Anatol Knotek, artista nascido em 1977 em Viena, utiliza palavras para desenhar retratos |
A palavra deu origem ao
mundo, segundo o Evangelho de João:
‘No princípio era o verbo, e o verbo
estava com Deus, e Deus era o verbo’
No livro de Gênesis, Deus
disse ‘faça-se luz’, e a luz se fez, e Deus viu que era bom. Desde então,
muitos verbos rolaram, e muitas coisas foram feitas com palavras - coisas boas
e não tão boas assim. Promessas, feitiços, mentiras, poemas - coisas que as
palavras criam no mundo.
Quando, na peça de
Shakespeare, Hamlet aparece em cena lendo um livro e lhe perguntam do que se
trata, ele responde: ‘palavras, palavras, palavras’. Não estava mentindo.
Estava apenas declarando um fato. E, com um fato em mãos, escapava de ter que
dizer a verdade. A fronteira entre os fatos e as verdades, é algo que as
palavras, bem ou mal, podem distorcer.
A origem da palavra ‘palavra’
é sugestiva. Veio do grego ‘parabolé’, ‘comparação’
ou ‘aproximação’, via latim ‘parabola’. Cada palavra é algo além do que ela diz ser. Uma ‘parábola’
é uma história com mensagens ocultas, onde as coisas são chamadas por nomes que
não lhes pertencem.
‘As palavras’, escreveu o
sergipano João Ribeiro, têm ‘luz difusa e atmosfera’. ‘Nunca são precisas e
exatas. Cercam-se ordinariamente de um halo que esfuma as linhas de contorno;
sempre dizem algo mais do que parecem dizer’. Acrescento: algo a mais ou algo a
menos.
Numa época de pós-verdade e fake news, palavras são ditas para que sentidos não sejam
revelados. Somos pegos em sua luz difusa, e ficamos atrás da fronteira dos
fatos, com palavras, palavras, palavras.
Fonte: Sofia Nestrovski, mestre
em teoria literária pela USP e colabora para revistas como Piauí, Quatro cinco
um e Cult | =Nexus
(JA, Fev19)