América Latina vê aumento dos sem religião, mas segue reduto do cristianismo, com avanço dos evangélicos e redução dos católicos
Nem o primeiro papa latino-americano da história estancou a
sangria de fiéis católicos na América Latina. A cada ano, a região vê recuar o
número dos que se dizem ligados à Igreja Católica. Se em 1995 eles somavam 80%, agora
são 56%, mostram dados de pesquisa do
instituto Latinobarómetro.
O fenômeno não é o único que chama a atenção. No mesmo
período, houve um salto dos que se declaram evangélicos —de 3,5% para 19,7%—,
movimento em grande parte puxado pelo Brasil, e um boom dos que dizem não ter
religião. Antes, eram menos de 5% da população
latino-americana; agora, são quase 16%.
O historiador Andrew Chesnut, professor de estudos religiosos
na Universidade Virginia Commonwealth, nos EUA,
descreve o cenário como uma pluralização do campo religioso. ‘Cada dia mais se
elege a fé, e menos se herda da família; é um mercado livre, no qual a pessoa
escolhe entre as opções que parecem mais adequadas, e que respondem às suas
necessidades espirituais e materiais’, diz.
O movimento não é homogêneo. Brasil, Bolívia e Colômbia, por
exemplo, destacam-se pelo aumento dos evangélicos, cenário semelhante ao
observado em toda a América Central. O Chile, por sua vez, diferencia-se pelo
crescimento dos sem religião. Já o México segue como um bastião do catolicismo.
Panorama religioso na América Latina
Evangélicos são fator-chave
Rodrigo Toniol, presidente da Associação dos Cientistas
Sociais da Religião do Mercosul, discorda da hipótese de que o refluxo do
catolicismo se deve à perda de força da igreja enquanto instituição. Segundo
ele, o Brasil vive o ápice do número de padres e paróquias, e o índice em queda
é o de fiéis.
Ele trabalha com a tese de que o aumento de força da igreja
veio acompanhado do ‘disciplinamento das práticas católicas cotidianas’. ‘Quando
se começam a regular as práticas cotidianas, como que tipo de santo pode, e
qual não pode, por exemplo, que no fim das contas era o que sustentava o
catolicismo, ela perde força. É como se a crise do catolicismo fosse vítima do
próprio sucesso institucional da Igreja’.
Os fatores não terminam aí, e o grupo religioso que mais
cresce na região tem importância crucial: os evangélicos. Chesnut diz que a
Igreja Católica se manteve em grande parte eurocêntrica e, ‘em contraste, os
pentecostais se latino americanizaram', mencionando a força da música e da TV no meio evangélico.
‘O marketing da fé é muito importante, porque estamos numa
sociedade capitalista, e os pentecostais são talentosos nisso, algo no que os
católicos, com seus sacerdotes burocratas, ficaram para trás’.
Brasil assistiu aos evangélicos ganharem espaço
El Salvador, em breve, deve ter evangélicos como principal grupo
O boom dos sem religião
A cifra dos que se dizem sem religião constitui o terceiro
maior grupo na América Latina. Se o catolicismo é o que Toniol chama de ‘doador
universal’, por transferir fiéis para outras religiões, o cenário é diferente
para outros fluxos, como de evangélicos para religiões de matriz africana,
considerado mais raro.
O cenário, assim, privilegia transições para o grupo dos sem
religião, que cresce de maneira contínua, especialmente desde a segunda metade
da última década.
No Chile talvez esteja o principal exemplo. De um país com
forte tradição católica, passou a ter mais de um terço de sua população se
declarando sem religião, movimento que ganhou peso notável após os recentes
escândalos de abuso sexual de menores.
Chile viu o boom dos sem religião
O caso mexicano
Ponto fora da curva, o México, palco de maior
institucionalização da igreja devido à acentuada importância do catolicismo na
época da colonização, tem 72,1% de
católicos, queda de cinco pontos percentuais em relação a 1995. Outro fator é a Virgem de Guadalupe, parte da
identidade do mexicano.
‘Trata-se de uma das figuras mais importante do mundo em
número de fiéis e de devotos, e funciona como uma barreira ao crescimento dos
evangélicos’, afirma Chesnut, da Universidade Virginia Commonwealth. ‘Deixar de
ser devoto de Guadalupe é como deixar uma parte da identidade nacional mexicana’.
México seguiu como um bastião do catolicismo
Secularização além-mar
Do outro lado do Atlântico, algo semelhante: a Espanha
assistiu à maior perda de religiosidade durante a pandemia de coronavírus,
tendo agora 37% de ateus e agnósticos. A cifra é de
recente relatório da Fundação Ferrer Guardia. Em 2019, 27,5% diziam não ter nenhuma religião.
A mudança no perfil não corresponde ao espaço que a Igreja
Católica mantém.
‘A Espanha é um Estado laico segundo a Constituição, mas
segue com os acordos do Vaticano de 1979,
feitos pouco após a ditadura, que ataram todos os privilégios da Igreja
Católica que se mantêm até hoje’, diz Hungria Panadero, coautora do material.
Vai para a igreja, por exemplo, uma parte do imposto de renda espanhol.
Fonte: Mayara Paixão | FSP
(JA, Jun22)