As Praças
Algumas praças representam muito mais
do que pode parecer à primeira vista.
No entorno das cidades mais antigas, especialmente as européias, eram erguidas fortificações, muralhas, com o objetivo de protegê-las dos inimigos,
invasores. O povo entrava e saia na cidade cruzando grandes portas, que tinham programados horário de abertura e fechamento. No interior das cidades, ao lado dos portais,
surgia, naturalmente, uma praça - era o local aonde os mercadores que chegavam
com seus produtos, os comercializavam junto aos cidadãos interessados. E, por
conta disso, em volta da praça foram surgindo pontos de comércio: lojas, restaurantes,
bares.
É normal que os diversos governantes, através do
tempo, se preocupassem em fazer melhorias nessas praças, tanto do ponto de vista
arquitetônico como artístico. É uma
maneira que encontraram para deixar sua marca, registrada num local de grande visibilidade e, ao
mesmo tempo, demonstrar para quem visitasse a cidade, a sua beleza, a sua
riqueza.
Muitos artistas cultuados atualmente,
e que passaram a fazer parte significtiva na história da arte, iniciaram a sua
vida artística trabalhando nessas praças ou no interior das Igrejas que, normalmente, ali eram
edificadas, devido à facilidade de acesso e a frequência de público.
No decorrer do tempo, com o crescimento
das cidades, foram sendo abertos portões secundários, dando surgimento a novas
praças. E, no finalmente, as muralhas perderam o sentido, deixaram de existir.
Inicialmente, pela facilidade de
comprar coisas que não eram produzidas na cidade, por ser um ponto de encontro
das pessoas e, depois, por sua beleza arquitetônica e pelas suas obras de arte, as praças
passaram a ser visitadas por pessoas vindas de outras cidades, especialmente para conhecê-las,
o que acontece até os dias de hoje.
Não é exagero dizer que cada praça,
além de oferecer o que é visível para os visitantes, carrega uma energia
própria, constituída ao longo de toda a sua história, por aqueles que a
construíram, enfeitaram, frequentaram, que a prejudicaram, que ali tiveram boas ou más atitudes, ,...
Essa energia normalmente é percebida pelos
visitantes mais sensíveis e atentos, que
passam por ela, principalmente na primeira vez. Essa energia deixa então uma
forte marca na memória dessas pessoas que dificilmente é apagada, continuando a influenciá-las pelo resto das suas vidas. Essa constatação
é válida para todas as edificações antigas, mas mais ainda no caso das praças,
dada a quantidade e complexidade das relações que tiveram lugar nesses espaços,
desde a sua criação - principalmente se forem antigas, tradicionais.
Bruno e Ana
Bruno e Ana eram um jovem casal que, finalmente,
estavam realizando a viagem que projetavam fazer já há algum tempo. Depois de
um longo voo, chegaram a Roma vindo de São Paulo - Brasil. Se hospedaram no
Hotel reservado com antecedência, e logo que foi possível, saíram para conhecer
a cidade. Essa cidade era especialmente significativa para Bruno, pois seus avós
haviam nascido e vivido ali, até imigrarem para o Brasil, onde nasceu seu pai.
O primeiro passeio que programaram foi conhecer a Piazza Del Populo, tão
querida e frequentemente citada com orgulho pelo seu ‘nono’. Chegando lá, foram
visitar a sua famosa fonte.
Como eles ficaram sabendo através de
um folheto do hotel, essa fonte teve sua origem em 1572, quando o papa Gregório
XIII mandou colocar no centro da praça uma fonte projetada por Giacomo della
Porta. Em 1818, Giuseppe Valadier
removeu a velha fonte. E, em 1823, sob o pontificado de Leão XII (1822-1829), o
mesmo Valadier deu ao espaço uma nova expressão arquitetônica, que permanece
até hoje, com a implantação de uma fonte na base de um obelisco egípcio, datado
de 1200 a.C. com 24 metros de altura, composta por quatro pequenos tanques dispostos nos ângulos do obelisco, prevendo em cada um a instalação da escultura de um leão, jorrando água pela boca.
Andaram no entorno do obelisco, e Bruno
imaginou o avô estando junto com eles, manifestando, com aquele seu jeito italianado
de falar, entusiasmo por estar naquele monumento de tantas memórias.
Mais tarde, sentaram-se nas mesinhas externas
de um restaurante. Antes mesmo de serem atendidos, um policial se aproximou,
mostrou um telefone celular que estava em sua mão, e perguntou se pertencia a eles. Era o celular de Ana. Só então, ela se deu conta que o havia deixado em cima da mureta de proteção do tanque de um dos leões, enquanto tirava fotos com a sua câmera. O policial o
devolveu, esclarecendo que um garoto que andava na praça o encontrara e lhe
entregara. O jovem comentou também que, pouco antes, havia
visto um casal saindo da fonte, indo em direção ao restaurante...
Agradeceram e perguntaram ao policial
quem era o menino, e ele o apontou - estava à distância, observando o
grupo. Agradeceram ao policial e saíram em sua direção. Ele estava vestido com uniforme de algum colégio, carregando
uma mochila provavelmente com seu material escolar. Ficou meio sem jeito ao vê-los, mas
respondeu aos cumprimentos e agradecimentos, e aceitou receber de Bruno um sorvete comprado numa
'gelateria' próxima.
Voltaram ao restaurante, foram
atendidos e, oportunamente, comentaram o ocorrido com o garçom que os atendia. Ele deus os parabéns a eles porque, como disse,
isso não era comum acontecer. Esse garoto deveria ser especial mesmo.
Antes de terminarem a refeição, entrou
uma florista no restaurante, oferecendo flores. Bruno escolheu e comprou um pequeno buquê de rosas vermelhas que ofereceu para Ana. A florista, sorrindo para eles e para o garçom, deixou o
local, satisfeita pela venda que havia conseguido lograr. Ana ficou sensibilizada
pela atenção e carinho de Bruno ao ter a iniciativa de, pela primeira vez, lhe
comprar flores. Parece que aquele local tinha algo mágico, algo que os estava
aproximando ainda mais.
Mais tarde, depois de andar mais um
pouco, e de visitarem as três igrejas existentes no local - igrejas que acolhem obras artísticas
de grande relevo: de Caravaggio, a "Conversão de São Paulo" e a
"Crucificação de São Pedro", bem como vários afrescos de
Pinturicchio, "Assunção da Virgem" de Annibale Carracci. No campo da
arquitetura, está patente a marca de Rafael Sanzio e de Bramante, e algumas
esculturas de Andrea Bregno e de Gian Lorenzo Bernini, como o magnífico órgão
sobre dois anjos em bronze. E também Carlo Rainaldi e Carlo Fontana -, voltaram
para o Hotel, para descansar, antes de saírem para o jantar.
A praça, continuava lá, como antes.
Entretanto, a sua memória fora acrescida com mais algumas lembranças que, como
tantas outras, compunham a sua história, o seu ser.
Memórias não se referem apenas ao passado. Elas podem determinar o nosso presente, e o nosso futuro.
(JA, Nov15)
Imagem: Fonte da Pizza del Populo, Roma -Itália.
http://lookrome.com/it/place/monumenti-di-roma/obelisco-flaminio.html?q=it%2Fplace%2Fmonumenti-di-roma%2Fobelisco-flaminio.html