'Proclamação da República', de Benedito Calixto |
A
Proclamação da República Brasileira aconteceu no dia 15 de novembro de 1889.
Resultado de um levante político-militar que deu inicio à República Federativa
Presidencialista. Fica marcada a figura de Marechal Deodoro da Fonseca como
responsável pela efetiva proclamação e como primeiro Presidente da República
brasileira em um governo provisório (1889-1891).
Marechal
Deodoro da Fonseca foi herói na guerra do Paraguai (1864-1870), comandando um
dos Batalhões de Brigada Expedicionária. Sempre contrário ao movimento
republicano e defensor da Monarquia como deixa claro em cartas trocadas com seu
sobrinho Clodoaldo da Fonseca em 1888 afirmando que apesar de todos os seus
problemas a Monarquia continuava sendo o “único sustentáculo” do país, e a
república sendo proclamada constituiria uma “verdadeira desgraça” por não
estarem, os brasileiros, preparados para ela.
A crise no Império
O ultimo
gabinete ministerial do Império, o ‘Gabinete Ouro Preto’, sob a chefia do
Senador pelo Partido Liberal Visconde do Ouro Preto, assim que assume em junho
de 1889 propõe um programa de governo com reformas profundas no centralismo do
governo imperial. Pretendia dar feição mais representativa aos moldes de uma
monarquia constitucional, contemplando aos republicanos com o fim da vitaliciedade
do senado e adoção da liberdade de culto. Ouro Preto é acusado pela Câmara de
estar dando inicio à República e se defende garantindo que seu programa
inutilizaria a proposta da República. Recebe críticas de seus companheiros do
Partido Liberal por não discutir o problema do Federalismo.
Os problemas
no Império estavam em várias instâncias que davam base ao trono de Dom Pedro
II:
A Igreja Católica:
Descontentamento da Igreja Católica frente ao Padroado exercido por D. Pedro II
que interferia em demasia nas decisões eclesiásticas.
O Exército:
Descontentamento dos oficiais de baixo escalão do Exército Brasileiro pela
determinação de D. Pedro II que os impedia de manifestar publicamente nos
periódicos suas críticas à monarquia.
Os grandes proprietários:
Após a Lei Áurea ascende entre os grandes fazendeiros um clamor pela República,
conhecidos como Republicanos de 14 de maio, insatisfeitos pela decisão
monárquica do fim da escravidão se voltam contra o regime. Os fazendeiros
paulistas que já importavam mão de obra imigrante, também estão contrários à
monarquia, pois buscam maior participação política e poder de decisão nas
questões nacionais.
A classe média urbana:
As classes urbanas em ascensão buscam maior participação política e encontram
no sistema imperial um empecilho para alcançar maior liberdade econômica e
poder de decisão nas questões políticas.
A Proclamação da República
A República
Federativa Brasileira nasce pelas mãos dos militares que se veriam a partir de
então como os defensores da Pátria brasileira. A República foi proclamada por
um monarquista. Deodoro da Fonseca assim como parte dos militares que
participaram da movimentação pelas ruas do Rio de Janeiro no dia 15 de Novembro
pretendiam derrubar apenas o gabinete do Visconde de Ouro Preto. No entanto,
levado ao ato da proclamação, mesmo doente, Deodoro age por acreditar que
haveria represália do governo monárquico com sua prisão e de Benjamin Constant,
devido à insurgência dos militares.
A população
das camadas sociais mais humildes observam atônitos os dias posteriores ao
golpe republicano. A República não favorecia em nada aos mais pobres e também
não contou com a participação desses na ação efetiva. O Império, principalmente
após a abolição da escravidão tem entre essas camadas uma simpatia e mesmo uma
gratidão pela libertação. Há então um empenho das classes ativamente
participativas da República recém-fundada para apagar os vestígios da monarquia
no Brasil, construir heróis republicanos e símbolos que garantissem que a
sociedade brasileira se identificasse com o novo modelo Republicano
Federalista.
A Maçonaria e o Positivismo
O Governo
Republicano Provisório foi ocupado por Marechal Deodoro da Fonseca como
Presidente, Marechal Floriano Peixoto como vice-presidente e como ministros:
Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Campos Sales, Aristides
Lobo, Demétrio Ribeiro e o Almirante Eduardo Wandenkolk, todos os presentes na
nata gestora da República eram membros regulares da Maçonaria Brasileira. A
Maçonaria e os maçons permanecem presentes entre as lideranças brasileiras
desde a Independência, aliados aos ideais da filosofia Positivista, unem-se na
formação do Estado Republicano, principalmente no que tange o Direito.
A filosofia
Positivista de Auguste Comte esteve presente principalmente na construção dos
símbolos da República. Desde a produção da Bandeira Republicana com sua frase
que transborda a essência da filosofia Comteana “Ordem e Progresso”, ou no uso
dos símbolos como um aparato religioso à religião republicana. Positivistas
Ortodoxos como Miguel Lemos e Teixeira Mendes foram os principais ativistas,
usando das alegorias femininas e o mito do herói para fortalecer entre toda a
população a crença e o amor pela República. Esses Positivistas Ortodoxos
acreditavam tão plenamente em sua missão política de fortalecimento da
República que apesar de ridicularizados por seus opositores não esmorecem e
seguem fortalecendo o imaginário republicano com seus símbolos, mitos e
alegorias.
A nova
organização brasileira pouco ou nada muda nas formas de controle social, nem
mesmo há mudanças na pirâmide econômica, onde se agrupam na base o motor da
economia, e onde estão presentes os extratos mais pobres da sociedade,
constituída principalmente por ex-escravizados e seus descendentes. Já nas
camadas mais altas dessa pirâmide econômica organizam-se oligarquias locais que
assumem o poder da máquina pública gerenciando os projetos locais e nacionais
sempre em prol do extrato social ao qual pertencem. Não há uma revolução, ou
mesmo grandes mudanças com a Proclamação da República, o que há de imediato é a
abertura da política aos homens enriquecidos, principalmente pela agricultura.
Enquanto o poder da maquina pública no Império estava concentrado na figura do
Imperador, que administrava de maneira centralizadora as decisões políticas, na
República abre-se espaço de decisão para a classe enriquecida que carecia desse
poder de decisão política.
Contestações
Golpe de Estado Ilegítimo
Meses após o
Marechal Deodoro da Fonseca enganar a própria mulher, burlar as recomendações
médicas e levantar da cama - onde havia passado febril a madrugada daquele 15
de novembro - para proclamar a República brasileira, o país já conhecia a
primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do
poder em 1889.
Escrito pelo
advogado paulistano Eduardo Prado, o livro ‘Fatos da Ditadura Militar no Brasil’,
de 1890, argumentava que a Proclamação da República no Brasil tinha sido uma
cópia do modelo dos Estados Unidos aplicada a um contexto social e a um povo
com características distintas.
A monarquia,
segundo ele, ainda era o modelo mais adequado para a sociedade que se tinha no
país. Prado também foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República
um ‘golpe de Estado ilegítimo’ aplicado pelos militares.
Hoje, 129
anos depois, o tema ainda suscita debates: enquanto diversos historiadores
apontam a importância da chegada da República ao Brasil, apesar de suas
incoerências e dificuldades, um movimento que ganhou força nos últimos anos -
principalmente nas redes sociais - ainda a contesta.
‘A
proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes
latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é
fato notório é que foi um golpe ilegítimo’, disse à BBC News Brasil o
empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro 2º, o
último imperador brasileiro, e militante do movimento de direita Acorda Brasil.
Neste ano,
ele recebeu 118.457 votos no Estado de São Paulo e se elegeu deputado federal
pelo PSL, partido do presidente eleito Jair Bolsonaro.
‘Quando há
ilegitimidade na proclamação de qualquer modelo de governo, não se consegue
estabelecer autoridade e, dessa forma, não se tem ordem. É exatamente isso que
aconteceu na República: removeram o monarca e, no momento seguinte, foi um caos’,
completa Orleans e Bragança, justificando a partir da história os solavancos
recentes da democracia brasileira.
Retrato do Marechal Deodoro da Fonseca, por Henrique Bernardelli |
O processo
de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, deu novo gás ao
movimento pró-monarquia, impulsionado pelas redes sociais e pela presença de
grupos monarquistas nas manifestações contra o governo petista, entre 2015 e
2016 - muitos deles, empunhando bandeiras do Brasil Império.
Um movimento de elites
A ideia de
que a Proclamação da República foi um ‘golpe’ é engrossada pelo historiador
José Murilo de Carvalho, que escreveu um livro sobre os períodos monárquico e
republicano do Brasil: ‘O Pecado Original da República’, editora Bazar do
Tempo. Um dos intelectuais mais respeitados no país, Murilo também admite que é
possível discutir a legitimidade do processo, como reivindicam os monarquistas
atuais.
‘Para se
sustentar (a reivindicação de legitimidade da proclamação), ela teria que supor
que a minoria republicana, predominantemente composta de bacharéis,
jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, alunos das escolas superiores,
além dos cafeicultores paulistas, representava os interesses da maioria
esmagadora da população, ou do país como um todo. Um tanto complicado’, avalia.
Ainda de
acordo com Murilo, não apenas foi um golpe, como ele não contou com a
participação popular, o que fortalece o argumento de ilegitimidade apresentado
pelos atuais monarquistas. Para ele, a distância da maior camada da população
das decisões políticas é um problema que perdura até hoje.
‘Embora os
propagandistas falassem em democracia, o pecado foi a ausência de povo, não só
na proclamação, mas pelo menos até o fim da Primeira República. Incorporar
plenamente o povo no sistema político é ainda hoje um problema da nossa
República. Pode-se dizer que as condições do país não permitiram outra solução,
e que os propagandistas eram sonhadores. Muitos realmente eram’, conta.
Especialista
no período, o jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia
1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do ‘golpe’. Para ele, no entanto, o
debate sobre a legitimidade da República é sobre ‘quem legitima o quê’, o que
está ligado ao processo de consolidação de qualquer regime político.
‘O termo
legitimidade é muito relativo. Depende do que se considera o instrumento
legitimador da nossa República. Se ele for o voto, ela não é legítima, porque o
Partido Republicano nunca teve apoio nas urnas. Agora, se considerar esse
instrumento a força das armas, foi um movimento legítimo, porque foi por meio
delas que o Exército consolidou o regime’, diz.
Para
Laurentino, a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos
históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de ‘proclamação’
e não de ‘golpe’.
‘O que
aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo
política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi
legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi, tanto pelos
sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é
contada hoje por quem venceu’, argumenta.
Para o
historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), é possível, sim,
falar em golpe na fundação da República. Já questionar sua legitimidade, como
faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível.
‘Se
pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão
(esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho
pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que,
infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas’,
explica.
Após 129 anos, Proclamação da República ainda é alvo de debates |
Segundo José
Murilo de Carvalho, é possível afirmar que a proclamação foi obra quase
totalmente dos militares, assim como conta o jornalista Laurentino Gomes em seu
livro 1889.
‘Só poucos
dias antes do golpe é que líderes civis foram envolvidos’, explica Murilo. Para
o professor Marcos Napolitano, porém, o fato de ter sido uma minoria a
responsável por derrubar a monarquia não retira do movimento a sua
legitimidade.
‘Qualquer
processo político está ligado à capacidade de minorias ativas ganharem o apoio
de maiorias, ativas ou passivas, e neutralizarem outros grupos que lhes são
contra. Nem sempre um processo político que começa com uma minoria ativa, redunda
em falta de democracia. Esta é a medida de legitimidade de um processo
político. Muitos processos políticos democratizantes, que mudaram a história
mundial, começaram assim. O que não os exime de serem processos, muitas vezes,
traumáticos e conflitivos", explica Napolitano.
Monarquia como opção de regime político?
Orleans e
Bragança expressa uma alternativa que já existe há algum tempo entre um grupo
restrito de historiadores. O mais militante deles é o professor Armando
Alexandre dos Santos, da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
Frequentemente
convidado pela Casa Real para palestras e eventos, ele é amigo pessoal de D.
Luiz Gastão de Orleans e Bragança - que seria o imperador do país, caso fosse
uma monarquia - desde os anos 1980.
Para Santos,
a República representou a instauração de uma ditadura jamais vivida até então
no Brasil.
‘Foi uma
quartelada de uma minoria revoltosa de militares que não teve nenhum apoio
popular. A própria proclamação foi um show de indecisões: Deodoro da Fonseca,
por exemplo, só decidiu proclamá-la porque foi pressionado pelos membros do seu
grupinho que precisavam de um militar de patente para representá-los. Foi,
acima de tudo, um modismo, uma imitação servil dos EUA’, argumenta.
Santos, no
entanto, não encontra apoio para sua tese na maior parte da academia. Para os
historiadores ouvidos pela BBC News Brasil, o retorno à monarquia não está,
definitivamente, no horizonte político do país.
‘O
plebiscito de 1993 (para determinar a forma de governo do país) mostrou que há
sólida maioria favorável à República, apesar das trapalhadas do regime. Fora do
Carnaval, a imagem predominante da monarquia ainda é a de regime retrógrado’,
afirma José Murilo de Carvalho, seguido por Gomes.
‘Em um
momento de discussão da identidade nacional, se somos violentos ou pacíficos,
corruptos ou transparentes, vamos em busca de mitos fundadores. Um deles é D.
Pedro, que era um homem culto e respeitado. Esse movimento monárquico atual é
freudiano. É a busca de pai que resolva tudo sem que a gente se preocupe’,
finaliza.
Fonte: : InfoEscola
| Vinícius Mendes, BBC Brasil
(JA, Nov18)