Pode ser que estejamos vendo a crise na Ucrânia pelo prisma da política de superpotências, quando o enquadramento mais adequado seria o do imperialismo.
A União Soviética foi o último grande império multinacional
da história. Os esforços de controle de Moscou foram atitudes de uma
ex-superpotência humilhada pelo próprio declínio, tentando se agarrar a algum
símbolo de grandeza.
Na história, todos os processos de derrocada de impérios foram
acompanhados de esforços das potências imperiais de manter seus territórios
conquistados. A França travou guerras brutais na Argélia e no Vietnã, e os
britânicos mataram mais de 10 mil pessoas no
Quênia durante a Revolta dos Mau-Mau. As potências imperiais fizeram isso
simplesmente porque, sob sua visão, a ideia de ser uma superpotência na arena
internacional exigia que elas mantivessem esses ‘prêmios’ coloniais.
Observadas através desse prisma, as ações da Rússia na
Ucrânia são previsíveis. Após um período de fraqueza, nos anos 90, quando mesmo assim a Rússia travou uma guerra sangrenta na
Tchetchênia, Moscou estabeleceu para si a meta de retomar suas ex-colônias mais
queridas. Putin descreve a Ucrânia como parte inseparável da Rússia, de maneira
muito semelhante à que a França descrevia a Argélia, na década de 50. Essa causa, de manter a Argélia como parte da França, foi
popular entre muitos nacionalistas franceses.
Há apenas um problema, naquela época e hoje. Os argelinos,
como os ucranianos de hoje, não tinham nenhuma vontade de continuar colonizados.
Essa resistência popular é o elemento-chave de uma narrativa que
negligenciamos.
Seja lá o que for que Washington, Londres, Berlim e Moscou
possam ter decidido em suas ilustres salas de reunião, as pessoas que habitam o
ex-império soviético quiseram se associar política, militar, econômica e
culturalmente com o Ocidente. E estão dispostas a fazer o necessário para
alcançar isso.
A vasta maioria dos países que compuseram a esfera soviética
˗ muitos integrados ao território e à jurisdição da União Soviética ˗ ficou
traumatizada com a experiência. Esses países tiveram suas existências militar,
política, econômica e cultural dominadas por Moscou por décadas. Estavam
desesperados para se libertar.
Então, quando contarmos a história da Rússia, não devemos
esquecer de incluir o desejo da Ucrânia, sua determinação, de ser livre e
independente ˗ e de lutar e morrer por isso, pois é este o verdadeiro condutor
desta história.
Fonte: Fareed Zakaria, Washington Post | A.C. Boa Nova
(JA, Abr22)