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Brasil – Custo da Colonização e Independência

 Séc. 18 - Ouro do Brasil

 

No século 18, o ouro oriundo do Brasil começou a chegar em Portugal, em quantidades apreciáveis.

No curto prazo, Portugal enriqueceu. Mas a ‘maldição’ desse recurso distorceu a economia de forma profunda, levando ao abandono das fábricas (a industrialização do país, que era promissora no último quartel do século 17), ao favorecimento das importações, e ao colapso da competitividade pátria.

Em meados do século 18, quando o ouro ainda chegava, a economia portuguesa estagnou, e Portugal perdia o trem da Revolução Industrial. Estavam abertas as portas para o medonho século 19, feito de guerras civis e bancarrotas

Em Portugal, se o rei queria cobrar impostos, por exemplo, tinha de ouvir os representantes municipais, eleitos pelos seus pares. Para usar um célebre bordão americano, ‘no taxation without representation’. A convocação das cortes era a expressão institucional desse princípio.

No século 18, com o ouro brasileiro, as cortes não se reuniram uma única vez. Para quê? A liquidez que a Coroa dispunha permitia atuar sem prestar contas a ninguém.

No fundo, permitia-lhe atuar sem freios e contrapesos, cultivando antes as suas clientelas parasitárias e venais. O Marquês de Pombal, e seus sucessores, representaram bem essa nova cultura despótica e ‘iluminada’. 

 

Séc. 19 – Independência do Brasil 


Após 1822, Portugal lutou de todas as formas possíveis, durante alguns anos, contra a independência do Brasil.

Mas o que fizeram os portugueses quando, por pressão inglesa, finalmente aceitaram a perda da colônia, e firmaram o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, em 1825? Celebraram com júbilo. Um aviso do governo convocou a corte para uma ‘grande galla’, foi dado férias aos tribunais, e toda a cidade de Lisboa se iluminou.

O Brasil teve de pagar por sua independência

O valor total foi 2 milhões de libras esterlinas, o que incluiu a amortização de um empréstimo de 1,3 milhão de libras contraído por Portugal, em 1823, junto a bancos ingleses da família Rothschild, precisamente para custear a guerra que travou contra o Brasil para anular a sua independência.

A dívida era portuguesa, mas o Tesouro brasileiro foi obrigado a assumi-la. Além disso, como constava no tratado, dom João , rei de Portugal, manteve, inusitadamente, o título de imperador do Brasil. Por isso os portugueses celebraram.

Ao nascer, o Brasil foi amamentado com dívidas. Mesmo antes do tratado, em 1822 e 1824, contraiu empréstimos destinados à ‘aquisição de vasos de guerra’, e ao pagamento de passivos do período colonial, apresentando como garantia as rendas da Província do Rio de Janeiro.

Além de assumir a dívida de Portugal com bancos ingleses, a reparação a Portugal envolveu vários outros parâmetros, tais como:

o  uma indenização de 250 mil libras a dom João pela perda das suas propriedades particulares existentes no Brasil;

o     a compensação pelos bens confiscados, ou destruídos, de outros portugueses que voltaram a Portugal (e para esse efeito foi criada em 1827 uma comissão mista que acolheria as reclamações dos súditos de governo a governo);

o    as despesas com o transporte de tropas durante a guerra de independência;

o    o pagamento de uma frota de navios de guerra que ficaram no Brasil (7 naus, 9 fragatas, 12 corvetas, 16 brigues, 8 escunas, 4 charruas e 5 navios-correios).

Nesse pacote incluiu-se também os recursos autorizados pelo governo brasileiro para custear a guerra movida por dom Pedro a seu irmão dom Miguel, após ter abdicado em 1831 do trono brasileiro. Incestuosamente, foi o Brasil que teve de pagar para que o seu antigo imperador fosse rei no país contra o qual tinha lutado pela independência.

Quando dom João voltou a Portugal, em 1821, a maior parte da moeda de ouro e de prata existente foi levada no seu barco, ficando o Tesouro Público Brasileiro ‘sem real em seus cofres’ (expressão do então ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada).

A dívida com Portugal após a independência só agravou ainda mais uma situação que já era espinhosa. Ao todo, foram contraídos 15 empréstimos entre 1824 e 1888, alguns com deságios de 35%, usados, tanto para satisfazer os déficits dos ministérios da Fazenda, da Marinha e da Guerra, quanto para pagar a dívida lusa.

A relação do Tesouro brasileiro com a família Rothschild se manteve intacta até às primeiras décadas do século 20; em 1855, tornaram-se os agentes exclusivos do Estado brasileiro.

O pagamento da dívida total não foi nem de imediato, nem fácil. Tiveram de ser adotadas três convenções:

1.      a ‘convenção direta e especial’, de 1825 (o instrumento de ratificação original está disponível nos arquivos nacionais de Portugal),

2.        uma convenção sobre a liquidação final de contas, em 1840, e, finalmente,

3.        uma ‘convenção para o ajuste de contas pendentes’, em 1842.


Em 1828, o Brasil deu o primeiro calote ao pagamento da dívida. Pela convenção de 1825, a dívida teria que ser paga em quatro parcelas. Não aconteceu. As negociações relativas à amortização se tornaram cada vez mais complexas, estendendo-se pelo menos até 1860, quando ‘caíram no esquecimento’ causado pelo desgaste.

Quatro acadêmicos portugueses e brasileiros consultados pela coluna, especialistas em dívida pública dos dois países no século 19, indicaram que não é claro quanto tempo o Brasil demorou a pagar a dívida original a Portugal (e à família Rothschild).

Pela convenção de 1842, teria que ser amortizada até 1853. Porém, como declarou Marcelo de Paiva Abreu, professor-titular na PUC-Rio, ‘tipicamente o Brasil, em meados do século 19, tomava novos empréstimos para saldar os velhos empréstimos, quando venciam os prazos iniciais’. Torna-se assim difícil determinar quando é que a dívida a Portugal foi quitada.

Além disso, não há evidências de que Portugal tenha adiantado quantias devidas pelo Brasil e, posteriormente, recebido reembolso, como nota Nuno Valério, professor catedrático da Universidade de Lisboa, e um dos maiores especialistas em história econômica portuguesa.

Paulo Roberto de Almeida reforça que, para sabermos se o Tesouro brasileiro pagou a indenização a dom João pela perda das suas propriedades no Brasil, teríamos que examinar os relatórios do Ministério da Fazenda e, se existirem, os registros do Tesouro nos anos subsequentes a 1825, ‘uma tarefa monstruosa e quase impossível de ser feita’. Almeida é autor do livro ‘Formação da Diplomacia Econômica do Brasil: as Relações Econômicas Internacionais no Império’ (Brasília: Funag, 2017).

O mal de uns é o bem de outros

O pagamento da dívida brasileira foi essencial para que Portugal pudesse reorganizar as suas finanças. A primeira metade do século havia sido dramática para o país.

As guerras com a França revolucionária e imperial (1793-1795, 1801 e 1807-1814) pilharam o país.

A guerra civil entre absolutistas e liberais, que assolou Portugal entre 1832 e 1834, afundou-o ainda mais.

Foi àquela altura, em 1837 e em 1846, que houve as primeiras suspensões de pagamentos dos encargos com a sua dívida pública. Durante o reinado de dona Maria 2ª (1834-1853), Portugal teve 27 ministros da Fazenda.

É dessas cinzas que ascende em Portugal um dos seus mais importantes políticos daquele século: António Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi ministro das Obras Públicas, e presidente do Conselho de Ministros, uma espécie de primeiro-ministro. Hoje dá o nome a uma das principais avenidas de Lisboa.

Foi ele que encabeçou o ‘fontismo’, um período marcado pelo início de um grande programa de obras públicas, sustentado no liberalismo econômico.

Para investir em infraestrutura, Portugal teve, primeiro, de sanear as contas públicas, beneficiando-se, para isso, do pagamento ao longo dos anos da dívida brasileira. O pagamento, por parte do Brasil, do empréstimo de 1823 aos credores privados ingleses, melhorou a credibilidade de Portugal nos mercados. Conseguiu, assim, reestruturar a sua dívida externa, e continuar a se financiar internacionalmente.

Com isso, foram construídas as primeiras ferrovias (a primeira é de 1856), a malha viária foi alargada (de 200 km existentes em 1850, para 10 mil km em 1890), os portos foram modernizados, e toda a costa portuguesa foi robustecida com uma rede de faróis. Foram construídas escolas públicas por todo o país.

Além disso, os telégrafos surgiram em 1850, e o telefone, em 1882. O país apresentou taxas de crescimento relevantes, com um rendimento per capita equivalente a 77% da média europeia. Até que perdeu a mão, ficou demasiado alavancado, e entrou em colapso financeiro no final do século. Faltou ainda fazer muita coisa. A sociedade se manteve sobretudo rural, e o analfabetismo rondava os 79% em 1890.

Essa rede de infraestrutura ainda está ativa. Uma das linhas de trem construídas durante o ‘fontismo’, que une Lisboa a Sintra, é ainda hoje usada diariamente por 200 mil passageiros, incluindo milhares de brasileiros.

Uma das escolas construídas por Fontes Pereira de Melo foi o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que mais tarde deu origem ao Instituto Superior Técnico (IST), e ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), ambos da Universidade de Lisboa, onde atualmente estudam dezenas de milhares de brasileiros.

Seria um exagero inferir que os brasileiros residentes em Portugal se beneficiam do pagamento pelo Brasil da dívida a Portugal. A história não é assim tão justa, e a economia não é circular. Mas é, sim, possível concluir que a dívida brasileira prejudicou a nova nação, e promoveu o desenvolvimento econômico da velha. O Brasil só se tornou verdadeiramente independente de Portugal muitas décadas depois da independência no papel.

Esse papel foi o ‘Tratado de Paz, Amizade e Aliança’ firmado pelos representantes dos dois países, em 29 de agosto de 1825.

Dom Pedro O ratificou no dia seguinte, mas o manteve secreto até setembro.

Enquanto em Portugal o tratado foi celebrado com júbilo público, no Brasil houve a tentativa de esconder o documento para não causar nenhuma decepção. 

  

Fontes: João Pereira Coutinho, escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa | Rodrigo Tavares, Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal; nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017 | FSP

 

(JA, Fev24)

 

 

 

 

 

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