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São Lourenço, padroeiro dos cozinheiros

A tradição e suas origens


Apesar de ter uma curiosidade permanente em questões culturais associadas à gastronomia, nunca havia tomado conhecimento de que os cozinheiros também têm um padroeiro, que é celebrado,  homenageado, em 10 de Agosto, São Lourenço.
Segundo alguns autores, São Lourenço, 225-258 d.C., também é considerado protetor dos grelhadores, dos pasteleiros, dos estalajadeiros, dos bibliotecários, dos bombeiros, dos profissionais do vidro, e dos pobres. Um leque muito variado de profissões. Mas, talvez, os grelhadores, os cozinheiros, e os pobres, tenham sido os primeiros a reivindicar seu estado de proteção, e os primeiros a comemorar o seu dia.
São Lourenço nasceu no século III, em Huesca, cidade da Espanha, e cedo partiu para Roma, onde assumiu a função de diácono do Papa Sisto II.
Naquele tempo, diácono era um cargo de extrema importância, e semelhante ao que hoje desempenham os Cardeais da Cúria no Vaticano. O Papa dispunha de sete diáconos que o ajudavam a administrar a Igreja, e, o mais importante, também chamado Arcediago, geria todos os bens da Igreja. Ora, São Lourenço era o Arcediago, que normalmente deveria suceder ao Papa.
De entre as várias responsabilidades recebia as esmolas, conservava os arquivos, dirigia a construção de cemitérios, e dele dependiam a maioria do ‘clero romano, os confessores da fé, as viúvas, os órfãos e os pobres’. Devido às suas funções era já considerado como o futuro Papa.
Entretanto, nessa época, o imperador romano Valeriano I, decretou em 257 d.C. uma perseguição aos cristãos, pois considerava que a Igreja estaria prejudicando o império, principalmente pela sua riqueza
Consta que a maior provação a que foi submetido teria acontecido durante a morte do Papa Sisto II, em 258 d.C., assassinado com quatro dos seus diáconos.
Segundo a tradição, São Lourenço perguntou ao Papa, em agonia, para onde seguiria sem o seu filho, o seu diácono. O Papa teria respondido que ele não julgasse que o abandonava, e que maiores combates o esperavam, e que se reencontrariam passados três dias.
De fato, depois do martírio do Papa, São Lourenço é chamado, e apresentado ao prefeito de Roma, Cornelius Saecularis, sendo então  Valeriano o imperador. O prefeito lhe ordena que entregue o dinheiro e os livros de contas da Igreja. São Lourenço pede então um prazo.
Foi-lhe concedido três dias de prazo. E ele, nesse período, movido pela sua fé, e pela preocupação com os mais necessitados. caridosamente, distribuiu toda a riqueza da igreja para seus fiéis.
São Lourenço compareceu na audiência com o prefeito, no prazo combinado, e informou que teria todas as riquezas para lhe apresentar. Então, ousadamente, confessou que a Igreja era muito rica, e que a sua riqueza ultrapassava a do imperador. E, como houvesse feito um inventário, foi relatando os nomes e apresentando as pessoas - uma multidão de crentes, pobres, doentes e protegidos da Igreja, dizendo:
‘Estes são os  verdadeiros tesouros da Igreja’.
O prefeito não gostou, não aceitou, e levou o fato ao conhecimento do imperador. Este, indignado, condenou São Lourenço a um suplício especialmente cruel: ser amarrado sobre uma grelha, e ser assado - vivo e lentamente.
 ‘Pagarás a fraude com a morte. Morrerás a fogo, em cima de uma grelha’.

Martírio de São Lourenço – Igreja de Santo André (Assola, Itália)

Assim cumpria-se a vaticínio de Sisto II. São Lourenço é colocado no fogo, em cima de uma grelha. Sentindo o cheiro da sua carne já assada, vira-se para o carrasco e diz:
‘Já está cozido deste lado; gira para o outro lado e come’.
E foi assim juntar-se, pelo martírio, ao seu Papa. Isto aconteceu em 258.
Esta breve descrição dos últimos tempos do São Lourenço indica o motivo da sua escolha como padroeiro protetor de algumas profissões, notadamente na área da cozinha.
A figuração de São Lourenço é sempre acompanhada de uma grelha, símbolo do seu martírio. É curioso como encontramos algumas imagens com São Lourenço Menino, mas sempre com a grelha.
Vários pintores representaram São Lourenço quase sempre ilustrando os últimos momentos da sua vida. A pintura mais significativa será de Giovanni Lanfranco (1635), que representa a ação de amarrar São Lourenço à grelha.  Por outro lado, e ao gosto da época, Bernardo Strozzi (1638) representa São Lourenço, a distribuir objetos do tesouro pelos pobres. Mais ousado pela riqueza, ou ostentação, Francisco de Zurbarán (1636), num quadro de grandes dimensões, exposto no Museu do Ermitage em S. Petersburgo, apresenta São Lourenço ricamente vestido, mas segurando com a mão esquerda uma grelha. A grelha é, de fato, o principal atributo iconográfico de São Lourenço.
Supõe-se que a difusão do seu culto tivesse iniciado em Aragão, sua terra natal, depois por toda a Itália, e a partir do século X na Alemanha, e por toda a Europa.
No Brasil as comunidades italianas dedicam-lhe muito devoção e é patrono da Escola de Gastronomia da Universidade de Caxias do Sul.
Em Roma, particularmente, é venerado ao mesmo nível dos primeiros Apóstolos, sendo que, segundo a antiga liturgia de Roma, as festividades de São Lourenço são as mais importantes, depois de São Pedro e São Paulo.
Em Portugal, São Lourenço é venerado em muitas localidades. Muitas freguesias têm o seu nome, e é curioso notar que também na sua iconografia consta uma grelha. É o caso de São Lourenço em Portalegre, Sande – S. Lourenço em Guimarães, ou S. Lourenço de Ribapinhão,  entre muitas outras.
Alguns museus portugueses apresentam esculturas magníficas de representação de São Lourenço, especificamente o Museu Alberto Sampaio, Museu Nacional Machado de Castro, e o Museu Nacional de Arte Antiga.
São Lourenço é também um santo popular. Pela sua data dedicada, 10 de Agosto, há um provérbio que diz:
‘Pelo São Lourenço vai à vinha, e enche o lenço’.
querendo dizer que as uvas estão prontas para comer, e que as vindimas virão a seguir.
Ainda nunca vi as classes profissionais protegidas por este Santo, comemorar ou fazer algum festejo associado. Atualmente, mesmo os não crentes participam ativamente nos festejos populares que surgiram como festividades da Igreja. A própria Igreja parece já se ter habituado aos atos pagãos, e à interatividade do Sagrado, e do profano. Queremos melhor exemplo que o Santo António e o São João?
É importante tomarmos conhecimento, e entender, nossas tradições e suas origens.

Fotos do  Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa


Fonte:  Virgílio Nogueiro Gomes, Gastrônomo  | TFP  |  Anna Ramalho , Reinaldo Paes Barreto

(JA, Jan20)



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