A família Carlton, um casal e seus
três filhos, viviam numa comunidade litorânea fornecedora de bens agrícolas e
pecuários. John e a esposa Anne viviam muito bem, até há pouco tempo. Entretanto, o pai de John, um grande produtor
rural, havia falecido recentemente, deixando muitas dívidas. Para amortizá-las
tiveram que ceder a propriedade que haviam herdado. A comunidade era ponto de compra para os
comerciantes das ilhas vizinhas que, não podendo comprar localmente, se
dispunham a vir comprar ali, independentemente do alto custo e da demora, devido
a necessidade do transporte marítimo.
John teve uma ideia: “- Por que não
utilizar a experiência que ganhou trabalhando com seu pai e produzir esses bens
num local mais próximo dos compradores, aumentando assim a sua margem de lucro,
mesmo vendendo a um preço menor aos comerciantes?”
Tinha sentido. Por que não? Então, decidiu a organizar a sua partida. Começou coletando mudas ou sementes de todas as plantas
com as quais estava acostumado a trabalhar e que tinham grande procura: trigo,
café, cacau, chá, milho, frutas cítricas, coco, banana e abacaxi.
E assim foi. Reuniu todas as suas coisas, as economias que
ainda tinha, e combinou com o Capitão de
um daqueles veleiros que faziam regularmente a viagem entre as ilhas
transportando bens, seu antigo conhecido, que o levasse, bem como a sua família.
No dia e horário agendados embarcaram
para aquele que seria o seu novo destino.
O Capitão já estava a bordo e tripulantes estavam chegando. Respondia aos cumprimentos de cada um,
formalmente, conforme foram embarcando. Seu olhar, entretanto, continuava fixo no horizonte, como se estivesse a
enxergar o seu destino.
Tudo e todos embarcados, na hora
certa, o imediato pediu autorização ao Capitão para partirem. Velas içadas, âncora
levantada, amarras liberadas, aos poucos foram se afastando do cais, o barco
obedecendo ao leme do piloto, tomando o rumo do próximo porto.
Instalados em uma cabine, ficaram
tranquilos, sentindo o movimento do barco em atrito com a água do mar. Tudo ia bem até que, dias depois, o mar foi
ficando agitado e, embora as velas tivessem sido recolhidas, o veleiro começou
a balançar perigosamente, num sobe e desce vertiginoso.
A água começou a entrar no veleiro através de uma rachadura no casco, causada por um daqueles grandes
baques, além da água que entrava via convés. Com o peso da água no seu
interior, além da carga que transportava, o veleiro começou a adernar. Em seguida, o Capitão ordenou que se
baixassem os botes salva-vidas. John, rapidamente, recolheu o que pode para partir: mudas e
sementes, ferramentas, a bagagem, alimentos e água, e, junto com sua
esposa e filhos, embarcaram num dos botes que, imediatamente, se afastou do
veleiro.
Ainda puderam ver o Capitão na amurada, olhando fixo para o horizonte, como quando da partida, parecendo inconsciente de que seu horizonte, naquelas alturas, havia se tornado inalcançável.
Ainda puderam ver o Capitão na amurada, olhando fixo para o horizonte, como quando da partida, parecendo inconsciente de que seu horizonte, naquelas alturas, havia se tornado inalcançável.
Dias após, avistaram e conseguiram
manobrar o bote para alcançar uma ilha. Observaram que, assim como eles, muitas
mercadorias que eram transportadas pelo veleiro, agora estavam na areia praia, no entorno da ilha.
Aportaram, deixaram o bote em segurança, e entraram um pouco para o
interior. John então montou um abrigo
provisório sob algumas árvores. Descansaram e, no dia seguinte, resolveram explorar a ilha. A alguns quilômetros dali encontram uma aldeia
de nativos aborígenes.
Os nativos, embora estranhando – há
anos que não recebiam nenhum visitante -, se mostraram muito receptivos e simpáticos.
Aos poucos, foram conseguindo se comunicar. Contaram a sua história, e pediram orientação de como poderiam e instalar na ilha. O líder deles indicou uma área um pouco distante da aldeia, mas que dispunha de todos os recursos básicos que eles precisavam: água e terra cultivável.
Aos poucos, foram conseguindo se comunicar. Contaram a sua história, e pediram orientação de como poderiam e instalar na ilha. O líder deles indicou uma área um pouco distante da aldeia, mas que dispunha de todos os recursos básicos que eles precisavam: água e terra cultivável.
John, um homem que tinha também conhecimentos de construção e carpintaria, em dois meses, com ajuda de alguns nativos,
ergueu e mobiliou uma casa que não era muito diferente daquela que eles tinham
anteriormente. Ele sabia que a estadia deles ali poderia ser definitiva e, por
conta disso, construiu uma casa resistente e confortável.
Após se instalarem, John logo começou a preparar o
terreno para iniciar suas plantações, aproveitando as mudas e sementes que
havia trazido e que vinha cuidado
desde então.
Na época certa para cada tipo de
planta, começou a plantar. Aos poucos, o seu cuidado e atenção começam a dar
resultados, e ele pode colher os frutos da terra.
Descobriu que os nativos tinham
alguns exemplares de cavalos, bovinos, e ovinos. Oportunamente conseguiu
adquirir alguns, trocando pelos produtos que já havia conseguido colher. Os nativos nem conseguiram explicar a origem
desses animais, uma vez que estavam ali há várias gerações. Os animais bem tratados e, bem alimentados e cuidados, também começaram a se reproduzir.
Sua esposa Anne, uma mulher tranquila
e prendada, com algumas peças de tecido que recolheram no mar após o naufrágio,
começou a fazer roupas novas para a família. Além disso, no horário certo,
diariamente, reunia os seus filhos, Peter, Arthur e Mary, e lhes ensinava gramática
e matemática elementar.
Os nativos, aos poucos, foram se
aproximado, e adquirindo o conhecimento e a habilidade de John no cultivo da
terra e na criação dos animais. As suas mulheres e crianças foram de aproximando
de Anne, e logo estavam aprendendo a cozinhar como ela - utilizando os produtos
plantados no campo, e a costurar, bordar.
Com o tempo, John contratou alguns nativos
para o ajudarem na sua agora quase fazenda, e ‘vendia’ o excedente da produção
para os habitantes locais. Vendia é modo de dizer porque não existia o uso de
moeda entre eles – tudo era feito na base de troca. Esse processo de troca fazia com que todos se
relacionassem e, além disso, evidenciava que cada um, de certa maneira,
dependia do sucesso da atividade do outro.
As pessoas procuravam John frequentemente pedindo orientação sobre
como fazer isso ou aquilo. Êle os atendia sempre da melhor maneira e assim foi ficando
cada vez mais popular entre eles.
Além do ensino do plantio e da criação de animais para alimentação e transporte, John foi lhes passando conceitos que eles jamais haviam ouvido falar, do tipo:
- Local exclusivo para tratamento dos doentes.
- Local específico para educação dos jovens.
- Marina para carga e descarga dos barcos que eles agora estavam produzindo
- Lojas para facilitar as trocas
- Descentralização dos serviços por área de atividade / competência / habilidade pessoal
- Treinamento do pessoal
- Armazém para estocagem da produção, etc.
Anne, preocupada em educar seus filhos, reservou uma sala de sua casa para dar aulas para eles e, logo apareceram outras crianças interessadas. Além da gramática e matemática ela também procurava passar valores como justiça, solidariedade, respeito, cooperação, responsabilidade, empatia, altruísmo, autonomia, dialogo, dignidade da pessoa humana, e igualdade de direitos. Sem se dar conta, estava criando assim condições necessárias para que cada estudante descobrisse e adotasse, à sua livre escolha, aqueles modelos.
E assim foi. Passados cerca de doze anos desde que a
família Carlton ali chegou, avistaram no horizonte um veleiro passando ao
largo. O veleiro lançou a âncora e os tripulantes se preparavam para descer à
terra.
Avisado, o encarregado da segurança,
o recém nomeado ‘Xerife’, organizou uma equipe e foram esperar pelos
visitantes.
Quando chegaram alegaram que
precisavam se abastecer de água e perguntaram se tudo bem. Como o pessoal se mostrou cordial e educado,
foram autorizados a captar a água que precisassem. Mais tarde, o Capitão do navio, em
agradecimento, convidou uma comissão de algumas pessoas da ilha para jantar no
seu veleiro. Convite feito e aceito. Foram o Prefeito, John, o
Xerife e mais dois ou três ajudantes.
Foram muito bem recebidos e o jantar
foi ótimo. Conversando o Capitão demonstrou interesse pela produção agrícola da
ilha. Ele era um transportador do tipo de bem que eles produziam, e o localização da ilha era muito mais próxima do destino de venda / consumo do que de onde
tradicionalmente eles compravam.
Informou a John o quanto eles pagavam, e perguntou se ele teria condições de acompanhar o preço. Ele disse que em
princípio sim, mas que preferiria tratar diretamente com os compradores, uma vez que estava meio desatualizado
Ficou acertado que John viajaria com
eles até o seu destino, para lá poder conhecer os eventuais compradores, o quanto imaginavam pagar, e
avaliar a viabilidade.
Partiram. Chegando lá, fez os contatos previstos, conversou e negociou com possíveis compradores. Considerou as condições viáveis e fechou algumas vendas. Voltou para a ilha, e, através do próprio veleiro que o trouxe, fez a primeira de muitas remessas dos produtos da ilha para os compradores.
Partiram. Chegando lá, fez os contatos previstos, conversou e negociou com possíveis compradores. Considerou as condições viáveis e fechou algumas vendas. Voltou para a ilha, e, através do próprio veleiro que o trouxe, fez a primeira de muitas remessas dos produtos da ilha para os compradores.
Seus filhos, e mais alguns jovens
locais, mais tarde, foram para uma das ilhas mais progressitas da região, para completar seus estudos. Formados, passaram a
trabalhar na empresa fundada pelo seu pai. Essa empresa, atualmente (30 anos
depois) é a poderosa ‘Frutos da Terra & Cia.’, com capital aberto,
ações na bolsa, barcos próprios, etc., sendo que um dos grandes acionistas, além da família Carlton, é a comunidade nativa da ilha, agora organizada de uma forma institucional.
Hoje, John refletindo sobre o que
aconteceu, atribui o que conseguiu construir ao naufrágio do veleiro, Entende que o naufrágio, embora eventual, acabou por dar início a uma nova e produtiva
vida, tanto para ele, como para sua família e para os nativos locais.
John não se dá conta de que o fez
realmente a diferença foi, primeiramente, a iniciativa, a sua decisão de partir, de buscar
novas e melhores oportunidades, considerando que as que tinha na época não lhe proporcionariam
o que ele queria, acreditava que poderia conseguir.
O povo da ilha, com o sucesso dos empreendimentos de John, teve acesso a um padrão de vida
mais confortável, adquiriu conceitos
sociais que, eventualmente, só intuíam, mas que acabaram por assimilar, e
que passaram a influenciar as gerações subsequentes. O mundo que para eles era tão
limitado, deixou de ter fronteiras, com tudo o que isso significa.
Todos agora podem optar e aplicar seu
conhecimentos, habilidades e talentos, da
forma que julgarem melhor, definindo o seu destino. Sabem que eles estão interligados por algo maior do que simples parentesco ou amizade. Eles
compartilham a mesma sociedade. Sabem que, se necessário, sempre poderão contar
com a ajuda dos mais velhos, dos mais experientes, das novas instituições, como
eles receberam de John. Por outro lado, estarão disponíveis, no
futuro, para ajudar os mais novos, a
também a alcançarem o que pretenderem.
Naturalmente, o mundo civilizado tem
seus defeitos. Entretanto, seu maior mérito é libertar o homem das limitações decorrentes da falta de conhecimento, da sua realidade compulsória, oferecendo novas possibilidades e oportunidades, a exemplo do que aconteceu com John, que, preparado, atento e focado, soube aproveitar.
“Nada é impossível. É apenas,
matematicamente, improvável".
(JA, Out15)