A mulher que assinou separação de Portugal, e foi a primeira a governar o país
D. Leopoldina ajudou a escrever nossa história política, mas é comum explicá-la apenas como esposa de D.Pedro 1º, e mãe de D. Pedro 2ºA
independência do Brasil em relação a Portugal foi firmada, em 1822. Como o
momento histórico ocorreu durante a regência da imperatriz Maria Leopoldina,
ela se tornou a primeira mulher a governar o Brasil, ocupando o cargo
interinamente por alguns dias.
Carolina
Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena nasceu em Viena, na Áustria, em 22 de
janeiro de 1797, e integrava uma das famílias mais poderosas da Europa no século 18 - os Habsburgo. Terceira filha de Francisco 1º,
Imperador da Áustria, a princesa embarcou ao Brasil há 200 anos e
mudou os rumos do nosso país.
Aos 20 anos, em
maio de 1817, Leopoldina se casou à distância e por procuração com um homem que
nunca havia visto: o príncipe português Pedro de Bragança, futuro Dom Pedro 1º, como
forma de firmar uma aliança diplomática entre Portugal e Áustria.
Para
consumar a união, Leopoldina embarcou em uma viagem de navio de seis meses de
duração, rumo a um continente que o mundo pouco conhecia, a América. Na
tripulação, trouxe pintores, cientistas e botânicos europeus, conhecida como
Missão Científica Austríaca, para catalogarem a fauna e flora brasileiras.
‘Leopoldina
foi muito bem preparada para governar, e aceitou de bom grado cruzar o oceano,
e deixar para trás tudo o que conhecia, para obedecer e agradar ao pai e a sua
nação, cumprindo o papel que era esperado dela como princesa’, afirma a
professora Maria Celi Chaves Vasconcelos, do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UERJ e especialista em educação de mulheres nobres.
Em 1822, durante
uma viagem do marido a São Paulo, Leopoldina permaneceu no palácio imperial e
ocupou o cargo de regente do país, período que inclui a assinatura da
independência brasileira, em 2 de setembro.
Somente
cinco dias depois Dom Pedro 1º foi informado sobre a notícia da
independência, dando o famoso grito às margens do rio Ipiranga, sendo essa
segunda data a que entrou para os livros de história como o Dia da
Independência: 7 de setembro de 1822.
‘O período
em que a princesa exerceu o poder foi pequeno, mas fundamental para o Brasil.
Além disso, ela foi a primeira mulher a exercer o governo’, explica a
professora de pós-graduação em História Social da USP Cecilia
Helena L. de Salles Oliveira.
Apesar de ela ser retratada como uma mulher melancólica e humilhada com os escândalos e relações extraconjugais de Dom Pedro 1º, escritores têm reivindicado a Leopoldina uma imagem menos passiva na história nacional.
Reunião de Leopoldina com o Conselho de Ministros em 2 de setembro de 1822; escritores têm reivindicado a ela uma imagem menos passiva na história nacional‘As
pesquisas das últimas três décadas apontam várias interpretações novas sobre a
história do Brasil. Tais descobertas apresentam questões diferentes e revelam
situações pouco ou nada conhecidas’, explica Oliveira.
Para o
escritor Paulo Rezzutti, o modo como é contada a história de Leopoldina
demonstra como nosso passado tem sido narrado somente do ponto de vista
masculino.
‘Quando
entra para a história, a figura da mulher o faz por causa de uma suposta
santidade ou por causa de suas relações familiares, dando a impressão que
somente homens fizeram parte de assuntos como a política nacional, afirma o
escritor. D. Leopoldina ajudou a escrever nossa história política, mas é comum
explicá-la apenas como esposa de D. Pedro 1º e mãe de D. Pedro 2º".
Em seu
último livro, ‘D. Leopoldina: a história não contada - A mulher que arquitetou
a independência do Brasil’, Rezzutti busca documentos históricos, como cartas
escritas pela imperatriz para a família na Europa, para apresentar uma
Leopoldina menos melancólica, e mais hábil nos assuntos políticos e
diplomáticos.
‘Em 1822, D.
Leopoldina desrespeitou as ordens das cortes constitucionais portuguesas e
declarou o 'Fico' antes de D. Pedro, com uma visão muito mais astuta que o
marido: a imperatriz tinha certeza que se saíssem do Brasil como os políticos
portugueses desejavam, não só Portugal perderia o domínio do Brasil, como
provavelmente haveria uma guerra civil aqui’, explica Rezzutti.
Exímia política
A postura
de Leopoldina, ao se recusar a retornar a Portugal, ainda divide opiniões.
Enquanto para um grupo de escritores aquela foi uma atitude revolucionária,
para outros a princesa foi apenas estrategista.
Para
Vasconcelos, não existe o menor traço de rebeldia em qualquer escrito de, ou
sobre Leopoldina.
‘Seria
revolucionária por ter influenciado D. Pedro na Proclamação da Independência?
Não creio que haja aí nenhum traço revolucionário; acho que ela era, talvez,
conhecedora o suficiente da história política para fazer o julgamento correto
sobre o momento vivido, e o quanto ele era propício à Independência’, defende a
pesquisadora, se referindo ao fato de Leopoldina temer ir a Portugal em um
momento de intensa movimentação popular contra o rei D. João 6º, sogro
da princesa.
Além
disso, Leopoldina temia revoluções populares, por crescer ouvindo o exemplo
deixado pela tia-avó Maria Antonieta, última rainha da França, guilhotinada
durante a Revolução Francesa.
O professor do departamento de História da USP, João Paulo Garrido Pimenta, explica que todos os Habsburgo do século 19 foram criados para governar.
Recusa de Leopoldina a retornar a Portugal divide opiniões: foi atitude revolucionária ou apenas estrategista?
‘Leopoldina foi educada na Áustria de maneira exemplar e comum à época: para servir aos interesses públicos de sua dinastia - os Habsburgo - e de seu Estado - o Império Austríaco’, explica Pimenta.
Foi servindo os interesses da dinastia Habsburgo que a irmã mais velha de Leopoldina, a arquiduquesa Maria Luíza, se casou com o maior inimigo da família, Napoleão Bonaparte, como estratégia para deter o avanço do francês sobre a Europa. Maria Luíza era uma inspiração para Leopoldina.
‘Napoleão era chamado de 'o flagelo da Europa'. Ele derrubou diversas monarquias, inclusive de parentes da realeza austríaca. Os próprios Habsburgos tiveram que fugir duas vezes de Viena durante guerras entre a Áustria e a França de Napoleão. Por isso, Leopoldina e seus irmãos tinham um boneco apelidado de Napoleão, em que eles batiam’, conta Rezzutti.
Fazia parte da formação da família o aprendizado de línguas - Leopoldina falava 11 idiomas - a formação intelectual em diversas áreas do saber, além de aulas de teatro, que tinham a finalidade de ensinar os Habsburgos a desempenhar o papel de monarcas diante do povo.
Diferentemente de D. Pedro, Leopoldina sabia dialogar com o povo brasileiro, mesmo sendo este tão diferente das suas raízes germânicas: a princesa incluiu o nome de Maria, passando a ser conhecida como Dona Leopoldina ou Maria Leopoldina como forma de estabelecer relações com a cultura nacional.
Independentemente dos motivos que fizeram Leopoldina permanecer no Brasil, para Rezzutti, a imperatriz deve ser interpretada como uma mulher revolucionária, por ter sido a primeira a fazer política na alta esfera de decisões brasileiras.
‘Além de chefiar o conselho de Estado que aconselhou D. Pedro 1º a proclamar a independência, também tomou diversas resoluções importantes, como a contratação de militares estrangeiros para chefiar o Exército brasileiro contra os militares portugueses, e contra uma futura invasão de Portugal, durante a Guerra da Independência’, defende o escritor.
Datada ou moderna?
Apesar de reconhecer as habilidades diplomáticas e políticas de Leopoldina no cenário brasileiro, Vasconcelos defende que a imperatriz não foi uma mulher moderna para os padrões europeus do século 19.
‘Como uma arquiduquesa, Leopoldina foi educada
com os mais rígidos padrões de etiqueta, conduta, pensamento moral e religioso,
dos quais jamais se afastou. Foi educada para ser como foi, uma imperatriz
consorte, que deveria obedecer ao marido, em tudo e por tudo, aceitando,
inclusive, sua infidelidade, grosseria, e caprichos’, aponta a pesquisadora,
destacando a submissão da austríaca a D. Pedro.
‘É sabido que parte desse comportamento decorria de sua paixão pelo marido, mas, por outro, era um traço da educação das arquiduquesas, principalmente depois do fim trágico de Maria Antonieta, em decorrência de suas extravagâncias’, complementa Vasconcelos.
A amante
mais famosa de D. Pedro foi a Marquesa de Santos, que teve uma filha com o
Imperador, e entregou a criança para crescer no palácio, junto com Leopoldina,
e para ter influência no paço imperial. Pouco antes de morrer, Leopoldina era
proibida de circular por determinados lugares dentro do próprio palácio, para
não encontrar a Marquesa.
Mesmo não
se opondo ao marido, a Imperatriz fazia desabafos em cartas enviadas ao pai,
tia e irmã, contando as humilhações que sofria com D. Pedro 1º. São
conhecidas cerca de mil cartas escritas pela austríaca, guardadas no Museu
Histórico Nacional do Rio de Janeiro.
Rezzutti
conta que, em uma das últimas cartas que escreveu à família, Leopoldina chegou
a afirmar que essas humilhações a levariam a morte.
Por essas
cartas, Leopoldina é comumente retratada como uma mulher melancólica e triste.
‘’Até no
seu leito de morte foi necessário que afastassem a amante do marido, a Marquesa
de Santos, para que Leopoldina pudesse, pelo menos, morrer em paz’, completa
Vasconcelos.
Com
relação às pautas sociais, como direitos e emancipação das minorias, a
imperatriz foi conhecida por fazer muita caridade aos necessitados, mesmo que
isso gerasse dívidas enormes ao Império, e por ser querida pelo povo.
‘Leopoldina
sabia falar sobre qualquer assunto, em qualquer língua mais usual, e dominava
ciências da natureza tão em voga naquele momento histórico. Também é sabido que
era contra a escravidão’, afirma Vasconcelos. ‘Mas o restante, o quanto ela
pensava ou acreditava em termos de emancipação da mulher, por exemplo, jamais
saberemos’.
Para
Pimenta, um dos pontos positivos de Leopoldina era que, diferentemente do
marido, ela acreditava que ser princesa e imperatriz era uma função pública, a
serviço da nação, e não somente um status social.
‘Mesmo antes de conhecer o Brasil e seu futuro esposo, Leopoldina preocupava-se com o bom exercício de sua função pública como princesa que, por meio de seu casamento com D. Pedro 1º, serviria para aproximar diplomaticamente Áustria e Portugal’, explica o historiador.
Legado
Durante a
vida, Leopoldina procurou formas de acabar com o trabalho escravo. Em uma
tentativa de mudar o tipo de mão de obra no Brasil, a imperatriz incentivou a
imigração europeia para o país. Primeiro vieram os suíços, se fixando no Rio de
Janeiro, e fundando a cidade de Nova Friburgo. Depois, a fim de povoar o sul
brasileiro, a imperatriz incentivou a vinda dos alemães.
Dona
Leopoldina também contribuiu para a formação da cultura e da educação
científica brasileira. Além da Missão Científica Austríaca que trouxe consigo
em 1817, também trouxe para o Brasil sua biblioteca particular, dando início a
uma biblioteca nas salas do Palácio em que viveu com D. Pedro 1º. A
imperatriz também caçava pequenos mamíferos, e coletava minerais, ajudando e
incentivando estudos sobre a História Natural do Brasil.
Na
Áustria, os estudos, retratos e coletas feitos pela Missão Científica, fundou
no país de origem da imperatriz o Museu Brasileiro, despertando interesse dos
europeus em conhecer as belezas naturais do ‘Novo Mundo’.
Outro
legado de Leopoldina é a bandeira nacional. Embora a história conhecida seja a
de que o amarelo representa o ouro e o verde, as florestas brasileiras, as
cores do maior símbolo nacional representam as duas Casas que deram origem ao
Brasil independente: o verde representa a Casa de Bragança, de D. Pedro 1º, e o
amarelo representa a Casa de Habsburgo, de Leopoldina.
Apesar de
dar nome a ruas, bairros e até escola de samba no Rio de Janeiro, Dona
Leopoldina viveu apenas nove anos no Brasil por causa de sua morte prematura,
aos 29 anos, no dia 11 de dezembro de 1826. Estava grávida,
tendo abortado o filho no leito de morte.
A causa da
morte da imperatriz até hoje causa divergências. As versões mais conhecidas
dizem que Leopoldina, grávida, teria sofrido violência física por D. Pedro 1º,
enquanto que outra versão aponta uma septicemia puerperal.
‘Em uma carta de Leopoldina para a irmã, escrita na vinda para o Brasil, a princesa diz não esperar fazer nada tão especial e importante pela Áustria quanto fez Maria Luísa ao casar-se com Napoleão. Mas defendo que Leopoldina fez muito mais que a irmã, pois ela ajudou a criar um Brasil independente’, defende Rezzutti.
A primeira bandeira do Brasil independente, criada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, 1768-1848
Fonte: BBC Brasil
(JA, Set20)