Álvaro nasceu no interior de São
Paulo. Seus pais trabalhavam numa grande
fazenda, cuidando, principalmente, do rebanho de gado. Moravam numa casa
simples, onde cultivavam uma pequena horta, algumas árvores frutíferas, e
criavam galinhas e porcos para consumo.
A família se relacionava com as demais famílias locais, e todos tinham
praticamente o mesmo modo e padrão de vida. Quando teve idade suficiente,
começou a frequentar a escola local como todas as outras crianças. Quando não estava na escola, além de fazer os
deveres escolares, tinha sob sua responsabilidade pequenas tarefas que executava,
ajudando nos afazeres domésticos.
Entretanto, assim que terminou o Ensino
Médio, sem muito planejamento, achando que seria bom, aproveitou uma oportunidade,
e acabou indo ir estudar na capital.
"Muitas vezes, tomamos
alguns caminhos que nem imaginávamos
tomar algum dia. É quando, por isso ou por aquilo, nos deixamos levar por
alguma correnteza favorável da vida."
Inicialmente estranhou muito, pois
não estava acostumado com outras pessoas e com outro ambiente, senão aqueles onde foi
criado. Porém, pouco a pouco, foi se adaptando à nova rotina: local de moradia,
novos horários, companheiros, professores... O que ele percebeu é que as pessoas
dali não tinham os mesmos valores que ele – pensavam um pouco diferente; tinham
um conceito diferente do que era bom ou mau. Ele, por exemplo, gostava do silêncio,
de ouvir o rio correndo no seu leito, o canto dos pássaros, músicas de viola...
Eles, por outro lado, gostavam do ruído nervoso das músicas modernas, onde
falavam aos gritos uns com os outros – quando isso era possível. Percebeu que nem
sempre podia contar com os novos amigos, como contava com os antigos,
conhecidos de tanto tempo. Como sua mãe lhe aconselhara: ‘Confiar, sempre desconfiando’.
Pois é, por algumas experiências vividas, concluiu que era isso mesmo. Ela
estava certa, outra vez.
Ele procurava se enturmar com os do seu grupo, mas
esse processo era lento. Muitas vezes
ficava sozinho e, melancólico, lembrando com saudades da sua vida anterior. Mas se sujeitava àquilo porque
queria se superar - se formar, arrumar um bom emprego, enfim ser mais bem sucedido do que seus antigos colegas, que não tiveram a mesma oportunidade que
ele estava tendo.
“A vida me afastou de pessoas que eu
pensava que seriam para sempre, e me aproximou de outras que eu nunca imaginava
conhecer.”
O que o ajudava nesse processo é que
ele tinha consciência do seu valor: era inteligente, ambicioso, tinha
habilidade esportiva, era saudável e bem apresentável. A única coisa que
atrapalhava um pouco era o seu sotaque interiorano que o diferenciava dos
demais, denunciando a sua origem. Mas, e daí? Tinha consciência de que seu
jeito de falar era aceitável, dependendo do que falasse; além disso, tinha
certeza que, com o tempo, iria assimilar o modo de falar dos locais, e pronto.
Cerca de um ano depois, começou a
sair com uma das garotas da faculdade. Inicialmente foram a barzinhos, cinema
e, depois de algum tempo, ele conheceu a sua família. Quando conheceu a família dela conseguiu
formar um conceito mais completo do universo que envolvia aquela menina. Ele se sentia como um astronauta chegando a
um novo planeta: seus costumes, seus gostos, decoração da casa, relações
familiares – tudo muito diferente de como era na sua casa.
Refletindo sobre isso, chegou à
conclusão de que, embora diferentes, tinham muitas coisas em comum,
principalmente a afeição genuína entre os seus membros, a par das eventuais
rusgas, por isso ou por aquilo. Essencialmente, uns queriam o bem do outro e se
prontificavam a sacrificar seu espaço, tempo e dinheiro em benefício do outro. Ora,
era como na sua casa. Podiam ser muito
diferentes, mas, no essencial, naquilo que era o mais importante, eram iguais.
Assim que chegou a essa conclusão, tudo ficou mais fácil. Pode extrapolar
essa mesma lógica para os seus demais colegas – era só descobrir a similaridade,
se houvesse, nas coisas mais importantes.
Começou a se integrar mais com as pessoas que identificava como
similares, e tudo foi ficando mais fácil. Passou a confiar mais nessas pessoas,
ficar mais à vontade, e voltou a ser como ele era – a se comportar como antes, quando
ainda estava no meio dos seus.
"Só sobrevive quem se
adapta".
Assim, com o tempo, a sua mudança foi
se consolidando, criando raízes cada vez mais profundas, de tal forma que, anos
mais tarde, passou a se identificar e ser confundido com os locais, embora
jamais tivesse perdido o seu vínculo com o passado remoto que, de alguma forma,
ele sempre o carregou consigo. Porém, com o distanciamento, conseguia facilmente
agora separar um coisa da outra. Jamais
renegou seu passado, muito pelo contrário.
Sabe que é quem conseguiu ser atualmente, por ter sido aquele que foi lá
atrás.
As coisas se mesclaram de tal forma
que resultaram num novo ‘universo’, o seu - singular, único. Esse universo não
é definitivo pois, como todos, está em
constante evolução. Os universos, os seres, nunca estão completos. O conhecimento,
as experiências os eventos, vão acrescentando, modificando, transformando, num
processo contínuo e recorrente.
Nesse seu caminhar, concluiu que os
lugares podem variar, mas não são tão importantes quanto as pessoas que o
habitam. As pessoas fazem toda a diferença, e
são elas que acabam por nos influenciar.
“As pessoas boas, deixam alegria; as
más, deixam lições; e as maravilhosas, deixam lembranças.“
(JA, Out14)