De modo geral
as pessoas do mundo de hoje são mais prósperas do que seus antepassados. Os demônios
materiais que os assombraram – fome, sujeira, doenças e muitos outros – não são
mais um problema comum para os cidadãos do primeiro mundo.
Entretanto,
poucos se consideram felizes. A maioria, de algum forma, se sente insatisfeita.
Podem projetar imagem de felicidade nas mídias sociais, ou em público, mas, no
íntimo, essa não é a sua realidade. Por
que isso acontece?
A sociedade em
que vivemos assume que a ‘boa vida’ conquistada é um grande passo para uma ‘vida
feliz’. O problema é que a boa vida pode ser mensurada objetivamente, enquanto
que a vida feliz é subjetiva.
A boa vida
poderia ser como uma escada, onde cada degrau nos aproximaria mais da
felicidade almejada: Educação Universitária; Sexo, de três a cinco vezes por semana;
Salário acima de R$ 15mil/mês; Oito horas de sono; Casa no litoral badalado;...
Portanto, dentro desse conceito, para sermos felizes precisaríamos conquistar tudo
isso, e mais algumas coisas, subir mais alguns degraus, para chegar onde
pretendemos. Mas existe tal escada: Ela
nos levaria mesmo aonde queremos ir?
Embora todas
essas coisas, bem como os indicadores sociais: igualdade de oportunidades,
justiça perante a lei, liberdade civil, segurança civil, estabilidade econômica,
emprego, alimentação, habitação,... possam servir para medir a ‘boa vida’ -pois
efetivamente contribuem para a felicidade individual-, não são determinantes. São fatores de ordem geral, e a felicidade é
singular, pois cada indivíduo é único e subjetivo. Às vezes, nem ele mesmo sabe exatamente o que
precisaria ter para ser realmente feliz. E, nessa confusão, ele pode se alienar
e dizer a si mesmo: ‘Eu sou feliz!’
Não existe uma
única resposta para determinar o que seria uma vida feliz. Arriscaria a dizer
que o correto seria que cada um de nós, desde cedo, deveria ter essa preocupação
- descobrir o que o faria feliz. Por não ser uma resposta fácil, o recomendável seria partir para a tentativa e erro, experimentar o novo, entender que algumas
questões têm respostas complexas ou que podem mesmo não ter resposta, cultivar
a noção de que o fracasso é essencial para o progresso, aceitar que erros são o
que nos fazem eventualmente acertar, saber persistir quando as dificuldades
parecerem não acabar nunca. O caminho em
frente raramente é óbvio, pelo contrário, é imprevisível, cheio de
desafios.
Se temos pouco
experiência escalando montanhas, não devemos nos aventurar a subir um pico
difícil. Vamos expandindo nossa habilidade gradativamente até obter uma boa
base e técnica. Só então tentamos a escalada mais ambiciosa. Aprendemos com
nossos erros, usando o fracasso como guia. Nós nos arriscamos, mas sempre nos
preservando no processo. Alpinistas não querem cair. Pesquisadores não querem -ou
ao menos, não devem- investir recursos excessivos num projeto que, mesmo após
um longo tempo, dará poucos frutos. Ou seja, a persistência não deve ser cega.
Em um
determinado momento, temos que ter a coragem de deixar uma ideia para trás,
mesmo que isso seja muito difícil. Para que um projeto tenha sucesso,
precisamos nos dedicar a ele de corpo e alma. Mas, se após várias tentativas,
as coisas não avançarem, temos que ir em frente. Saber dar uma parada para
avaliar em que estágio estamos, discutir ideias com colegas, ouvir críticas e
aprender com elas. Todos esses procedimentos são essenciais na pesquisa
científica, e podem ser muito úteis em áreas diversas.
Se as coisas
não funcionarem, precisamos deixar o orgulho para trás e aceitar que falhamos.
Todo cientista sabe muito bem que a maioria das suas ideias não vai funcionar.
Resolutos, vamos em frente. Mas, devemos também estar abertos a críticas e saber
respeitar as evidências contra o que estamos propondo, ou celebrar aquelas a
favor.
Ao final, não
vamos poder saber se fizemos tudo o que deveríamos, e se realmente chegamos a alcançar
o que seria a vida feliz. Porém, durante o nosso trajeto certamente
acontecerá, como àquele menino que andando na praia e encontra uma linda
conchinha, um peixinho nadando na poça d’água, e que, independentemente do
grande oceano por descobrir à sua frente, se sente feliz naquele momento.
(JA, Dez17)