Ao amanhecer a brisa entra pela
janela de um cômodo da casa. Entra e se sente à vontade, como se sempre tivesse estado ali. Curiosa, passa por todos os cantos, móveis, objetos,
roupas, procurando reconhecê-los, identificá-los. Deixa uma leve aragem à sua passagem e o ambiente fica como se estivesse purificado, energizado positivamente.
Sai de um cômodo, entra em outro, até
percorrer a casa inteira. Enquanto ela esteve ali não teve oportunidade de conhecer nenhum de
seus habitantes, mas pelo que já viu, faz ideia de como sejam.
Curiosa, ela volta mais tarde para conhecê-los,
checar se sua intuição foi acertada. A
casa era habitada por um casal e seus dois filhos: um rapaz e uma mocinha.
Estavam sentados na mesa de jantar, comendo e contando as novidades do dia de
cada um. A mulher estivera cuidando das
lides domésticas, e não havia conversado com ninguém, e não havia acontecido
ali na casa nada especial que diferenciasse aquele dia dos demais. O pai,
homem do campo e de todos os ofícios, também tivera um dia
cansativo como sempre e sem resultado imediato – a colheita e venda do produto
sempre tinha um tempo certo para acontecer, e ainda não era o caso. O rapaz e a
moça tinham ido à escola, as aulas foram como sempre – monótonas e demoradas;
seus amigos , como sempre, não tinham novidade nenhuma.
A brisa sentiu que aquelas pessoas
não estavam vivendo a vida em toda a sua plenitude. Estavam presos a coisas que
não lhes interessavam, não lhes despertavam nenhum interesse, nenhuma emoção -
alegria, prazer, amor. Que desperdício! O que ela poderia fazer para reverter
essa situação? Teve uma ideia.
Um pouco antes de amanhecer, a brisa
reuniu todas as suas energias e se transformou num vento forte, quase um
tornado, um furacão. Concentrou a sua
força na casa onde morava aquela família.
Logo o telhado foi perdendo suas telhas, algumas as portas não
resistiram ao forte sopro que acabou por revirar a casa inteira. A família, pega
de surpresa, resolveu que o mais seguro seria sair. Parecia que ali era o
centro da tempestade. Rapidamente reuniram e colocaram num baú alguns pertences, mantimentos, água, e saíram
correndo da casa Embarcaram no seu pequeno veleiro que estava aportado num
braço de mar, num pequeno cais existente na frente da casa, e saíram Sua intenção era navegar
em direção ao porto existente no centro da cidade, onde certamente encontrariam refúgio até a
tempestade passar.
A ‘Brisa’ acompanhando a fuga, foi
reduzindo sua intensidade na casa, e passou
soprar na direção da vela do veleiro, com força moderada. O veleiro seguiu, seguiu, passou o porto da
cidade, entrou em alto mar, e foi em frente. Os tripulantes, passageiros impotentes, não tinham o que fazer senão se deixar conduzir. Passados dois dias
e duas noites, se encontraram numa praia tranquila e desconhecida. Aportaram, e desceram para terra firme. .
Lá, ainda surpresos com o que tinha
acontecido, deram graças a Deus por estarem todos bem, Descansaram um pouco e saíram
a procura de água. A região era linda, com muitas nascentes e rios, a mata que parecia
ter sido desenhada por um artista – com muitas árvores e muitas flores. Continuaram andando, até chegarem num
povoado. Lá encontraram algumas pessoas.
Entretanto, não conseguiram se comunicar porque elas falavam uma língua
completamente estranha para eles, e vice-versa. Foram levados à presença de um senhor que deveria
ser o responsável pela comunidade. Ele os ouviu, não disse nada, mas deu a
entender que queria saber como haviam chegado ali. Então, o chefe da família
levou um grupo de homens ao local onde tinha deixado o seu barco. Sua esposa e filhos, ficaram aos cuidados de umas
senhoras, à pedido do ‘Responsável’. O
grupo chegou ao lugar onde estava o barco e ficaram admirados com a embarcação.
Nunca tinham visto nada parecido, e conversavam entre si animados, comentando
sobre seu conceito, sua utilidade.
Voltaram então ao povoado. O grupo
passou a informação ao responsável - que, como depois viriam a saber, era o Prefeito
da cidade. O Prefeito determinou que a família fosse levada a uma pequena casa,
onde poderiam ficar, até se ambientarem, encontrarem uma solução para o caso
deles. No dia seguinte, o chefe da família
foi convidado a ensiná-los como manobrar o barco. Isto era muito importante
para eles porque a aldeia era de pescadores mas, por incrível que possa parecer, não conheciam e nunca
haviam utilizado um barco para esse serviço.
Logo ele estava enturmado com o pessoal, e já conseguia se comunicar –
precariamente mas conseguia. A pedido deles, e com ajuda de um marceneiro
local, começou a construção de um outro barco, e depois de mais outro, e mais
outro.
Ele estava feliz porque fazia algo
que era útil para os demais do grupo, para a comunidade. E essa comunidade passou a respeitá-lo, a aceitá-lo pelo que era. Sua esposa e filhos, também foram
encontrando seu espaço e, aos poucos, foram descobrindo as outras pessoas e se
deixando conhecer. Se adaptaram tão bem
ali que a sua realidade anterior foi ficando distante, quase desaparecendo. Os
anos passaram.
O chefe da família agora era uma figura destacada na comunidade,
seus filhos haviam estudado, estavam trabalhando e, certamente logo estariam
constituindo suas próprias famílias. Sua esposa havia trazido muitas
novidades úteis para o dia a dia das mulheres locais que a admiravam e, frequentemente, a elogiavam. Ela se sentia feliz, realizada. As pessoas diziam que bons
ventos os haviam trazido ali, talvez cunhando a expressão, hoje tão conhecida: ‘Bons
ventos o trazem!”.
A ‘Brisa’ que tudo acompanhava sorriu,
espalhando com o seu riso um vento alegre por toda a região, alcançando todas aquelas pessoas, deixando-as ainda mais felizes.
'Bons ventos o trazem'
Significa seja bem vindo. Quando recebemos uma visita esperada, temos um encontro agradável, ou quando quem esperamos chega informando que fez boa viagem, dizemos que foram os bons ventos que o trouxeram até nós.
Esta frase foi empregada como saudação pelo prefeito do Distrito Federal (Rio de Janeiro), a Alberto Santos Dumont, quando este desembarcou, retornando ao Brasil.
O vento, ou seja, o ar em movimento, tem a capacidade de deslocar com ele diversos objetos. O vento teve um papel muito importante na história da humanidade, pois houve época, como a dos grandes descobrimentos, em que as embarcações dependiam unicamente do vento para se mover. Ele foi e ainda é utilizado para movimentar moinhos para moagem de grãos e, atualmente, para produção de energia eólica. Além disso, o entendimento de sua geração e comportamento foi essencial para desenvolvimento da ciência aeronáutica. Portanto, no caso de Santos Dumont, considerado o inventor do avião, o pai da aviação, a utilização dessa expressão para recebê-lo foi muito adequada.
Esse ditado popular fundamenta o princípio da Sociolinguística que define:
'A linguagem representa a forma mais alta de uma faculdade inerente à condição humana - a faculdade de simbolizar.'
(JA, Mar15)