“O historiador José Murilo de Carvalho é um intelectual de qualidade, com respeitável
obra. Num de seus livros, "Cidadania no Brasil", Carvalho toma como
referência básica a linha de pensamento de T. H.
Marshall, para quem a construção da cidadania se baseia na afirmação de
três categorias de direitos:
1.
Civis,
2.
Políticos e
3. Sociais.
Para ser cidadão pleno, é preciso ser
titular dos três direitos.
Direitos civis são os fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à
igualdade perante a lei: garantia de ir e vir, escolher o trabalho, manifestar
o pensamento, organizar-se, ter respeitada a inviolabilidade do lar e da
correspondência, não ser preso exceto pela autoridade competente e segundo as
leis, não ser condenado sem processo legal regular. Em outras palavras,
liberdade individual.
Direitos políticos se referem ao autogoverno da sociedade. Ou seja, votar e ser
votado, poder demonstrações políticas, organizar partidos etc.
Direitos sociais são os que garantem a participação na riqueza coletiva. Isso
implica educação, acesso ao trabalho, salário justo, cuidados de saúde,
aposentadoria. A ideia básica é de justiça social, de modo a conter os excessos
de desigualdade e garantir um mínimo de bem-estar para todos.
Ao estabelecer seu esquema, Marshall
teve presente a história da Inglaterra, onde a conquista desses direitos − que
demandou lutas − se deu por etapas. Foi com base no exercício das liberdades
civis já obtidas que os ingleses reivindicaram a ampliação do direito ao voto.
À medida que este avançou, houve a eleição de operários, a criação do Partido
Trabalhista e consequentemente a introdução dos direitos sociais na pauta.
A ideia que está implícita é que não
se trata simplesmente de uma sequência cronológica acontecida na história.
Segundo Marshall, existe aí uma concatenação lógica.
Mas o percurso inglês nem sempre foi
seguido em outros lugares. No Brasil, diz José Murilo de Carvalho, uma
diferença importante foi que os direitos sociais precederam os outros. Por
exemplo, vários direitos trabalhistas datam do período ditatorial do Estado
Novo, quando as liberdades políticas, e inclusive algumas liberdades civis,
estavam fortemente reprimidas.
Essa inversão da sequência lógica
acaba tendo repercussões na natureza da cidadania, tal como ela é entendida
aqui no Brasil. Por exemplo, há entre nós uma ênfase nos direitos sociais, mas
nem sempre um apreço correspondente pelo exercício dos direitos políticos ou
pelo respeito à liberdade de expressão e a outros direitos civis. Outro aspecto
é um excesso de expectativas quanto ao papel do Estado (por exemplo, do setor
produtivo estatal), acompanhado por uma enorme centralização do foco no Poder
Executivo e nas figuras que o exercem.
Publicado em 2003, o livro
"Cidadania no Brasil" permanece atual.” Bôa Nova –
AMDG
(JA, Ago15)