Favor sair da frente, que o novo sempre vem
Entretanto, a interpretação do termo vai muito além da querela
entre geração Z e millennials.
É comum as pessoas se sentirem ameaçadas pela forma como as
novas gerações passam a desprezá-las. Envelhecimento é uma carta que só chega
ao seu destino tarde demais e nem todo mundo abre. Por isso, a famosa crise dos
30 anos dá lugar à dos 40, dos 50 e assim sucessivamente. Se você
puxar pela memória, no entanto, verá que mesmo crianças lamentam o fim da
infância.
A forma como perseguimos uma certa imagem de nós mesmos acaba
por impedir que nos movimentemos sem constrangimento. Afinal, queremos
corresponder à consistência de uma foto, com seus retoques e melhores ângulos.
Abriu a boca, se mexeu, e o risco de passar vergonha, e ser ridicularizado,
começa a valer.
Podemos simplesmente nos constranger e rir ou —como habitual—
passar a constranger os outros para nos safar. As disputas aqui são muitas, e
encontram as mais diferentes artimanhas.
A youtuber Contrapoints, em vídeo longo e ultra didático, faz
questão de propor uma análise ‘psicanalítica’ da palavra, embora faça uso de
vasta terminologia psicológica —tem até colinha no final.
O vexame que alguns adultos dão, sem perceber, quando se põem
a disputar lugares com os mais jovens, vai do risível ao tétrico. E revela a
forma como não são capazes de suportar o lugar de rebotalho, como Lacan chamava
o lugar do analista. A disputa por prestígio dá margem a mais críticas, cara de
enfado, e olhos revirados, criando um ciclo patético. Insisto que o rir de si
é, disparado, o melhor remédio.
Como diz o ditado popular ‘quem desdenha quer comprar’, ou
seja, algo naquele que desprezo me interessa. Pode ser de uma forma sádica ou
empática, mas, certamente, não indiferente.
Se juntarmos as duas questões, veremos que nunca foi tão
difícil assumir a passagem do tempo, em uma cultura na qual as redes sociais
funcionam como retratos de Dorian Gray. Lá estamos sempre lindos, congelados no
tempo, mesmo que à base de muito Photoshop. Mas, quando saímos para encontrar o
bofe, ao vivo e em cores, o que deveria ser retrato, revela-se assustadoramente
real. Essa é uma das hipóteses que justificaria o desinteresse dos mais jovens
pelos encontros sexuais, mesmo antes da pandemia.
O tema é curioso, ainda mais quando sabemos que, a partir de 2022, a velhice será considerada doença pela Organização
Mundial de Saúde —o gene que a desencadeia vem sendo pesquisado obstinadamente
por cientistas de Harvard. Se a velhice for doença, poderá ser erradicada,
tornando a imortalidade o novo produto na prateleira capitalista, que os
despossuídos jamais alcançarão.
Se serve de consolo, a imagem de Elon Musk levando
milionários imortais para viver nos subterrâneos de Marte, faz o inferno de
Dante Alighieri parecer a Disneylândia.
Sugiro sairmos com graça e dignidade, quando nossa vez
chegar.
Imagem em destaque: Pato Donald
traduzido no Brasil nos anos 50, extremamente popular nos anos seguintes, ria
‘quá, quá, quá’
Fonte: Vera Iaconelli, Diretora do
Instituto Gerar de Psicanálise, autora de ‘O Mal-estar na Maternidade’ e ‘Criar
Filhos no Século XXI’. É doutora em psicologia pela USP | FSP
(JA, Jun21)