Allan era um homem de
cerca de 50 anos. Era físico, tinha trabalhado em laboratórios de empresas
multinacionais e, atualmente era professor numa universidade tradicional de seu
país. Durante a sua vida profissional teve oportunidade de participar da elaboração
de diversas teorias científicas e no desenvolvimento de produtos de ponta que
vieram otimizar a produção industrial, a
facilitar a vida de milhões de pessoas.
Allan, até agora, tivera uma vida plena em todos os sentidos.
Suas ambições intelectuais tinham sido alimentadas e expandidas, seu trabalho
era reconhecido, tinha alcançado estabilidade financeira, tinha muitos amigos,
era casado com uma mulher que o completava, e dois filhos – um rapaz e uma
mocinha, que estavam estudando, e que
o enchiam de orgulho.
Entretanto, ele percebia
que grande parte daquilo que havia vivido, atualmente estava registrado apenas
na sua memória, e, com o passar dos anos, teria significado apenas para ele e, no finalmente, iria se perder para sempre.
Allan se lembrava de que,
quando ainda era garotinho, seu pai, ao voltar do trabalho diário, pelo menos
uma vez por semana, trazia uma revista em quadrinhos do seu herói favorito, e
eles a liam juntos. Mais tarde, ele
assinou uma coleção que previa a entrega de um livro por mês, na sua
residência, de obras primas de autores variados. Foi assim que Allan tomou
gosto pela leitura, que acabou por se tornar um hábito que carregaria pelo resto
da vida.
Lembrou-se também de sua
mãe, uma senhora simples mas muito determinada, que sempre conseguiu bolsa de
estudos para ele nos melhores colégios. Um desses, foi um colégio interno onde
se destacou pelo seu desempenho, tanto escolar como esportivo. Foi uma época na
qual ele foi muito valorizado, aumentando sua autoestima, o que o ajuda, até hoje, a
superar os eventuais momentos de ‘baixa’ da sua vida.
Recordou-se de seu grupo
de amigos mais próximos do Ensino Médio, sua participação ativa nos movimentos
estudantis daquela época, seu primeiros empregos e os demais, suas namoradas, o
primeiro imóvel que pode comprar, casamento, filhos,... Enfim, de todos – ou
quase todos - momentos especiais e alguns triviais - mas marcantes, da sua
vida, e outros muito importantes, que definiram seu futuro, o espaço que veio a
ocupar na sociedade.
Considerava um
desperdício que esses momentos, carregados de tanta emoção, devessem
desaparecer. Seus filhos, de certa forma dariam continuidade à sua existência –
certamente aquilo que ele se tornou influenciaria seus atos, seu futuro, mas
aqueles momentos tão importantes para ele não eram significativos para eles. E,
então, se perderiam. Que pena...
Caso Allan fosse um
escritor, ele poderia escrever a sua biografia e deixar registrado tudo o que
considerasse importante. Nesse caso, seus escritos poderiam ser lidos e,
eventualmente, o sentimento, a emoção que aqueles momentos representaram por
ele na época em que ocorreram, poderiam ser passados para esses leitores.
Entretanto, ele não era
um escritor, era um físico. E ele sabia que pensamento é energia
A natureza vem guardando
energia há muito tempo, e se você quiser pensar dessa maneira, a gasolina é
realmente uma forma de energia armazenada. As plantas absorvem a luz solar e a
transforma em carboidratos. Depois de milhões de anos, esses carboidratos podem
se transformar em petróleo ou carvão. Em um determinado período, queimamos
madeira (carboidrato) para liberar a energia armazenada, ou
transformamos milho em álcool e queimamos o álcool.
Graças à teoria
especial da relatividade foi possível provar, cientificamente, que no universo
físico conhecido tudo é energia. Este descobrimento desacreditou os conceitos e
explicações materialistas sobre o universo. Porque nada existe no universo manifestado,
planetário solar ou nos diversos reinos da natureza, que não possua uma forma
de energia, sutil e intangível e, sem embargo, substancial. Considera-se que
tudo o que existe é energia; o manifestado é expressão de um conglomerado de
energias. Alguns desses conglomerados resultam em formas, outros constituem o meio
em que tais formas vivem, se movem, e têm seu ser. E, ainda há outros que assumem o processo
de vivificar, tanto as formas como o meio em que se desenvolvem.
Energia é a matéria em
movimento, seja energia elétrica ou não, tudo no Universo que está em movimento
possui de certa forma energia! O ato de armazenar energia é simplesmente a ação
de colocar a energia em espera e/ou em potencial.
O armazenamento da
energia é um processo natural com bilhões de anos. A energia produzida na
criação inicial do universo foi armazenada nas estrelas, tais como nosso sol, e
está sendo usada agora por seres humanos diretamente (por exemplo, através das
pilhas solares)
Refletindo, Allan considerou
relevante o fato de que os pensamentos, memórias, existem em cada um de nós em
decorrência da energia que eles carregam. Portanto, quanto mais significativo o
evento, maior a energia, a memória, o pensamento decorrente. Então lhe ocorreu que não seria impossível
construir um dispositivo que, conectado ao cérebro de alguém, pudesse captar e
armazenar a 'energia' da seleção de suas memórias mais significativas, com tudo do que elas
representaram para o seu portador - hoje, e na época em que ocorreram. Isso
serviria tanto para ajudar as pessoas a organizar, selecionar suas memórias – o
que poderia ser útil na sua vida presente, para reavaliar valores, ajudar nas
decisões mais difíceis,..., como também para deixar essas passagens
registradas, e servir de base para pesquisas de quem estivesse interesse em conhecer
as ocorrências da sua vida no contexto em que aconteceram, suas motivações,
ocorrências que poderiam ser vivenciadas por quem tivesse algum interesse.
Depois de muita pesquisa,
experimentos, conseguiu chegar num modelo que considerou satisfatório. Claro que ainda poderia ser aperfeiçoado, mas
ele continha tudo aquilo que considerava importante para realizar aquilo
que imaginou. Consistia na fixação de eletrodos na cabeça do ‘paciente’ que se
conectavam com os pensamentos correntes, a nível profundo ou superficial da sua
memória. Esses pensamentos, energia, eram captados e registrados e arquivados
numa memória digital que os classificava por pessoa e tipo, para facilitar a
sua localização. Essa gravação poderia ser censurada pelo doador, deixando
apenas aquilo que ele gostaria que fosse divulgado. A liberação de acesso àquelas memórias ficava a critério do
doador – poderia ser genérica, por tipo de pessoa ou parentesco; ou específica,
nominal.
A pessoa liberada pelo doador, após
seleção, poderia ter acesso às memórias através dos conectores
fixados na sua cabeça. Ela teria a sensação de estar vivendo aqueles momentos,
sentido, vendo e ouvindo tudo - como ocorreu com o doador. Era como se estivesse entrado numa outra dimensão, deixado a própria identidade, assumido a vida do doador em questão. Fantástico!
Ele ficou feliz com a sua
obra, e mais ainda quando, com o passar do tempo, ela passou a ser utilizada
para diversos motivos práticos, como avaliação psicológica para efeito de
tratamento, entendimento das causas e correção de atitudes das pessoas que agiram
contra os interesses da sociedade, etc.
Infelizmente, sua
invenção, aos poucos foi se desvirtuando, servindo a outros propósitos,
completamente diferentes dos originais. Esses registros se tornaram obrigatórios
e passaram a servir para os governantes de plantão a exercerem controle das
pessoas, da sociedade. Foi criado o chamado ‘Museu da Memória’, onde a vida de
todas as pessoas ficavam registradas, e poderiam ser acessadas, dependo do
interesse. Ou seja, as pessoas perderam a sua privacidade, se tornaram mais
limitadas pela possibilidade de controle em tempo integral, e, em consequência, perderam a sua
espontaneidade. Realmente, a sociedade mais controlada, se tornou melhor do
ponto de vista coletivo. Por outro lado, dificultou o desenvolvimento, a
criatividade, e o empreendedorismo individual.
Mais tarde ainda,
encontraram um meio de fazer com que as pessoas pudessem trocar a sua
identidade pela do pesquisado. Nesse caso, tinham uma vida irreal como se fosse a outra pessoa e, muitas
vezes, não tinham interesse em voltar a ser o que ‘foram’. Com o tempo, todos foram ficando cada vez mais parecidos um com o outro, e nada acontecia de novo,
principalmente no plano pessoal – tudo era previsível. A humanidade acabou por
chegar num ponto onde todas as pessoas agiam como se fossem apenas uma. Perderam
a motivação para se esforçar, para alcançar seus sonhos, uma vez que podiam viver
os sonhos dos outros, e se sentirem igualmente realizados. Foram perdendo a motivação de viver, e os
casos de suicídio, muitas vezes coletivos, foram se tornando cada vez mais
frequentes.
Allan, no final da sua
vida, se arrependeu do que havia feito e, se pudesse, voltaria atrás. Inferiu que quando o indivíduo perde a sua
individualidade, passa a ser apenas um número, ele perde a sua força, sua capacidade
de ser diferente, a motivação para mudar o que deveria ser mudado. Esse, o
grande diferencial que permitiu a evolução da espécie, havia se perdido.
Não conseguiu imaginar
nenhuma possibilidade de reverter, de tudo voltar ao que era. Concluiu que esse
é o risco do progresso: passar de um limite aceitável - embora não ideal, para
outro que, ao invés de acrescentar, muito pelo contrário, promove a involução
do individuo e, consequentemente, da sociedade, da humanidade.
De acordo com a teoria
que Allan desenvolveu, e pela sua própria experiência, ele acredita que os
pensamentos, a energia, gerados pelas pessoas, são tirados de dentro deles mesmo, passam a se situar exteriormente,
sendo capazes de reagir sobre os pensantes, e influenciar os outros, sem que eles tenham consciência de sua proximidade e de seu poder. Pairando à volta das pessoas, as
forças irradiadas por elas mesmo parecem vir todas de fora. Mas o pensamento de
hoje pode ser, e é em geral, apenas um reflexo do seu próprio pensamento que ocorreu na véspera, ou na semana anterior. Os pensamentos, portanto, são capazes de
influir sobre o homem, sobre resultado
do que ele se propuser a fazer.
Assim, Allan, recarregou-se de ânimo, e foi à luta, não
desistiu. Iria continuar a pesquisar, a chegar a alguma coisa que anulasse o
efeito que a sua iniciativa causou. A ideia
era potencializar os resultados positivos alcançados, e anular os negativos. E
ele, um dos últimos homens ainda ‘à antiga’, e seus seguidores, certamente serão
bem sucedidos.
"A evolução do homem se deve ao fato de que ele está condenado a ser um eterno insatisfeito. Se esforça e sofre para tentar obter aquilo que deseja. Mas, quando finalmente consegue, o sentimento de satisfação é no máximo efêmero e, assim, mergulha no tédio, para dele sair apenas quando surge um novo desejo, num ciclo torturante, que se repete ao longo de toda vida." Arthur Schopenhauer
(JA, Dez16)