Edouard
Vuillard – ‘Landscape of Île de France’, ~1894
Leonel era originário de uma família
simples, que vivia na área rural de uma cidade do interior de São Paulo. Seu
pai era o 'faz tudo' de um grande fazendeiro local. Tinham uma boa casa para
morar, as crianças - ele inclusive - Escola para estudar, e não faltava comida
na mesa.
O jovem Leonel, quando completou o
Ensino Fundamental na Escola rural da Fazenda, saiu em busca de um futuro
desconhecido. Foi para a cidade grande distante, onde, com o apoio de alguns
conhecidos da sua cidade que tinham vindo anteriormente, começou a trabalhar
como ajudante numa indústria que fabricava peças plásticas para a indústria
automotiva. Conheceu outros jovens que também trabalhavam lá, e, como eles, se
conscientizou que tinha que continuar a estudar para poder progredir. Com
sacrifício, foi o que fez, até que conseguiu se formar.
Então, ele já era gerente de produção
da indústria, conhecia bem a atividade, e estava fazendo uma poupança para começar
a empreender, ter o seu próprio negócio. Assim que surgiu uma oportunidade,
estava preparado e aproveitou. Anos
depois conseguiu ter a sua própria indústria.
Os produtos que produz e comercializa têm um mercado específico e fiel. As vendas sempre superam os custos de produção e de administração. Os postos de trabalho da empresa, de modo geral, são ocupados por pessoas qualificadas para a sua função, treinados e motivados. O negócio quase que anda sozinho.
Os produtos que produz e comercializa têm um mercado específico e fiel. As vendas sempre superam os custos de produção e de administração. Os postos de trabalho da empresa, de modo geral, são ocupados por pessoas qualificadas para a sua função, treinados e motivados. O negócio quase que anda sozinho.
Assim, atualmente, aos 35 anos, ainda
solteiro, tem uma indústria que fabrica peças plásticas e é concorrente daquela
empresa onde trabalhou assim que chegou na cidade. Financeiramente está tranquilo, tem muitos
amigos, viaja para o exterior de três a
quatro vezes por ano – normalmente à negócios. Enfim, tem uma vida que nem imaginava ser possível quando
saiu da Fazenda.
Entretanto, se sente meio que ansioso, insatisfeito.
Sente necessidade de novos desafios, de uma nova motivação. Imagina que não está
utilizando todo o seu potencial, sua capacidade.
Leonel, ultimamente, tem se lembrado de forma
recorrente da sua família. Tem vontade
de ir procurá-la. Fica imaginando como eles estariam vivendo, como seria o
encontro - considerando o contraste entre o que ele era agora e como
ele imaginava que eles estivessem. Afinal, sempre foram gente humilde, do
campo.
Talvez esses seus pensamentos voltados para a família fossem decorrentes da noticia que tivera
recentemente. Embora não sentisse nenhuma mudança física, ainda se sentisse
bem, fora diagnosticado com um câncer, conhecido como 'Linfoma não Hodgkin'.
Oportunamente, aproveitou alguns dias
que havia tirado de licença do trabalho e foi visitar a família. Esse
afastamento seria interessante para ele poder por as ideias no lugar, se
recompor, e enfrentar o desafio do tratamento a que deveria se submeter em
seguida. Entendia que não era conveniente que continuasse se sentindo como estava
– isto poderia afetar seu trabalho, suas
decisões, prejudicar os negócios.
Resolveu viajar utilizando transporte
coletivo para não causar espécie chegando ao local em um de seus ‘carrões’. Desceu
na rodoviária, tomou um táxi, e foi levado à Fazenda.
Quando estavam se aproximando, ainda
na estrada, do alto, viu a propriedade lá embaixo, na planície: os pastos, o
rio, o lago, as plantações, ...
Essas imagens o remeteram à sua
infância, tão distante mas ainda tão presente. Desde aquele momento sentiu-se
muito à vontade, feliz, quase alegre por estar ali, naquele ambiente tão familiar.
Esse sentimento, paradoxalmente, vinha junto com uma profunda nostalgia por um
dia ter deixado tudo aquilo para trás, num passado perdido no tempo.
Mas, logo que chegou, notou
diferenças. De perto não reconhecia nada.
Estava tudo mudado. Na entrada teve que parar numa Portaria, antes inexistente,
e foi questionado pelo segurança de
plantão: 'Com quem o senhor deseja falar?'
Leonel não sabia ainda, mas o Sr.
Pedro, seu pai, muito considerado pela família proprietária da Fazenda, alguns
anos depois da sua partida, acabou assumindo o controle da propriedade após o
assassinato de seu patrão por membros extremistas do Sindicato Rural local.
A esposa do seu ex-patrão ficou muito
agradecida por tudo que ele fez dai em diante, mantendo a Fazenda operante e
lucrativa. E, ao falecer, por não ter herdeiros diretos, deixou a propriedade
para o Sr. Pedro.
Ele, após assumir o controle da Fazenda,
com base na sua experiência, resolveu investir nas diversas possibilidades
oferecidas pelo negócio, que ainda não eram exploradas.
Com determinação, foi investindo seu
tempo e dinheiro nas ideias, priorizando as mais lucrativas e procuradas. Os
resultados não tardaram a parecer.
Os demais filhos do Sr. Pedro, foram cursar Faculdade numa cidade próxima e, assim que se
formaram, voltaram para a Fazenda e passaram a ajudá-lo: Rubens como
Administrador de Empresas, na Administração e Finanças; e Oswaldo, como Engenheiro
Agrônomo, no operacional.
Independentemente das eventuais
crises, dificuldades, tudo foi dando certo
e, no finalmente, tinham um negócio que, além de lucrativo, era algo que
lhes proporcionava grande prazer. Anos depois Sr. Pedro, à exemplo da sua
esposa, veio a falecer. Sua ausência,
naturalmente, foi muito sentida. Mas, seus filhos já estavam preparados e não
tiveram dificuldade para continuar a tocar o negócio. A empresa deles, bem
estruturada, administrada com competência, foi ficando cada vez mais poderosa. Seus
produtos eram agora comercializados em todo território nacional.
Leonel foi recebido pelo seu irmão
mais velho, Oswaldo. Conversando, ficou sabendo da realidade atual da
família, do falecimento de seus pais,
dos negócios em que estavam envolvidos, da estrutura que montaram, etc. À
medida em que foi sendo colocado a par da situação, foi ficando cada vez mais admirado com a
potencialidade da empresa que acabaram criando e da qual faziam parte.
Por outro lado, percebeu, surpreso,
que aquelas atividades lhe pareciam muito familiares, e que só o fato de pensar
nelas, já fazia com que ele se sentisse muito bem, como quando se reencontra um
velho e bom amigo.
Mais tarde, refletindo, foi levado a
concluir que, embora tivesse um apreço muito grande pelo próprio negócio que
construiu e administrava, não sentia a mesma coisa que sentia aqui. A terra, os
espaços abertos: o pasto, o campo - pareciam fazer parte dele mesmo, daquilo que
ele era. Tamanha identificação não poderia ser ignorada; seria como ignorar a
si mesmo.
A partir daí, com base nos dados que
foi acumulando, começou a desenvolver um plano de negócio para as
possibilidades que vislumbrou inicialmente.
Oportunamente, falou para os irmãos o
que ele sentia em relação ao negócio deles, expos as suas ideias, e procurou saber se
eles o aceitariam para uma eventual sociedade.
A receptividade foi ótima, muito melhor do que poderia imaginar. Eles
ficaram felizes com a possibilidade de se reunirem novamente e demonstraram
estar abertos para uma negociação.
Seu plano previa a abertura dos negócios
para o mercado internacional, onde ele sabia que existiam potenciais e
poderosos clientes para aquilo que eles tinham a oferecer. Consultou seus
contatos, seus advogados, avaliou, e definiu a viabilidade financeira e
operacional.
Chegou à conclusão de que, embora
exigisse um considerável investimento financeiro inicial e muito trabalho, era
exequível e tinha uma grande possibilidade de sucesso.
Apresentou seu plano para os irmãos,
a sua proposta para passar a fazer parte
da sociedade. Eles avaliaram tudo e, depois de alguns dias, aprovaram.
Tempos atrás, Leonel havia recebido, por parte de um investidor
estrangeiro, uma boa oferta para venda do seu próprio negócio. Na época não teve
interesse. Entretanto, agora, fazia todo sentido.
Entrou em contato com o interessado,
confirmou a manutenção do interesse, negociou, e deu início ao processo de
venda.
Em seguida, Leonel tomou as
providências necessárias para implantação o seu projeto na Fazenda. E, como previra,
tudo correu bem, como um trem percorrendo os trilhos habituais, entre uma
estação e outra.
Tudo encaminhado, foi tratar da sua saúde.
Surpreendente e misteriosamente, os exames iniciais demonstraram que não havia mais nenhum vestígio da doença no seu organismo. Ele estava curado.
Passados cinco anos, agora casado, com
dois filhos pequenos, muito próximo dos seus irmãos e descendentes, olhando
para trás, se viu saindo da casa da família na adolescência, percorrendo o
caminho que percorreu, construindo o que construiu, voltando, como voltou, e fazendo o que fez.
Tudo muito improvável, mas realizável, como se mostrou.
Intuiu que o que aconteceu não
poderia ter acontecido por mero acaso. Embora não conseguisse entender racionalmente, deveria haver alguma explicação. Talvez tudo do que viveu, conquistou,
fizesse parte de um plano maior, talvez de um sonho. Sonho de algum desconhecido do passado, do antigo
dono da Fazenda, dos seus pais, dos seus irmãos, inconscientemente dele próprio, ou
de alguém do futuro ainda não conhecido. Quem sabe...
“Sonhos não morrem, apenas adormecem na alma da gente. Ficam acumulando energia até poderem se concretizar. E como a alma é eterna...”
(JA, Jun16)