Pular para o conteúdo principal

Povos Indígenas

 


Cultura Indígena

Você já parou para refletir sobre suas origens? Já se perguntou de onde vêm determinadas crenças, costumes e tradições que te fazem sentir quem você é?

Somos herdeiros de uma cultura. A partir dela, obtemos visões de mundo, códigos de conduta, juízos e valores. Nossa cultura determina, em grande parte, nossa identidade, como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. Como brasileiros, somos parte de uma nação plural que contém em si a riqueza de uma enorme diversidade cultural. Quanto mais nos abrimos para conhecer tal diversidade, mais ampliamos nosso repertório para o bem viver.

Porém, como brasileiros, também somos filhos da história da colonização deste país. Uma história que nos fez acreditar que existe uma cultura primitiva e outra civilizada. Uma cultura atrasada e outra em constante evolução. Isso disseminou a ideia de que os povos nativos eram selvagens, e que precisavam se integrar à cultura da modernidade. E semeou no imaginário coletivo uma identidade indígena única, que poderia ser ‘perdida’ quando em contato com não-indígenas.

Essas são crenças antigas que perduram na sociedade por mais de 500 anos, e não nos deixam enxergar as belezas e o valor de viver em uma nação pluriétnica. Que nos impregna de preconceitos, ideias equivocadas ou mesmo visões romantizadas e estereotipadas dos povos indígenas. Somos distanciados de suas culturas e saberes, sem nos darmos conta da enorme perda que isso significa para nós mesmos.

Assim, no mês de Abril, quando no dia 19, é celebrado o ‘Dia dos Povos Indígenas’, acreditamos que vale a pena conhecer um pouco mais a história dos povos originários de nosso país, e de como foi construída no imaginário coletivo uma visão, muitas vezes, distorcida das comunidades indígenas.

Queremos, com isso, contribuir para o reconhecimento do valor e dos direitos desses povos, tanto no que tange a manutenção de seus costumes, tradições, e modos de ser e habitar o mundo, bem como facilitar o seu diálogo com as culturas não-indígenas. 

Brasil Terra Indígena 

Você já ouviu essa história: em 1500, Pedro Álvares Cabral desembarcou no litoral de uma terra com natureza exuberante. Nela, habitava um povo que andava nú, e enfeitava seu corpo com pinturas e elementos da natureza. Decidiram chamá-los de índios, simplesmente pelo equívoco, ou não, de acreditar estarem a caminho das Índias. Talvez, o que não tenham lhe contado é que, nesse momento, estimativas demográficas apontam que esta terra estava habitada por uma média de 5 milhões de pessoas, distribuídos por todo o território nacional, com mais de 1.300 etnias diferentes. Cada povo possuía uma denominação étnica (Guarani, Macuxi, Pankararu, Kayapó, Xavante, Fulni-ô, Yawanawá, Huni Kuin, Kaingang, Matipu, Pataxó, Tukano, Potiguara, Tupinambá e milhares de outras), uma língua própria, uma cosmologia única, um modo de vida adaptado aos diferentes biomas que habitavam, conhecimento botânico local, entre outros saberes e tecnologias ancestrais.

Porém, os europeus não vieram às Américas em busca de troca de conhecimentos e saberes. Eles vieram com a intenção certeira de dominar e colonizar as novas terras e, como colocou o líder indígena Ailton Krenak em seu livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’, a ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível.

Essa crença justificou (e infelizmente ainda justifica) uma série de ações que buscou acabar com esses povos. Só para se ter uma ideia, em 1650, o número de habitantes nativos caiu para 700 mil pessoas, chegando a 70 mil em 1957.

 Apesar de todo o massacre, muitas comunidades indígenas sobreviveram, e seguem lutando pelo direito de existir. É certo que houve muitos avanços. O censo demográfico de 2010, por exemplo, constatou que a população indígena no Brasil cresceu, e chegou a cerca de 900 mil pessoas, divididas em 305 etnias diferentes e com 274 línguas maternas.

Mas, estamos longe ainda de compreender a importância da preservação dessas culturas, do respeito às suas identidades, da valorização de seus saberes. Teimosamente, persistem na sociedade brasileira equívocos de uma antiga mentalidade colonizadora, que induzem a população não-indígena a se opor aos direitos dos povos originários, e a se distanciar de lutas e culturas que deveriam ser vistas como coletivas. Ou seja, de todo o povo brasileiro, por serem parte de quem somos enquanto nação.



Até a Constituição de 1988, toda a evolução histórica de legislações dos direitos indígenas teve um ponto em comum: seu caráter integracionista. Ou seja, mantinham a visão do indígena como ser primitivo que deveria ser ‘integrado’ à sociedade brasileira, a partir da total assimilação de sua língua e seus costumes, passando então a ser considerado ‘civilizado’, e parte da comunhão nacional.

Segundo o professor Gersem José dos Santos Luciano, do povo Baniwa, autor do livro ‘O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje’, lançado pelo MEC, em parceria com a UNESCO, acreditava-se que a existência dos povos indígenas era uma questão de tempo, e a transformação dos índios sobreviventes em cidadãos comuns decretaria a extinção final dos povos indígenas do Brasil.

O Estatuto do Índio, de 1973, como ficou conhecida a lei 6001, categoriza a identidade indígena como:

o    isolado,

o    em vias de integração,

o    integrado. 

Essa hierarquização da identidade indígena deixou na sociedade a impressão de que o ‘índio verdadeiro’ é aquele que vive nas florestas, sem nenhum contato com a ‘civilização’. Assim, quanto mais um povo indígena se aproxima da sociedade dominante, menos ‘índios’ são.

Apesar de superada na Constituição de 1988, que reconhece o direito à organização social, costumes e línguas dos povos indígenas, o mito da integração segue presente no discurso político de muitos dirigentes.



Segundo Jolie Dorrico, descendente do povo Macuxi, em uma aula ministrada no curso Constelação das artes-musicalidades indígenas no Brasil pelo Itaú Cultural, essa hierarquização segue muito viva no imaginário nacional. Dela derivam as recorrentes desconfianças de indígenas que estão na universidade, que atuam na música, no cinema, na política, e que utilizam ferramentas tecnológicas, como se tivessem perdido sua autenticidade.

Ainda, ao desqualificar os indígenas por sua aproximação com a sociedade envolvente, e por vivenciarem a contemporaneidade, classificando-os como ‘ex-índios’ (como fez um governador amazonense), abrem-se brechas para argumentações contrárias à demarcação de Terras Indígenas. 

     

José Bessa Freire, doutor em Educação, em uma palestra, em abril de 2002, explicou que a sociedade ‘congelou’ a cultura indígena em 1500, produzindo ‘na cabeça da maioria dos brasileiros uma imagem de como deve ser o índio: nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi descrito por Pero Vaz de Caminha. Qualquer mudança nela provoca estranhamento’. Isso não permite que culturas indígenas vivam a interculturalidade, sem que sua identidade seja imediatamente questionada.

Como colocou Bessa Freire, todo encontro entre povos gera influências e mudanças, e isso é considerado normal para a cultura brasileira, chinesa, estadunidense, etc. As culturas de Estados-nação se veem como simétricas, e suas trocas culturais, são vistas como intercâmbios. As culturas indígenas também mudam e isso não é necessariamente negativo, desde que seja uma escolha, e tampouco deve ser considerado um abandono de suas tradições e costumes.           

Se um brasileiro muda de país, adota novos costumes, se comunica na língua local, nunca deixará de ser brasileiro. Por que seria diferente com um Ashaninka, um Yanomami, um Tikuna, um Guajajara ou qualquer outro povo indígena? Segundo o IBGE, mais de 315 mil indígenas vivem em centros urbanos e, além de enfrentarem todo tipo de preconceito devido a essa crença, eles ainda sofrem com falta de acesso às políticas públicas destinadas a essa população, caindo no ‘não-lugar’: não são índios, não são negros, não são brancos.



Outro equívoco, elencado pelo professor Bessa Freire a respeito dos povos indígenas, é acreditar que suas culturas são atrasadas e pertencentes ao passado. A verdade é que estes povos produziram saberes, ciências, arte refinada, literatura, poesia, música e religião, que estão longe de serem ‘inferiores’, ‘pobres’ ou ‘atrasados’, como muitos costumam nomear. 

Hoje, já existem estudos que demonstram o conhecimento sofisticado acerca de plantas medicinais, agricultura, melhoramento genético, classificação e uso do solo, sistema de reciclagem de nutrientes, pesticidas e fertilizantes naturais, comportamento animal, manejo de pesca e vida selvagem, e astronomia, produzidos por culturas indígenas. Eles ainda, possuem uma vasta e riquíssima literatura, menosprezada por serem ágrafas, ou seja, passadas de geração em geração pela oralidade.

Bessa Freire afirma que esse preconceito nos impede de usufruir de um legado cultural acumulado por milênios, que poderia, inclusive, evitar problemas graves, como o acidente na usina nuclear de Angra dos Reis, em 1985. Construída em uma região conhecida pelos Tupinambás como Itaorna, as chuvas provocaram deslizamentos de terra na encosta, destruindo o Laboratório de Radiologia. O que os engenheiros não sabiam é que o nome dado pelos indígenas continha informações importantes sobre a estrutura do solo, já que Itaorna, em língua tupinambá, significa ‘pedra podre’. Como colocou o antropólogo Darell Posey em uma exposição sobre a ciência dos Kayapós: 

Índio não, indígena 

Recentemente, a Funai, criada em 1967 como Fundação Nacional do Índio, mudou seu nome para Fundação Nacional dos Povos Indígenas, jogando mais luz ao debate do quanto ainda utilizamos vocabulários com uma intensa carga negativa ao nos referirmos aos povos originários.

Segundo o escritor Daniel Munduruku, a distinção entre as categorias ‘índio’, ‘indígena’, ou o nome da etnia, como ‘munduruku’, reside na reivindicação do pertencimento étnico, e no reconhecimento da diversidade dos povos originários que foram historicamente submetidos a categoria racial ‘índio’, um apelido que quase sempre desqualifica e desumaniza.

 ‘A palavra para nós tem sentido, tem alma, tem vida. Ela enobrece ou derruba, destrói. Saber usar a palavra para tratar o outro é sinal de inteligência, de humanidade’, esclarece. 

Portanto, a palavra ‘índio’ está carregada de signos históricos que remontam preconceitos e escondem a enorme diversidade desses povos, apagando nomes, línguas e toda uma cultura.

A palavra indígena possui, inclusive, uma etimologia diferente e não é derivada da palavra ‘índio’, como muitos acreditam ser. Ela significa ‘gerado dentro da terra que lhe é própria, originário’. Por isso, é a palavra correta para se referir aos povos nativos. ‘Tribo’ também é outra palavra genérica, cunhada pelos colonizadores, que deve ser evitada, dando lugar a ‘povos’, ‘aldeia’ ou ‘comunidades.

Vivemos um novo momento da história indígena no Brasil. Segundo Gersem Baniwa, ‘o reconhecimento da cidadania indígena brasileira e, consequentemente, a valorização de suas culturas, possibilitaram uma nova consciência étnica dos povos indígenas do Brasil’, trazendo um novo orgulho identitário. Com isso, culturas e tradições estão sendo resgatadas, terras tradicionais estão sendo reivindicadas, línguas estão sendo reaprendidas, e rituais e cerimônias voltam a fazer parte da vida cotidiana dos povos indígenas, tanto nas aldeias como nas cidades.

Em especial, as novas gerações têm mostrado profundo interesse na recuperação do valor e da identidade indígena, mostrando ao mundo que fazer parte da modernidade não significa abdicar de sua origem nem de suas tradições. Com isso, cresce o número de jovens indígenas que usam todo o poder da arte, da tecnologia e das redes sociais, para desmistificar estereótipos, e dar visibilidade às questões indígenas.

Dentre muitas vozes está a de Cristian Wariu Tseremey´wa, que possui um canal do Youtube dedicado a levar mais conhecimento e esclarecimentos sobre a cultura indígena.

Alice Pataxó, jornalista e ativista, foi capa da revista Glamour na edição de março de 2023, e ganhou repercussão internacional ao ser indicada por Malala Yousafzai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz, para o prêmio ‘100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo em 2022’. 

No campo da arte, Renata Tupinambá é fundadora do podcast ‘Originárias’, que busca divulgar músicos e artistas indígenas do século 21. Ainda, Txai Suruí, aos 25 anos, foi a primeira indígena a discursar na abertura de uma conferência do clima, a COP 26 em Glasgow, e é produtora executiva do documentário ‘O Território’, do diretor americano Alex Pritz, vencedor de duas categorias no Festival Sundance 2022, e que estreará no Brasil em setembro deste ano.



Na esteira do reconhecimento e orgulho identitário, celebridades não-indígenas se somam para dar visibilidade aos povos nativos. É o caso de Alok, que produziu uma apresentação diretamente do Rio Amazonas para o megaevento Global Citizen Live, com a participação de artistas de três etnias: Huni Kuin, Yawanawá e Guarani Mbya.

Um show emocionante que contou também com a intervenção da liderança indígena Célia Xakriabá que declarou: ‘Antes do Brasil da Coroa, existe o Brasil do Cocar’. Alok ainda levou esta mesma apresentação para Nova York, na sede da ONU, durante a Assembleia Geral da Nações Unidas de 2022, chamando a atenção do mundo para a pauta ambiental, e as questões dos povos originários.




 

   

    (JA, Abr23)

 


Postagens mais visitadas deste blog

Grabovoi - O Poder dos Números

O Método Grabovoi  foi criado pelo cientista russo Grigori Grabovoi, após anos de estudos e pesquisas, sobre números e sua influência no nosso cérebro. Grigori descobriu que os números criam frequências que podem atuar em diversas áreas, desde sobrepeso até falta de concentração, tratamento para doenças, dedicação, e situações como perda de dinheiro. Os números atuam como uma ‘Código de desbloqueio’ dentro do nosso inconsciente, criando frequências vibratórias que atuam diretamente na área afetada e permitindo que o fluxo de informações flua livremente no nosso cérebro. Como funciona? As sequências são formadas por números que reúnem significados. As sequências podem ter  1, 7, 16, ou até 25 algarismos, e quanto mais números, mais específica é a ação da sequência. Os números devem ser lidos separadamente, por exemplo: 345682 Três, quatro, cinco, seis (sempre o número seis, não ‘meia’), oito, dois. Como praticar Você deve escolher uma das sequencias num

Thoth

Deus da lua, juiz dos mortos e deus do conhecimento e da escrita, Thoth (também Toth, ou Tot, cujo nome em egípcio é Djehuty) é um deus egípcio, representado com cabeça de íbis. É o deus do conhecimento, da sabedoria, da escrita, da música e da magia. Filho mais velho do deus do sol Rá, ou em alguns mitos nascido da cabeça de Set, era representado como um homem com a cabeça da ave íbis ou de um babuíno, seus animais sagrados.   Sendo o deus associado com o conhecimento secreto, Thoth ajudou no sepultamento de Osíris criando a primeira múmia. Era também o deus das palavras, da língua e posteriormente os gregos viam este deus egípcio como a fonte de toda a ciência, humana e divina, do Egito. O culto de Thoth situava-se na cidade de Khemenou, também referida pelos gregos como Hermópolis Magna, e agora conhecida pelo nome árabe Al Ashmunin. Inventor da escrita Segundo a tradição, transmitida também por Platão no diálogo Fedro, Thoth inventou a escrita egípc

O Homem do Saco, ou Papa Figo

Segundo a lenda, O Homem do Saco pega e carrega crianças que estejam sem nenhum adulto por perto, em frente às suas casas, ou brincando na rua. O sinistro Homem do Saco, também conhecido como ‘Papa Figo’, não tem poderes misteriosos ou místicos, muito menos habilidades sobrenaturais. Mas possui o atributo mais perigoso que pode existir - a mente humana. Originalmente Papa Figo possui uma aparência comum, ainda que bastante feia. É descrito como um homem velho e de jeito esquisito; é comum vê-lo sempre carregando um grande saco pendurado nas costas. Devido ao seu jeito costuma chamar a atenção das pessoas. Por conta disso, o velho Papa Figo prefere agir por meio de seus ajudantes para atrair suas inocentes vítimas, em geral crianças com idade abaixo dos 15 anos. Mas há relatos de jovens de 16 e 17 anos que tiveram seu sumiço associado ao Papa Figo. O Papa Figo seria um homem de bastante posses que, através de promessas de pagamentos em dinheiro, acaba at