Às 23h40 do dia 14 de abril de 1912, um dos marinheiros a bordo do Titanic viu um iceberg no caminho seguido pelo navio. As manobras evasivas não foram céleres o suficiente para mudar o curso da embarcação, que se chocou diretamente com a rocha de gelo e teve cinco câmaras essenciais para sua flutuação comprometidas, condenando assim a embarcação e a tripulação.
A proa afundou tanto que o
casco do navio ficou na vertical, como um monumento no meio do Oceano
Atlântico.
Às 2h20 do dia 15, o
inafundável Titanic descansava sob as ondas.
Seis avisos
Mas a história do marinheiro,
apesar de poética, não é completamente verdadeira: a tripulação do Titanic foi
alertada seis vezes por outros navios que passavam pela região, e a aparição do
obstáculo não deveria ter sido tão repentina quanto foi.
O capitão Edward Smith ignorou os avisos e ordenou a tripulação
a continuar a viagem a todo vapor - uma atitude comum para a época, visto que
icebergs eram considerados pouco perigosos, até mesmo em contato direto. Em 1907, o mesmo
capitão já havia declarado que acreditava que a engenharia moderna havia
vencido qualquer perigo de naufrágio.
Números letais
Das 2.224 pessoas que estavam a bordo do Titanic, nas águas
congelantes do Oceano Atlântico, apenas 706
(32%) sobreviveram. Com mais de 1.500 mortes registradas, o naufrágio do Titanic é
considerado o maior desastre naval já ocorrido com uma única embarcação.
A maioria dos falecidos eram
passageiros da segunda e terceira classe - dos quais apenas 25% sobreviveram
- abrigados nos andares inferiores do navio.
Figuras marcantes
1- Molly Brown
Não era novidade: ajudar o
próximo foi o que ela fez a vida inteira - e o que ela faria até o dia de sua
morte. Naquela fatídica noite do ano de 1912, no entanto, ela se tornaria uma lenda. Esta é a
notável história da inafundável Molly Brown.
Origem
Margaret Tobin nasceu na
cidade de Hannibal, no estado americano do Missouri, no dia 18 de julho de 1867. Filha de
John Tobin e Johanna Collins, ela cresceria em um lar imigrante tipicamente
católico - apesar de ambos seus pais estarem no segundo casamento, após terem
se tornado viúvos ainda jovens.
A família convivia em uma
comunidade de história semelhante, apesar de diversa. Molly era uma das sete
crianças da família Tobin, tendo duas irmãs mais velhas dos casamentos
anteriores dos pais - Catherine Bridget e Mary Ann, e dois irmãos mais velhos -
Daniel e Michael. Depois dela, o casal daria as boas-vindas a mais dois bebês -
William e Helen.
Classe trabalhadora
Os pais de Molly eram
trabalhadores esforçados que contavam os centavos para pagar as contas. Muitos
de seus irmãos, bem como a própria garota, viram-se obrigados a trabalharem no
piso de fábrica a partir dos 13 anos, para ajudar com a renda familiar em longos dias
de trabalho mal remunerado.
Mas Molly tinha mais sorte
que muitos de seus semelhantes: sua família era progressiva, e via a
importância na educação independentemente do gênero, e John e Johanna fizeram
de tudo para equipar sua prole para vencer na vida. Quando não estavam
trabalhando, as crianças estudavam para conquistar um futuro melhor.
Rumo a Oeste
Como muitos jovens
americanos, Molly Brown sonhava em se mudar para a costa oeste. Ainda com 18 anos de
idade, ela decidiu partir para Leadville, no estado do Colorado, acompanhada
pelo irmão Daniel, pela irmã Mary Ann e seu marido, John. Lá, eles
compartilharam uma cabana de dois quartos, e passaram a trabalhar em uma loja
de departamento local.
Foi então que a jovem Brown
compreendeu a realidade das famílias dos mineradores da região - uma realidade
bem semelhante à sua, de pessoas dedicadas com corações sonhadores - e assim,
passou a trabalhar como voluntária em cozinhas comunitárias, e outras caridades
locais.
O primeiro amor
Molly Brown não estava à procura de um amor, e sim de melhorar a vida de sua família - e é por isso que um jovem empreendedor e educado minerador, chamado James Joseph Brown, chamou sua atenção.
Quando jovem, ela sempre deixou claro que se casaria apenas com um homem rico, capaz de prover o conforto para seus pais. O problema é que o coração não escolhe os caminhos percorridos, e ela se viu apaixonada por alguém com o panorama financeiro muito parecido com o seu, o que fomentou o embate entre amor e dinheiro em sua vivência.
Emocional sobre o racional
Apesar de seus
questionamentos acerca da segurança financeira de seu parceiro em potencial, e
das consequências disso para a vida de seus pais, Molly decidiu seguir o
coração, optando por se casar com Jim Brown - um rapaz pobre, mas por quem ela
se sentia atraída por causa de sua essência, e não pelo seu dinheiro.
Margaret Tobin e J.J. Brown
se casaram no dia 1 de setembro de 1886, na Leadville Annunciation Church. Um ano depois, o
casal receberia seu primeiro filho, que foi chamado Lawrence. Helen, a segunda,
completaria a família, em 1889.
Encontrando um tesouro
O casal passou 7 sofridos anos
conduzindo a família, sem condições financeiras favoráveis, mas esperançosos -
mesmo depois da crise da prata, que levou muitos membros de sua comunidade a
desistir do sonho do conforto para sempre.
J.J., no entanto, continuava dedicado a enriquecer e, em 1893, ajudou
seus empregadores, na Ibex Mining Company, a descobrir um veio na mina Little
Johnny. Foi então que ele recebeu 12.500 ações da
companhia em retorno, e passou a fazer parte de seu conselho - tornando-se um
milionário do dia para a noite.
Vencendo na vida
A família Brown decidiu se
mudar para Denver, onde eles compraram uma mansão vitoriana por US$30.000, antes de construir uma casa de veraneio em Bear
Creek.
Foi nesta época que Molly
vivenciou sua ascensão social, e acabou se tornando membro do conselho do clube
de mulheres de Denver. Ela dedicava seu tempo a aprender sobre arte, tornou-se
fluente em diversos idiomas europeus, passou a promover festas, e até fundou
uma sucursal da Alliance Française em sua cidade.
Mesmo assim, ela foi
rejeitada no clube social mais exclusivo de Denver, o Sacred 36 - um grupo
gerenciado por Louise Sneed Hill, considerada uma das mulheres mais esnobes da
alta sociedade da região.
Reformista
Desde jovem, Molly foi
encorajada pela família a ser independente, e a não sentir medo de lutar pelo
que era importante para ela. Como tal, ela passou a auxiliar a condição
feminina em sua comunidade, promovendo a educação e a filantropia, sendo uma
ávida apoiadora da reforma social.
Foi por isso que ela se
candidatou a senadora pelo estado do Colorado, em 1901, mas suas
ambições políticas nunca foram alimentadas, e ela acabou desistindo da carreira
pública antes da eleição, por motivos perdidos na história.
Sem apoio
O principal motivo de sua
desistência pode ter sido seu marido: a opinião masculina mais comum na época
era de preconceito com a participação feminina na esfera pública, que julgava
inadequada a presença de mulheres poderosas em âmbitos políticos.
J.J. Brown infelizmente era conservador nesse aspecto, o
que gerou um impacto considerável em seu casamento com Molly - que não estava
disposta a simplesmente desaparecer na sombra de um homem.
Viagem ao redor do mundo
Independente das diferenças
fundamentais em sua forma de ver o mundo, Molly e J.J. decidiram
fazer bom uso de sua nova fortuna em conjunto, com uma viagem. Em 1902, eles
embarcaram em uma jornada que os levaria para a Irlanda, França, Rússia, Japão
e Índia.
As habilidades linguísticas
de Molly seriam extremamente úteis para o casal - mais uma prova de que a
independência, e articulação da esposa, eram essenciais para a vida em conjunto
dar certo.
Diário de viagem
Molly decidiu registrar todas
as descobertas e pensamentos que teve ao longo da viagem, enaltecendo assim os
locais e as culturas diferentes encontradas na jornada ao redor do mundo.
O sistema de castas indiano,
responsável pela divisão de classes, que afetava todas as partes do cotidiano
subcontinental, era uma fonte de fascínio para Brown, que dedicou grande parte
de seu tempo a descrever o que havia aprendido.
Separação amistosa
Enquanto a viagem ajudou a
preservar o casamento entre Molly e J.J., a união estava destinada a acabar. Em 1909, depois de 23 anos de
casamento, o casal decidiu se separar.
Molly ficou com parte do
dinheiro, bem como a mansão em Denver, e uma casa de veraneio - sem contar a
pensão mensal de US$700, equivalente atualmente a US$20.000. A partir de então, ela jamais teria barreiras
financeiras novamente.
Amizade sincera
Apesar de nunca terem reatado
o relacionamento, Molly e J.J. parecem ter encerrado o casamento em termos
amigáveis, permanecendo próximos e interessados no bem-estar um do outro, até a
morte do ex-marido, no ano de 1922.
O acordo de separação, no
entanto, não era tecnicamente um divórcio: o documento assinado apenas delegava
ao casal a forma de lidar com as finanças e o patrimônio da família - um acordo
considerado progressivo até os dias de hoje.
RMS Titanic
Quando a White Star Line
lançou o cruzeiro mais luxuoso do mundo, os europeus disputaram vagas para a
viagem de estreia de Southampton, no Reino Unido, para Nova Iorque, nos Estados
Unidos. Dentre os diversos motivos para se estar a bordo do navio, os principais
eram o luxo, o destaque, e a garantia de segurança.
O motivo de Molly Brown, no
entanto, foi outro: no começo de 1912, ela estava em Paris com a filha quando recebeu a
notícia de que seu neto mais velho estava gravemente doente. Com pressa, ela
comprou a passagem mais próxima para ir para os Estados Unidos -
coincidentemente, a bordo do Titanic.
Comunicação
Dizem Molly Brown foi a
responsável por reconfortar muitos dos passageiros na ocasião, graças a sua
fluência em diversos idiomas - o que lhe permitiu estabelecer comunicação entre
passageiros de diferentes países.
Muitos desses estrangeiros
sofreriam um impacto ainda maior durante o acidente por conta da confusão, caso
não houvesse uma intérprete com Molly, disposta a facilitar a comunicação, e
evitar que a situação piorasse - um ato simples que representaria apenas uma
das muitas vezes em que Brown se dispôs a ajudar o próximo durante a tragédia.
Atraso mortal
A emergência se tornou ainda
mais perigosa quando os alarmes ignorados resultaram na sobrecarga dos barcos
salva-vidas do Titanic.
O atraso de uma hora, entre a
colisão com o iceberg e o lançamento dos botes, foi parcialmente causado pela
inocência dos passageiros, que imaginavam que se tratava de um exercício, e optaram por ficar
no interior do Titanic - mais um testamento da falta de compreensão e
comunicação durante a tragédia, visto que exercícios não são feitos durante as
viagens, e que toda e qualquer situação de evacuação é real.
Insuficiente
O atraso, e a confusão na hora mais crucial do acidente, resultou em uma falha fundamental para aproveitamento dos recursos disponíveis para salvar as vidas a bordo, sendo que muitos dos botes foram lançados com menos gente do que tinham capacidade, e que alguns deles simplesmente acabaram perdidos no oceano, vazios, enquanto a água tomava o convés do Titanic.
O navio colossal também não tinha botes salva-vidas para todos os tripulantes, e mesmo se todos os barcos tivessem sido usados com seu potencial otimizado, ainda faltaria espaço para cerca da metade das pessoas que estavam na embarcação principal.
Número seis
Molly Brown foi uma das
passageiras que teve a sorte de se encontrar na segurança de um dos botes,
enquanto o navio afundava nas águas obscuras do Oceano Atlântico, mas há quem
diga que ela teve que ser arrastada para o barco porque tentava ajudar o máximo
possível de pessoas.
O bote número 6 foi o
responsável por salvar a vida de Brown, junto com outras 27 pessoas -
apesar de ter a capacidade de carregar até 68
indivíduos, condenando assim 38 pessoas a uma
morte desnecessária naquela terrível noite de abril.
A exigência altruísta
Após alcançar uma distância
segura do naufrágio, Molly percebeu que seu bote estava relativamente vazio.
Foi então que ela exigiu que o responsável pela sua direção voltasse para
tentar salvar o maior número de passageiros possível.
O oficial responsável por
aquele bote em especial, Robert Hichens, recusou o pedido, temendo que a
pequena embarcação afundasse nas águas conturbadas após o naufrágio, ou que
nadadores desesperados acabassem virando o barco, tentando subir para a
segurança.
Coragem
A discussão entre Molly Brown
e Robert Hichens foi acalorada, mas o responsável pelo bote já havia tomado a
sua decisão. Brown, no entanto, chegou a tentar remar sozinha na direção dos
passageiros abandonados à própria sorte.
Ela ameaçou jogar o oficial
para fora do bote, caso ele não ajudasse aqueles que estavam se afogando nas
águas congelantes nas proximidades do bote número 6 - argumento responsável por
tornar a postura de Molly ainda mais conhecida historicamente.
O capitão perdido
Uma das pessoas que não foi
resgatada do naufrágio do Titanic foi o capitão Edward Smith, o maior
responsável pela tragédia em si: segundo a tradição marítima, o capitão é o
responsável por salvar a maior quantidade de vidas antes de afundar com o
próprio navio, em caso de acidente.
Quando o inafundável Titanic
afundou, Smith supostamente falou para seus oficiais salvarem as mulheres e as
crianças antes de tudo, e depois para cuidarem de suas próprias integridades.
Ele seria visto pela última vez na cabine de comando do navio, antes de
desaparecer sobre as obscuras águas do oceano.
Caridade
O bote número 6 foi resgatado
pelo RMS Carpathia, da companhia Cunard, que chegou no local do desastre duas
horas após o Titanic afundar por completo. Molly Brown e outros 710
sobreviventes foram levados para a costa de Nova Iorque, em segurança, mas a
situação a bordo da nova embarcação era desesperadora, especialmente para
passageiros da segunda e da terceira classe, que perderam tudo o que tinham.
Foi então que Brown organizou
um comitê de sobrevivência, em conjunto com outros passageiros da primeira
classe. Quando o navio aportou, ela já havia obtido cerca de US$10.000 em doações para colaborar com os menos afortunados,
sem contar o apoio moral dado aos passageiros mais desamparados.
Eterno apelido
Depois de chegar em Nova
Iorque, Molly Brown foi entrevistada por diversos jornalistas que queriam
conhecer a sua história de sobrevivência - bem como o que a levou a agir de
maneira tão diferente, em momentos de terror impensável, após o inafundável
navio afundar.
Diz a lenda que a socialite
teria dado crédito a sua sorte. Segundo ela, não era o navio que era
inafundável, e sim os membros da família Brown. Foi então que a típica garota
de Hannibal, no Missouri, ganhou o atemporal apelido de ‘a inafundável Molly
Brown’.
Conflitos narrativos
Mas, apesar do sucesso da
história de uma personagem que se tornou folclórica na história americana, a
narrativa talvez tenha sido um pouco maquiada pela imprensa.
Há quem diga que a alcunha
tenha sido dada por Polly Pry, que escrevia uma coluna de fofoca chamada Town
Topics, em Denver, e Molly, supostamente, nunca se importou muito com o apelido
- sendo inclusive motivo de piada entre os amigos.
Alcunha atrasada
Mas a história por trás do
apelido não é tão importante quanto o fato de Molly ter vivido mais 20 anos após o
desastre que tirou as vidas de tantas pessoas, e, mesmo assim, ter sido chamada
de ‘a inafundável Molly Brown’ apenas após a sua morte.
A maioria de seus amigos a
chamavam de Maggie, e seu título só foi publicado pela primeira vez em seu
obituário - e eternizado em 1960, em um musical da Broadway baseado em sua vida,
chamado The Unsinkable Molly Brown.
A heroína do Titanic
Mesmo não tendo sido
originado durante sua vida, o apelido angariou a merecida fama para uma mulher
forte que, segundo ela própria, foi salgada e conservada nas águas do oceano,
antes de emergir viva e seca.
Ela recebia correspondências
e flores de admiradores, que insistiam para o congresso americano lhe conceder
uma medalha de honra. Humilde, Molly não sabia lidar com a experiência de ser
uma heroína.
Campanha de guerra
No início da Primeira Guerra
Mundial, Molly passou a trabalhar com o Comitê Americano para a França
Devastada, visando assim auxiliar na reconstrução, na retaguarda do conflito.
Por seus esforços, ela
recebeu a French Légion d'Honneur, destacando seu trabalho filantrópico e o
ativismo que ajudou tantos soldados americanos e franceses ao mesmo tempo.
Memoriais
Apesar da fama como heroína,
Molly Brown, por ser mulher, não obteve acesso ao congresso para oferecer o
testemunho sobre a sua experiência a bordo do Titanic. Foi então que ela
decidiu publicar seu ponto de vista nos jornais da época.
Confiante, ela jamais deixou
de trabalhar com os outros sobreviventes da tragédia, angariando fundos para a
construção de um memorial para as vidas perdidas no acidente. Como demonstrado
por sua força de vontade a bordo do bote número 6, Molly sempre visava ajudar
aqueles que mais precisavam de sua presença.
Legado duradouro
A incrível história da
inafundável Molly Brown já foi contada inúmeras vezes, desde sua chegada em
Nova Iorque como uma das sobreviventes do desastre naval mais famoso do mundo -
inclusive em 1940, quando ela foi a personagem de uma trama de rádio
fictícia, baseada na fatídica viagem.
Já em 1960, seu nome
se tornou título de uma peça da Broadway que acabou sendo adaptada para os
cinemas alguns anos mais tarde. Para audiências mais recentes, Molly foi
retratada no filme Titanic, de 1997, pela talentosíssima e lendária atriz Kathy Bates.
Além de inafundável, Molly Brown se tornou inesquecível.
Mas ela não é a única dona de
uma história extraordinária de sobrevivência: dentre os tantos outros que
conseguiram perdurar para além da catástrofe também está o menos conhecido
Charles Lightoller.
2-
Charles Lightoller
A extraordinária vida do sobrevivente do Titanic que se tornou herói de guerra.
Charles Lightoller não só
sobreviveu ao desastre do Titanic como também conquistou um espaço de destaque
em ambas as Guerras Mundiais - o retrato de uma vida de aventura, perigo e
insistência. Sua coragem, e sua personalidade altruísta, resultaram em centenas
de vidas salvas, o que torna Charles um dos maiores heróis contemporâneos do
mundo.
Sua notável vivência está
marcada nas páginas da história, em eventos que inspiraram incontáveis obras
destinadas a destacar sua impressionante jornada de desventuras e humildade, à
qual muitas pessoas devem suas vidas.
Nascido para a grandeza
Charles Herbert Lightoller
sempre se destacou da multidão. Desde jovem, ele era diferente, quase como se
fosse destinado para a grandiosidade. Nascido em Lancashire, na Inglaterra, no
anos de 1874, Charles se viu obrigado a viver sem uma presença
materna, visto que sua mãe faleceu pouco tempo depois de lhe dar à luz.
Quando seu pai se mudou para
a Nova Zelândia, o garoto foi deixado com parentes, com apenas 10 anos de
idade. Aos 13, ele fugiu das fábricas, e se tornou aprendiz de
marinheiro - a perigosa vocação que quase tirou sua vida mais de uma vez nos
anos seguintes. Sobrevivente, Lightoller domou tempestades e derrotou a
malária, mas as dificuldades estavam apenas começando.
Encontrando um lugar
A carreira marítima, no
entanto, não era nada fácil, e Lightoller era levado cada vez para mais longe
da Inglaterra - tendo visitado a Austrália, a Índia e o Brasil, antes mesmo dos
20
anos de idade. Apesar da constante aventura presente na vida do marinheiro, nem
tudo eram flores.
Em sua segunda viagem, por
exemplo, Lightoller enfrentou uma tempestade intensa no Oceano Atlântico, quase
naufragando nas proximidades do Rio de Janeiro - onde havia um surto de varíola
que eles se viram obrigados a enfrentar. Eventualmente, promovido após salvar o
navio de um incêndio no estoque de carvão, o jovem marinheiro passou a
demonstrar publicamente sua coragem, salvando a vida de seus colegas.
Um herói em ascensão
Em 1895, Lightoller
estava com 21 anos de idade, e já tinha mais experiência que a
maioria dos outros marinheiros de sua idade. Ele já havia enfrentado a morte em
diversas ocasiões e, cansado de temer pela própria vida, decidiu procurar outro
meio de ganhar a vida. Foi então que ele abandonou o caos marítimo, e passou a
trabalhar em barcos fluviais, a serviço do correio real. O trabalho o atendia
bem, e não demorou para que o rapaz conquistasse posições de destaque em sua
nova profissão.
As práticas higiênicas da
época, no entanto, resultavam em ambientes prejudicados, e contágios
descontrolados - um problema que perseguiria Lightoller devido à natureza de
seu trabalho. Depois de 3 anos no correio, ele quase morreu após contrair
malária na costa oeste africana e, após uma recuperação milagrosa, ele decidiu
novamente procurar uma nova vida.
Aventuras em terra
No fim do séc. 17, Charles
trocou a vida em alto mar pela experiência na terra seca. Como muitos
semelhantes na época, ele queria enriquecer - independente do sucesso
profissional que conquistava em qualquer meio ao qual se dedicasse. Foi então
que ele decidiu atravessar o oceano para participar da corrida do ouro de
Klondike, no Canadá.
Infelizmente, ele era apenas
um entre os 100.000 homens que
estavam tentando fazer a mesma coisa. A inevitável falha o forçou Charles a
abandonar o país de mãos vazias, e ele se tornou vaqueiro, em Alberta, para
juntar dinheiro e comprar uma passagem de volta para a casa. Não demorou para
perder tudo o que tinha, e ficar dependente de uma vida americana, muito longe
de casa.
Vida de vaqueiro
Foi em um navio de comércio
que levava gado para a Inglaterra que Lightoller conseguiria traçar seu caminho
de volta para o velho continente, no ano de 1899, sem um centavo no bolso. Sua persistência, no
entanto, não sofreu abalo algum, e o jovem acabou conquistando uma posição
inferior em outras embarcações do mesmo tipo, de volta aos oceanos de onde
tinha saído.
Apesar de estar melhorando de
vida aos poucos, Charles estava destinado a sofrer mais uma catástrofe: seu
sucesso como marinheiro o levou a subir de posições rapidamente e, em 1900, ele já era
um oficial no navio britânico SS Medic, da fatídica White Star Line - um trabalho que lhe
permitiria exercer posições de destaques em diversas outras embarcações
semelhantes.
Da Austrália, com amor
Os navios da companhia White
Star Line faziam o trecho entre o Reino Unido, a América do Norte, e a
Austrália, com frequência. Foi durante uma dessas viagens que, em 1903, Lightoller
conheceu Sylvia Wilson, uma belíssima mulher que voltava para seu país natal.
Eles se apaixonaram e acabaram oficializando a união em Sydney, pouco tempo
depois, o que resultaria na volta de Sylvia para a Inglaterra ao lado do
marido.
Os recém-casados receberiam o
primeiro filho nos anos seguintes. Charles, no entanto, era frequentemente levado
por seus deveres marítimos a abandonar o lar - e uma dessas convocações
ocorreria em 1912, que levaria Lightoller ao maior e mais infame
desastre naval da história da humanidade.
Titanic
Trabalhando para a White Star
Line, Charles Lightoller foi designado como o segundo oficial no comando da
viagem de estreia do mais novo navio da companhia: o RMS Titanic.
Aos 38 anos de
idade, ele era um veterano dos mares, e estava animado por ser um dos melhores
profissionais da área aos olhos de seus empregadores, assumindo assim a
liderança de uma equipe experiente.
O antigo dono da posição era
Charles Blair, mas Lightoller o substituiria com maestria, agindo com
parcimônia e responsabilidade na tragédia da qual estava prestes a fazer parte.
O maior problema é que Blair, ao ser excluído da tripulação, levou consigo a
chave do armário no qual os binóculos eram guardados - um problema que o
irresponsável capitão do navio decidiu que resolveria após chegar em Nova
Iorque, o destino da longa viagem que partia da Inglaterra.
Icebergs na noite
Lightoller estava dormindo
quando o navio vibrou naquela noite de abril. Infelizmente, o choque seria
apenas o início. Charles se levantou e correu para o convés com a intenção de
averiguar o acontecido e encontrou a tripulação agindo normalmente.
Com a certeza de que alguma
coisa estava errada, ele voltou para a cabine visando estar no local mais fácil
de ser encontrado, caso seus serviços fossem necessários - o que aconteceu por
volta da meia-noite.
Charles saiu correndo,
vestindo pijamas, e o casaco de oficial, quando foi informado por Joseph
Boxhall, o vigia do turno, que o navio havia atingido um iceberg. Sem os
binóculos, era difícil enxergar os obstáculos, o que acabou resultando na
tragédia que exigiria sua atenção máxima e célere.
O navio inafundável
Os responsáveis pelo Titanic
adoravam alegar que o navio era inafundável, mas Lightoller estava preocupado.
Sua experiência com desastres o havia ensinado que as circunstâncias mudam
muito depressa - sem contar os passageiros preocupados,, que começaram a surgir
quando o alerta de evacuação começou a soar.
Sob o comando de Charles, a
tripulação começou a colocar os passageiros nos botes que flutuariam sobre as
águas gélidas. Foi ele o responsável por decretar que apenas mulheres e
crianças poderiam entrar nos barcos salva-vidas, sendo assim parcialmente culpado
pelas embarcações que não haviam preenchido sua capacidade total pela simples
ausência de mulheres e crianças presentes na vanguarda do desastre. Mantendo a
compostura, Lightoller não cedeu ao desespero, e continuou afirmando que os
botes eram completamente seguros, especialmente por haver outro navio na região
apto a resgatá-los.
O desespero
À medida em que o navio
afundava nas águas congelantes, os passageiros e a tripulação se desesperaram.
Foi então que Lightoller reparou que um dos botes salva-vidas havia sido tomado
por 25 homens, que foram obrigados a descer do barco, sob a ameaça de seu
revólver - que ele mantinha descarregado.
O frenesi resultante testou
os limites do marinheiro veterano, que sabia que ele próprio corria risco de
vida naquele momento. De mãos atadas, ele chegou a recusar os pedidos do
milionário John Jacob Astor, até que todas as mulheres e crianças estivessem em
segurança. A meia hora seguinte dependeria essencialmente de sua diligência
para que os 20 botes salva-vidas restantes fossem cuidadosamente
abaixados até a superfície da água, visto que o Titanic claramente estava
comprometido.
Situação de risco
Em uma condição cada vez mais
deplorável, Charles Lightoller entendeu que havia grandes possibilidades de não
sair da tragédia com vida. Sua coragem o obrigava a ficar com o navio,
assegurando-se de que os passageiros estivessem sãos e salvos, o que ele fez ao
longo de todas as duas horas e quarenta minutos de naufrágio. Sendo um oficial
responsável, ele não subiria a bordo de nenhum dos botes salva-vidas enquanto
todos eles estivessem em segurança.
Quando o Titanic quebrou no
meio, Charles se despediu dos outros oficiais, enquanto o navio afundava nas
profundezas obscuras. O marinheiro pulou do convés no momento em que o navio
desapareceu sob a superfície da água - o que o obrigou a se livrar de todo o
peso desnecessário que tinha no corpo, incluindo o revólver, para aliviar o
esforço que ele seria obrigado a fazer para se manter flutuando contra a força
submersa gerada pela dimensão do naufrágio.
Um milagre
Preso contra o navio,
Lightoller foi puxado para baixo, condenado a se afogar nas águas congelantes -
até um milagre acontecer: um disparo de ar quente se desprendeu dos exaustores
do navio, empurrando Charles para a superfície da água. Ao emergir, ele nadou
até o bote mais próximo, que flutuava de cabeça para baixo. Com a ajuda de
outras pessoas na mesma situação, ele virou o barco e subiu, ajudando os outros
a se salvarem do frio oceânico.
As horas seguintes seriam
inquietas nas marés fortes, que jogavam o bote de um lado para o outro. Charles
e seus semelhantes seriam resgatados pelo RMS Carpathia, e ele seria o último a deixar os botes
salva-vidas, sendo o oficial de mais alta patente resgatado do desastre. Esta,
no entanto, não seria a última vez de Lightoller em alto mar.
O inquérito
Apesar de sua traumática
experiência a bordo do Titanic, Charles Lightoller defendeu a reputação da
companhia durante o inquérito realizado após a tragédia. As investigações
britânicas testemunharam alegações que sempre acabavam com Charles culpando as
condições oceânicas, responsáveis por impossibilitar a percepção do iceberg em
alto mar, e não seus empregadores.
Em 1936, no
entanto, ele se retrataria através de um documentário da BBC no qual agiria em
completo contraste com as opiniões que livraram a companhia da culpa: ele
alegaria que o número de botes salva-vidas não condizia com o peso da
embarcação, o que o levou a recomendar a criação de uma nova lei visando prever
a segurança necessária para qualquer embarcação, em caso de desastre. Também
foi Charles o responsável por instaurar a necessidade do sistema de rádio de 24 horas, em
todos os navios, tornando obrigatória a comunicação entre embarcações em uma
mesma região.
Servindo o país
Depois da tragédia do
Titanic, Lightoller voltou a trabalhar como primeiro-imediato para a White Star
Lines, desta vez a bordo do HMS Oceanic. Com o início da Primeira Guerra Mundial, no
entanto, o cruzeiro foi transformado em um navio de guerra, e Charles foi
promovido a tenente, convocado para o serviço através da reserva naval real.
Ele trabalhou no navio até ele naufragar em um recife, em 1914, no
arquipélago de Shetland, na Escócia. Após o incidente, ele atuou como
comandante em mais dois navios, e serviu em diversos outros.
A guerra faria com que
Lightoller se deparasse novamente com a tragédia: em 1918, ele foi o
capitão do HMS Falcon, que afundou ao colidir contra outro navio, em
uma região de neblina densa. Sobrevivente, Charles passou a ser admirado por
sua coragem, voltando a trabalhar e conquistar seu título de herói.
De marinheiro a fuzileiro
Sobrevivente nato de diversos
desastres navais, Charles Lightoller já havia provado que não só era corajoso,
como também pronto para colocar a própria vida em risco pelo próximo.
Foi no final da Primeira
Guerra Mundial que o então comandante Charles Lightoller foi encarregado de um
navio chamado HMS Garry, que se tornou historicamente famoso ao afundar
uma embarcação alemã. Por sua vitória, Lightoller ganhou uma medalha de
prestígio ao final da guerra.
Distinto herói
Por seus esforços em guerra,
Charles se tornou famoso. Ele receberia diversas condecorações militares pelas
ações, e pela sua valiosa contribuição com a nação após sua sobrevivência
milagrosa, o que lhe permitiu se aposentar da marinha, em 1919. Com o fim
da guerra, Charles era oficialmente um herói.
Mas, mesmo depois de tantas
tragédias, o comandante ainda não estava pronto para abandonar sua função.
Sabendo que o oceano era seu verdadeiro lar, ele decidiu que havia mais
trabalho a ser feito - mas, desta vez, ele se decepcionaria com o resultado.
Responsável financeiro pela família
Depois de abandonar a
marinha, Lightoller ainda precisava sustentar a família. Ele e Sylvia já tinham
5
filhos, e Charles era o único responsável financeiro por todos eles.
Foi nessa época que ele
tentou voltar a trabalhar para a White Star Line, mas seus 20 anos de
experiência dificultavam o desenvolvimento de uma carreira naquele ponto - não
por sua capacidade como um veterano marítimo, mas sim pela sua história de
participação em diversos desastres.
Medo e superstição
Tanto Charles quanto diversos
outros sobreviventes do desastre do Titanic não eram mais bem-vindos na
indústria do transporte marítimo - nem mesmo para a White Star Line, a
companhia responsável pelo navio.
Sem oportunidades de
trabalho, ele não poderia ser promovido, e o fato de a tragédia ser
mundialmente conhecida tornava a superstição uma barreira ainda maior para sua
segurança financeira. Foi assim que Lightoller decidiu, finalmente, abandonar a
White Star Line para trás e desistir da vida marítima da forma que ele
conhecia.
A partir de então, Charles
passou a trabalhar em diversos bicos para alimentar a família - algo que era
difícil para o comandante, que estava cada vez mais velho. Ele chegou a ser
estalajadeiro, cuidar de galinhas, e até negociar propriedades. Nada disso o
atendia financeira e pessoalmente, tanto quanto suas posições de destaque em
alto mar.
Titanic and Other Ships
Lightoller, no entanto,
acreditava que sua vida repleta de triunfos e tragédias poderia ser
interessante para outras pessoas, e , por isso, ele decidiu escrever uma
autobiografia detalhada de sua jornada até então. O livro, chamado ‘Titanic and
Other Ships’, tornou-se um sucesso instantâneo e gerou dinheiro suficiente para
que Charles realizasse um de seus sonhos.
Ao contrário do que ele
imaginava, no entanto, sua vida sobre as águas do oceano ainda não havia
acabado, e Lightoller, junto com a esposa, compraram um veleiro para viajar
Europa afora. A embarcação, chamada Sundowner, passou mais de uma década
circulando pelas águas europeias, aproveitando a paz, até uma convocação
especial, vinda do governo inglês, chegar às mãos do marinheiro.
Disfarce
Os rumores sobre um conflito
iminente na Europa geraram uma situação especial: a marinha inglesa precisava
da ajuda do casal de idosos para obter informações sobre a movimentação do
exército alemão. Disfarçado de um casal em busca de paz, eles eram os candidatos
perfeitos para a missão.
O casal enviou informações
obtidas na costa alemã até 1939, quando a tensão os obrigou a voltar para a
Inglaterra, logo antes do início da Segunda Guerra Mundial. Cansado do campo de
batalha, Charles decidiu desaparecer no começo da guerra, mas a intensificação
do conflito o obrigou a servir seu país novamente.
Operação Dínamo
Em 1940, o exército
alemão invadiu a França, e forçou centenas e milhares de soldados aliados a
baterem em retirada pelo noroeste, nas praias de Dunquerque. Presas entre o
oceano e os nazistas, as tropas haviam subestimado os inimigos, exaustas após
meses de batalhas sem fim.
Sem opções, não havia para
onde fugir. O plano traçado pelos aliados, no entanto, foi ousado o suficiente
para alimentar a esperança de grande parte dos 300.000 soldados, sem futuro aparente: eles enviaram o máximo
de barcos que conseguiram, através do Canal inglês, para resgatar quantas
unidades conseguissem. E foi aí que Charles Lightoller usou seu domínio
marítimo mais uma vez.
Última missão
Aos 66 anos de
idade, Lightoller já não tinha mais a mesma energia de outros soldados mais
jovens. Mesmo assim, ao ser convocado pelo exército, ele atendeu ao chamado
para resgatar as tropas de Dunquerque de última hora.
Centenas de veleiros pequenos
se reuniram para realizar a missão, sob o comando da marinha inglesa, em uma
operação que ficou conhecida como Operação Dínamo - um dos maiores milagres
militares já registrados na história. Charles Lightoller, por sua vez, tinha
apenas um pedido em troca de seu barco.
Nas praias de Dunquerque
Com sua ampla experiência em
serviços marítimos e navais ao longo de décadas, o comandante Charles
Lightoller não aceitaria perder a oportunidade de resgatar diversas vidas.
Sentindo-se capaz de prestar
um grande serviço à coroa britânica, independentemente de sua idade, solicitou
a possibilidade de sua presença pessoal a bordo do Sundowner, ao que os Aliados
concordaram, permitindo que o herói
aposentado retornasse ao serviço por mais uma última vez.
Acompanhado por seu filho
mais velho, Roger, que também era militar, e pelo jovem escoteiro naval Gerald
Ashcroft, Lightoller partiu rumo às praias de Dunquerque. Como era comum na
vida do marinheiro, as coisas não aconteceriam como planejado, e, durante a
missão de resgate, eles se depararam com um barco a motor em chamas, prestes a
afundar. Sem hesitar, os homens resgataram a tripulação do naufrágio, e
continuaram em direção ao seu destino.
O resgate
Algum tempo depois, a pequena
tripulação chegou às praias de Dunquerque, onde começou a reunir as tropas
desesperadas a bordo do pequeno veleiro. Embora a embarcação tivesse licença
para transportar apenas 21 passageiros, a situação conturbada obrigou Lightoller
a acatar o maior número possível de homens em seu barco relativamente pequeno.
Completamente lotada, a
embarcação havia acolhido 75 soldados na cabine e outros 55 no convés.
Lightoller, como marinheiro experiente, levou consigo o maior número possível
de pessoas rumo à segurança das costas inglesas, apesar da ameaça de fogo
inimigo no caminho de volta.
A arriscada jornada para a casa
Com maestria, Charles
Lightoller navegou do Canal da Mancha. Aviões alemães lançavam bombas, que não
atingiram a embarcação de Charles nas águas abertas e desprotegidas, enquanto a
equipe trabalhava em conjunto para evitar ataques de outros navios. Gerald
Ashcroft alegou, inclusive, que eles atraíram a atenção de um bombardeiro em
Stuka, situação na qual Lightoller permaneceu de pé na proa cuidando do
horizonte até o último segundo, até ordenar que o barco realizasse uma manobra
à estibordo, logo antes de uma bomba cair ao lado da embarcação.
Para alívio da tripulação e
dos passageiros, o Sundowner chegou em segurança às praias da Inglaterra, sem
nenhuma baixa, e as tropas resgatadas declararam a eterna gratidão ao herói da
história, que agiu sem medo na hora de salvar a vida de seus companheiros de
serviço. Mas Charles não pararia por aí.
Sem tempo a perder
Após o sucesso de sua missão
nas praias de Dunquerque, Lightoller estava pronto para voltar e resgatar mais
soldados desalojados. Ele reabasteceu os suprimentos de sua embarcação, e se
preparou para executar um segundo resgate - plano frustrado pela marinha
britânica.
Apesar de sua prontidão para
atravessar novamente a perigosa passagem e resgatar mais tropas, seu pedido foi
rejeitado: o inimigo havia descoberto a operação, e as águas do canal estavam
se tornando cada vez mais congestionadas e traiçoeiras. Por esse motivo, apenas
embarcações que pudessem atingir uma velocidade de 20 nós foram
autorizadas a retornar a Dunquerque pela segunda vez - o que não era o caso de
Sundowner.
O legado de Charles Lightoller
Os atos altruístas de Charles
Lightoller ao longo do séc. 20 serão lembrados para sempre. Sua embarcação foi
aclamada como uma das ‘Pequenas Embarcações de Dunquerque’, uma frota com mais
de 850
barcos particulares que auxiliaram na missão de resgate, e se tornaram
responsáveis por salvar a vida de mais de 330.000 soldados
aliados.
De volta à terra firme,
Lightoller retornou para sua fazenda, enquanto seu barco permaneceu sob posse
da marinha inglesa, até o fim da guerra.
Finalmente, em 1946, o veleiro
foi devolvido à família, e eles continuaram a usá-lo como embarcação particular
nos feriados e fins de semana, em alto mar. Aos poucos, a vida de Charles
Lightoller voltava ao normal - por menos normal que ela realmente fosse.
Enfim, paz
Após a comoção da Segunda
Guerra Mundial, a vida de Lightoller finalmente desacelerou. Com o coração no
mar, ele passou a gerenciar um pequeno estaleiro no oeste de Londres,
responsável por confeccionar pequenas embarcações motorizadas para a polícia
fluvial. Seus feitos durante as Guerras Mundiais e seu envolvimento no resgate
do Titanic se tornaram amplamente reconhecidos e, de tempos em tempos, ele
retomava suas histórias em entrevistas com considerável humildade.
Charles Lightoller faleceu no
dia 8 de
dezembro de 1952, aos 78 anos de idade, em decorrência de uma condição
cardíaca crônica. Lightoller foi fumante durante toda a vida, e acabou
falecendo durante o Grande Nevoeiro de Londres - um evento londrino de poluição
aérea que tirou a vida de cerca de 12.000 pessoas. Ele
foi cremado, e suas cinzas foram espalhadas em Richmond, em Surrey.
Em eternas lembranças
A vida incrível de Charles
Lightoller, repleta de aventura e heroísmo, foi imortalizada em muitas obras
nas décadas seguintes à sua morte. Sua história extraordinária inspirou o
personagem sr. Dawson no filme Dunquerque, de 2017, dirigido por Christopher
Nolan. Mas essa não foi a única homenagem recebida pelo marinheiro.
O mundialmente famoso longa ‘Titanic’,
dirigido por James Cameron, em 1997, retrata a história do infame naufrágio, com a
participação certeira de Charles Lightoller, interpretado pelo ator Jonathan
Phillips, que mostra o envolvimento do herói nos notórios eventos de 14 de abril de 1912. Além
disso, Lightoller foi retratado em mais dez filmes e peças teatrais,
imortalizando assim algumas das frações mais populares de sua renomada história
de vida.
Inspiração
O impacto de sua inspiração
não se limitou apenas a Hollywood, alcançando também um nível muito mais
pessoal: seus três filhos foram inspirados pelo serviço militar do pai, e se
juntaram às forças armadas, com o desejo de honrar o nome da família. Suas duas
filhas também serviram nas forças armadas, uma como enfermeira e a outra na
unidade de inteligência
Seu legado perdurou através
das gerações. Seu neto, A.T. Lightoller, seguiu os passos do avô, e se tornou um
oficial comandante na marinha britânica.
O sempre abnegado Charles
Lightoller será lembrado como um grande herói do séc. 20, responsável
por salvar incontáveis vidas, e mudar o curso da história mais de uma vez.
Fonte: Cara Stiles | ShowSnob
(JA, Mai24)