e as universidades devem assumir seus papéis de protagonistas nesse processo.
Pensando juntos, para além do mês de novembro, em medidas de combate ao
racismo. Bem como em mecanismos e políticas afirmativas de inserção das pessoas
negras em todos os ambientes.
Medidas afirmativas devem ser
utilizadas como mecanismos de combate às desigualdades, respeitando sua
finalidade e não devem ser utilizadas como artimanha para manutenção do status
quo, como ainda é feito. A inclusão não pode se dar apenas naqueles espaços ou
funções para onde a sociedade forçosamente ainda encaminha a população
negra.
Mais, pessoas não-negras
precisam combater o ‘medo branco’, e compreender que essa inserção não se dará
a qualquer custo. Ou seja, incluir pessoas negras não significa excluir pessoas
brancas –o que ainda permeia o imaginário de pessoas que temem perder os
espaços garantidos a elas por questões raciais, de gênero e de classe.
Essas medidas têm o condão de
dar igualdade de oportunidades e, para que isso seja compreendido, é preciso
aceitar nossa história enquanto sociedade brasileira. Por mais que essa
história tenha sido costurada às custas de muito sofrimento, com povos sendo
escravizados, grupos minorizados e marginalizados, torna-se necessário
entendê-la para que nós, enquanto indivíduos pertencentes a esta sociedade,
possamos de fato mudá-la.
De acordo com análise
realizada pela empresa de recrutamento vagas.com, ainda que o percentual em
relação ao grau de escolaridade entre as pessoas seja próximo (55% de pessoas brancas e 47,8% negras), pessoas negras são a maioria nas posições
operacionais e técnicas, representando 47,6% e 11,4% dos ocupantes dessas funções, respectivamente.
Enquanto representam só 0,7% dos empregados em cargos de suporte e gestão.
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prejudicados no mercado de trabalho na pandemia’, diz IBGE
É preciso reconhecer que
corpos negros, de mulheres e de muitos grupos nesse país, na realidade, não têm
assegurados direitos fundamentais tão intrínsecos, tão inerentes a um seleto
grupo da sociedade, que exerce sua cidadania de forma plena, como o direito à
vida, à proteção da família, ao trabalho, à segurança e tantos outros.
Então, é primordial que
privilégios sejam reconhecidos, que ideias sejam não apenas reconstruídas, mas
trazidas para o campo da concretude.
É preciso que nos coloquemos
como ferramentas de transformação e como instrumentos de mudança. Porque embora
haja constante negativa da sociedade brasileira em relação a existência de um
racismo estrutural (e estruturante), a história da população negra brasileira, e a luta
do movimento pela garantia de direitos, escancaram a incontestável realidade: o
racismo brasileiro se expressa das mais variadas e sofisticadas formas. Por
isso, precisa ser combatido de forma séria e muito bem articulada.
Fonte: Luanda Pires, advogada e palestrante. Especialista em Relações Governamentais, Direito Antidiscriminatório, Cultura Inclusiva e Diversidade & Inclusão. Atua na defesa dos direitos humanos, em especial dos direitos das mulheres, da população negra e da população LGBTI+. Conselheira de Notório Saber do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Presidenta da Comissão de Direito Antidiscriminatório do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) | Poder 360º
(JA, Nov22)