Professor na Universidade de Colúmbia, o psicólogo social Sam Tsemberis, passou anos trabalhando num hospital de Nova York, em atendimento a moradores de rua. Lá pelo final dos anos 80, estava profundamente frustrado com a repetição de um fato: depois de retiradas da rua e levadas para um hospital, um centro de desintoxicação, ou até uma prisão, as pessoas tendiam a voltar para a rua, no mesmo buraco de papelão onde viviam antes.
Nas conversas com os
‘sem-teto’, Tsemberis escutava que eles não tinham a menor vontade de ir a um
hospital, consultório de dentista, ou centro de desintoxicação. O que queriam
era uma casa. Foi se convencendo de que era necessária uma nova abordagem.
Assim, acabou fundando o programa ‘Housing First’, que aloja moradores de rua em apartamentos ̵ inclusive ‘sem-teto’ crônicos, com doença mental ou dependência química. A originalidade está em não exigir que os beneficiários estejam sóbrios ou equilibrados. Isso fica para o passo seguinte, depois que deixarem a rua. ‘Se você esperar que se curem primeiro ̵ diz Tsemberis ̵, muitos nunca serão alojados’.
Contando 24 anos, o ‘Housing
First’, que se reproduziu em diversas cidades da América do Norte e da Europa,
ajudou milhares de pessoas a recomeçarem suas vidas. Na Espanha, a ONG coirmã, a ‘Rais
Fundación’, funciona há quase dois anos, com resultados promissores.
Para participar, o morador precisa cumprir três condições:
- Não incomodar os vizinhos
- Permitir a visita semanal da equipe supervisora
- Caso tenha alguma renda, destinar 30% para a manutenção dos serviços.
Embora haja doações e patrocínios privados, os programas ‘Housing First’ costumam receber verbas dos governos. Pelas contas de Tsemberis, eles acabam saindo baratos para os cofres públicos. ‘Se somarmos o custo dos serviços sociais utilizados para atender alguém em situação de rua (pronto-socorro, ambulâncias, desintoxicação, prisão…), o gasto é bem maior que o de colocá-lo num apartamento que os serviços sociais põe à disposição’.
O programa tem sido eficaz.
Em Nova York, depois de um ano, 84% das pessoas alojadas continuavam nos apartamentos.
Na Espanha, apurou-se um índice ainda maior: 96%, para gente que levava, em
média, 9 anos morando na rua.
Observa Tsemberis que essas
pessoas, quando voltam a morar sob um teto, recuperam a capacidade de viver de
forma autônoma:
‘Pode ser até que o sujeito
tenha lá suas pirações, mas nem por isso deixa de ser capaz de cozinhar,
lavar-se e fazer a cama. Sobreviveram por anos na rua. Para isso têm que saber
quais são os lugares seguros, como cuidar de si mesmos e de suas coisas, como
evitar que sejam presos, onde estão os refeitórios comunitários… São
funcionalidades. Se a pessoa conseguiu subsistir na rua, fazê-lo em um
apartamento, onde o banheiro está ali do lado, e não a duas quadras, não será
grande problema’.
Prossegue ele:
‘Não nos damos conta do que é não ter casa. Da solidão que isso traz. O mais útil deste programa é a rapidez com que se passa do sobreviver para o viver. Da noite para o dia. Alguém entra lá com suas sacolas e, no dia seguinte, tomou banho, dormiu numa cama, tem uma chave na mão, e é como qualquer morador do edifício. De repente, está morando num apartamento, sendo cumprimentado pelos vizinhos.’
Fonte: A.C. Boa Nova
(JA, Ago22)