Ainda hoje é frequente associar-se a cor rosa às meninas e o azul aos meninos. Mas será que sempre assim foi?
Na Europa, desde a Idade Média até ao
século 20, o rosa fazia parte da gama dos vermelhos (sendo considerado como um
vermelho pastel), cor forte e marcadamente masculina, que simbolizava, a força,
a virilidade, a autoridade e a guerra (sangue).
A cor azul, por outro lado, era
atribuída às raparigas, por ser uma cor delicada, e porque ecoava a pureza da
Virgem Maria, devido ao seu manto azul.
‘A regra geralmente aceita é que rosa é para os
meninos, e azul para as meninas. O motivo é que o rosa, sendo uma cor mais
decidida e forte, é mais apropriado para meninos. Enquanto o azul, que é mais
delicado e gracioso, é mais bonito para a menina’.
O parágrafo acima foi publicado há cem anos, em 1918, por uma revista de moda infantil americana, a
Earnshaw, voltada para profissionais da área. Foi encontrado por Jo Paoletti,
professora emérita de Estudos Americanos na Universidade de Maryland, nos
Estados Unidos, e autora do livro ‘Pink and Blue: Telling the Boys from the
Girls in America’ (Rosa
e Azul: Distinguindo Meninos de Meninas nos Estados Unidos).
Nesse tempo, os bebês usavam vestidos brancos,
independentemente do sexo. As roupas brancas eram mais fáceis de serem mantidas
limpas, porque podiam ser fervidas. Além disso, era mais fácil trocar a fralda
de um bebé que usasse um vestido, do que calças.
Mas, a escolha das cores para as roupas dos bebês não era
necessariamente associada ao género.
‘Quando as cores foram introduzidas no vestuário infantil,
tinham tons pasteis, mas não importava se era rosa ou azul. Geralmente, eram
escolhidas de acordo com o tipo físico da criança. Era muito comum ver bebês de
olhos azuis vestindo azul. E bebês de olhos castanhos vestindo rosa. As pessoas
achavam que combinava mais’, continua Paoletti.
Um estudo de 2011 publicado
pela Sociedade de Psicologia Britânica analisou a preferência de cor de bebês e
crianças com idades entre 7 meses e 5 anos. Cada criança recebeu um par de objetos, um com a cor
rosa e o outro com uma segunda cor. Os pesquisadores, então, observaram qual
era a preferência ou rejeição pelos objetos rosas.
O resultado foi que, com até um ano de idade, meninas e meninos
escolheram objetos cor-de-rosa de forma semelhante. Ou seja, não havia uma
preferência de gênero pela cor.
Já aos dois anos, as meninas passaram a preferir o rosa, um
pouco mais frequentemente que os meninos. E, a partir de dois anos e meio, a
preferência por rosa despontou nas meninas, ao mesmo tempo que a rejeição ao
rosa prevaleceu entre meninos.
Segundo as pesquisadoras, a preferência pelo rosa nessa idade
pode ser explicada pela identificação de gênero que é dada pelos adultos, e
acaba absorvida pelas crianças.
‘As descobertas vão na contramão da sugestão de que as
preferências de cor podem ter uma base biológica. Alguns pesquisadores
propuseram que há mais vantagem evolutiva para mulheres que são atraídas por
cores de frutas, como o rosa. Mas, se as mulheres tivessem uma predisposição
biológica ao rosa, então isso seria evidente independentemente da aquisição de
conceitos de gênero’.
Em outras palavras, seria perceptível em qualquer estágio de
vida.
Pesquisadora americana explica que a divisão de gênero das cores é uma construção social. 'Assim, também é errada a ideia de que se você não tratar as crianças segundo um estereótipo de gênero elas vão crescer confusas, serão pervertidas, vão se tornar homossexuais, transgênero. Não há nenhuma evidência disso'.
Ideologia de Gênero
O uso de rosa ou azul mobilizou as redes sociais brasileiras
recentemente, chegando ao topo de assuntos mais comentados no Twitter. O motivo
foi a divulgação de um vídeo de Damares Alves, a primeira ministra a ocupar a
pasta de Mulher, Família e Direitos Humanos — criada por Jair Bolsonaro, em
substituição ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos
Humanos do governo de Dilma Rousseff.
‘Atenção, atenção! É uma nova era no Brasil. Menino veste
azul e menina veste rosa!’, fala Damares Alves no vídeo. A frase foi
acompanhada em coro por apoiadores. Em seguida, todos pularam em comemoração —
inclusive a ministra, nitidamente empolgada.
O contexto da frase é a intenção do novo governo de combater
a chamada ‘ideologia de gênero’. O termo, que não é reconhecido por estudiosos,
foi popularizado por segmentos contrários à ideia de que gênero é uma
construção social e, portanto, não está restrito ao sexo biológico de uma
pessoa.
‘Fiz uma metáfora contra a ideologia de gênero, mas meninos e meninas podem vestir azul, rosa, colorido, enfim, da forma que se sentirem melhores’, disse a ministra, após a reação das redes sociais, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Imagem em destaque: Renoir, Pierre Auguste, 1841-1919 -^-
'Alice e Elisabeth Cahen d'Anvers', ou 'Rosa e Azul', 1881
Fonte: Jo Paoletti, professora emérita de Estudos Americanos
na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e autora do livro ‘Pink and
Blue: Telling the Boys from the Girls in America’, Terra | Palácio Nacional
Mafra Portugal
(JA, Jun21)